Por: Danaila Almeida
Ao caminhar pela rampa do Palácio do Planalto em 1° janeiro de 2023, o presidente eleito para o seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), governará uma nação diferente daquela que administrou entre 2003 e 2010.Ao término do segundo mandato na Presidência da República, Lula gabava-se de sua popularidade, com a aprovação de 83%, segundo o Ibope. Agora, enfrentará uma sociedade polarizada marcada pelo antipetismo que reconfigura-se conforme a época. Há 5 anos, o combate à corrupção sob o égide da Operação Lava Jato tornou-se o eixo do movimento. Hoje,o núcleo do bolsonarismo fomenta a oposição. De acordo com Pablo Ortellado, o antipetismo se refere a :
Uma espécie de coração dessa oposição populista ao globalismo, ao que chamam de marxismo cultural e ideologia de gênero e a tudo isso que é percebido como obra das elites culturais. Um ódio generalizado aos partidos e aos atores políticos e contra progressistas nos costumes: os artistas, o pessoal do teatro, a Rede Globo, a academia e a universidade. (ORTELLADO, 2022)
Sob este prisma, os antagonismos aos partidos de esquerda explicitaram-se na disputa eleitoral. Como resultado, os partidos deste espectro político elegeram uma minoria de senadores e deputados , por outro lado, tem-se um parlamento composto majoritariamente por congressistas conservadores. Com isto, as relações com o congresso nacional configuram-se como o segundo desafio para o novo governo. Um dos grandes vencedores nas eleições parlamentares foi o Partido Liberal (PL), do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na Câmara dos Deputados, o partido conquistou 99 assentos. E para o Senado , o PL registrou oito vitórias, que passa a ter a maior bancada nesta casa. Além do Partido Liberal e dos membros de partidos da coligação de Bolsonaro, como o Partido Progressista (PP) e republicanos, a direita contará com outros membros de partidos que farão oposição ao presidente, como os senadores eleitos Sérgio Moro (União Brasil-PR) e Alan Rick ( União Brasil-AC). Neste sentido, o presidente precisará negociar com o congresso para ter e manter a maioria parlamentar.
O cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Ricardo Ismael (2022) indica que “ a primeira tarefa do presidente eleito é buscar conversar com os partidos e as lideranças do Congresso Nacional, para tentar montar essa maioria, além
de buscar participar das negociações para eleição dos presidentes da Câmara e do Senado". É a capacidade de articulação com as forças políticas do Congresso, que o presidente poderá estabelecer pautas prioritárias e asseverar a governabilidade durante o mandato. Ademais, o ambiente econômico é o inverso do que prevaleceu nos governos predecessores, quando o enfraquecimento do dólar somado ao extraordinário crescimento chinês - taxas anuais de 8% e 14% - propiciou um superciclo das commodities, que alavancou a economia brasileira. Agora, o governo herdará entraves econômicos , cujos efeitos reverberam na dimensão social.
Ao alçar a presidência do Brasil em 2018, Jair Bolsonaro juntamente com Paulo Guedes, ministro da economia, conduziram a seara econômica em consonância aos preceitos neoliberais. A mínima intervenção estatal e as forças do mercado, tornaram-se os pilares das políticas econômicas do governo Bolsonaro incumbidas cegamente a Paulo Guedes. Entretanto,tais políticas não suscitaram em crescimento econômico e desenvolvimento social, sobretudo quando a pandemia da Covid-19 propagou-se pelo país. Logo, a viabilidade e as pretensas qualidades do modelo neoliberal foram confrontadas pela realidade.
Como resultado, a inflação escalou de 2020 até abril de 2022, chegando a mais de 12% na taxa acumulada em 12 meses. Após esse pico, a inflação começou a cair e em agosto de 2022 baixou para 8,73%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A alta no processo inflacionário mina o poder de compra da população. Salienta-se a acentuação da precarização nas relações de trabalho e o endividamento de 76% das famílias do país, conforme revela a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic).
Além disso, 22,3 % da população terminou o ano passado na pobreza,o maior percentual em 10 anos, segundo levantamentos do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds). Conforme apregoa o economista Paulo Tafner,“O Brasil vinha numa trajetória histórica de redução da pobreza,mas no meio do caminho, apareceu uma pedra, a pandemia, e ainda, estamos vendo seus efeitos”. Nessa conjuntura, vale ressaltar o retorno do Brasil ao Mapa da Fome. Um país entra no Mapa da Fome da FAO quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos. No Brasil, 4,1% da população enfrentam a fome crônica de alimentos,segundo levantamentos realizados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura em 2022.
Durante a campanha eleitoral, a renegociação das dívidas, valorização dos salários e
suporte às políticas sociais tornaram-se os sustentáculos dos discursos de Lula e tais aspectos foram reiterados em seu primeiro discurso após a vitória. Para isto, o presidente terá que enfrentar contas públicas apertadas para financiar as políticas assistencialistas, por exemplo, sem suplantar a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Teto dos Gastos - mecanismo que impõe um limite no valor que o poder público pode gastar a cada ano. Entretanto, o novo governo quer que o Congresso delibere acerca da exclusão permanente do atual Auxílio Brasil do teto de gastos. Com a aprovação da PEC de transição, o furo no teto gastos poderá vigorar durante os quatro anos de mandato.
No que tange ao sistema educacional brasileiro, o governo Lula será herdeiro de um difícil cenário. De acordo com pesquisas realizadas pelo IPEC para o UNICEF,2 milhões de brasileiros entre 11 a 19 anos, ainda não concluíram a educação básica, haja vista a falta de infraestrutura nos ambientes de ensino, o precoce ingresso no mercado de trabalho e, especialmente a piora na qualidade da alimentação escolar. Recentemente, Jair Bolsonaro vetou o reajuste de verba para merenda escolar aprovada pelo Congresso. O corte de 34% compromete a quantidade e qualidade da alimentação dos estudantes.
Para o país, este panorama representa a “ atividade econômica reduzida, maior concentração de renda, taxas de violência maiores, democracia fragilizada, cidadania fragilizada”, conforme pontua Priscila Cruz, presidente do movimento Todos Pela Educação. Segundo Cruz, o governo deve reestabelecer a cooperação entre União, Estado e municípios para solidificar o federalismo na educação brasileira. E "colocar em prática uma agenda sistêmica de políticas educacionais baseadas em evidências e nas boas experiências brasileiras — a implementação do novo ensino médio, política de primeira infância, política de formação continuada de professores, além de ampliar a oferta de educação profissional e técnica nas áreas da economia do século 21."
Os desafios do novo governo não se restringem ao cenário doméstico. Reposicionar o Brasil na seara internacional, enquanto importante ator político, será um dos reveses do presidente eleito. O professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Guilherme Casarões (FGV) indica que “ Lula não vai conseguir repetir a mesma política externa que fez em 2003, mas pode tentar recuperar o reconhecimento internacional do Brasil após o governo de [Jair] Bolsonaro". Cumpre ressaltar que a política externa de Jair Bolsonaro apoiou-se no alinhamento ideológico e incondicional com os EUA de Donald Trump.
Além de contenciosos com as nações europeias decorrente de pautas ambientais, distanciamento da China e dos países da América Latina governados por partidos de esquerda. Tais ações culminaram no isolamento do Brasil na arena internacional e problemas de cunho econômicos e diplomáticos. Agora, o governo eleito assume a incumbência de reinserir o Brasil no cenário global para defender os interesses nacionais e atuar de maneira propositiva no sistema internacional numa conjuntura de belicosidades e intensificação da competição internacional entre as potências.
Para reaver o reconhecimento internacional, o Plano de Governo do Partido dos Trabalhadores (PT) destaca a intenção de“ recuperar a política externa ativa e altiva que nos alçou à condição de protagonismo global”. O programa preconiza ainda a integração e o fortalecimento com países na América do Sul , da América Latina e do Caribe. Tendo em vista que iniciativas desta natureza mergulharam no ostracismo durante o governo Bolsonaro.Os antagonismos entre Estados Unidos e China também representam um desafio para o governo Lula.
Em 2009, a China tornou- se o principal parceiro comercial do Brasil. Mas desde a intensificação das rivalidades entre as unidades políticas, os EUA vêm cobrando um claro posicionamento de seus aliados. Sendo assim, a solução para o Brasil seria a adoção da “equidistância pragmática”.Dessa forma, Guilherme Casarões apregoa que “tradicionalmente o Brasil tem uma rara que é conseguir transitar sem compromissos ideológicos entre grandes potências".Os desafios da política externa convergem também para os compromissos com a preservação da Amazônia.
Em seu discurso após a vitória, Lula ressaltou que “estamos abertos à cooperação internacional para preservar a Amazônia, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania", pauta minimizada pelo governo Bolsonaro e traduzida no crescente desmatamento na Amazônia. Após sua eleição, os líderes internacionais comprometeram-se em cooperar com o Brasil em aspectos atinentes a pauta ambiental.
Na seara internacional, o pesquisador da Universidade de Harvard, Hussein Kalout argumenta que "podemos esperar uma política externa soberana, pragmática e realista para o governo Lula, em convergência com a demanda do povo brasileiro". Sendo assim, atenuar os efeitos dos aspectos supramencionados no corpo deste texto torna-se imperioso para assegurar o bem-estar da população e fortalecer o Estado democrático brasileiro . Bem como alçar o Brasil no cenário global enquanto protagonista, conforme preconiza a política externa altiva e ativa proposta pelo novo governo.
REFERÊNCIAS
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