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Júlia Assis / Observatório

Atentado à Kirchner, atentado à Democracia e atentado à América do Sul

- Júlia Assis


No dia 01/09 a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, sofreu uma tentativa de homicídio em Buenos Aires, capital do país, quando o brasileiro Fernando Sabag Montiel atentou contra ela enquanto a mesma estava em frente à sua casa no bairro Recoleta, acenando para apoiadores. O atentado, que contou com o auxílio de Brenda Uliarte, a namorada do brasileiro, em seu planejamento, não obteve sucesso, visto que a arma utilizada falhou, mesmo estando carregada, segundo autoridades argentinas responsáveis pela investigação do caso.

Cristina Kirchner ainda exerce grande influência no país, dado sua passagem pela presidência durante os anos de 2007 a 2015 que foi marcada pelo “kirchnerismo” e as ideias populistas de esquerda, herança do governo anterior de Néstor Kirchner, onde foram implantadas políticas públicas de distribuição de renda e houve aumento dos gastos do Estado. Assim, não foi uma surpresa o país ter sido cenário de inúmeras manifestações, nos dias seguintes ao ataque, que demonstravam solidariedade à vice-presidente. A Praça de Maio, local tradicionalmente palco de grandes protestos, foi tomada por cartazes pedindo o “fim do ódio” e o fim da polarização política na Argentina.

Já o presidente Alberto Fernández, em discurso, atribuiu o atentado aos discursos divulgados por setores políticos, judiciais e midiáticos, os quais teriam incitado a violência, e declarou feriado nacional em respeito à vice-presidente, mesmo com algumas províncias argentinas opositoras ao governo vigente não aderindo ao decreto.

A reação da oposição não foi positiva: imediatamente após o decreto de Fernández, Patricia Bullrich, presidente do partido Propuesta Republicana (PRO), afirmou que o presidente estaria brincando com fogo, já que, em vez de investigar o caso, estaria acusando a imprensa e a oposição. Em meio à uma crise política e econômica, o episódio inflama ainda mais a situação da Argentina, especialmente devido à troca de farpas entre as figuras políticas do país.

Nos últimos anos, porém, tem se observado a crescente onda de violência política nos países sul-americanos, a exemplo da emboscada sofrida pela comitiva do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em agosto de 2022. O comboio foi atacado com tiros de fuzis, mas ele não estava presente no momento do ataque. Ao mesmo tempo, o continente passa por uma possível nova “onda rosa” com a ascenção de governos de esquerda, como no início do século XXI, impulsionada pela pandemia de Covid–19 e a má gestão dos governos no período, em sua maioria de direita, onde houve a volta dos discursos sobre “Estado forte” para acabar com crises mais perversas como a de 2020/2021.

Essa nova “onda rosa”, porém, não significa necessariamente uma ascensão ideológica esquerdista na América do Sul, já que a direita ainda possui uma grande relevância política. A polarização na região ainda é bastante expressiva, e acaba sendo uma grande influenciadora da onda de violência que aflige o continente e acaba enfraquecendo a democracia, que perde a legitimidade da população insatisfeita com os acontecimentos. Em vários países há ainda a preocupação sobre fake news, que acabaram tornando-se uma grande arma nas disputas políticas e mais um modo de ataque ao sistema democrático, podendo ser tão violentas quanto os atentados sofridos pelos atores políticos.

O clima na América do Sul é de bastante incerteza sobre o futuro do seu sistema político e sobre a estabilidade das instituições democráticas estabelecidas no continente. Mesmo com a consolidação de novos governos pelo território, a violência ainda se faz presente constantemente nos países, podendo prejudicar a participação desse no cenário internacional.

No início do século XXI o protagonismo sul-americano e as perspectivas de integração regional se faziam presentes, mas a narrativa agora é de reestruturação político-econômica em um cenário pós-pandemia, o que possivelmente irá postergar a retomada da aspiração de um protagonismo latino no sistema para focar em políticas públicas que mitiguem as crises deixadas pelo caminho.

Ainda assim, com a provável consolidação da nova “onda rosa” e a eleição do presidente Lula no Brasil (DATAFOLHA, 2022) , ressurgem as discussões de “união latina”, como visto na primeira “onda rosa”, a exemplo da criação da expoente Unasul (União das Nações Sul-Americanas), que demonstrou não apenas a necessidade de integração econômica, como também a necessidade de integração política dos Estados. Mesmo que essa agenda seja “futurista” no presente cenário, é quase certeira a sua retomada em um futuro não tão distante das relações internacionais.


 

REFERÊNCIAS:


BBC. Como atentado contra Cristina Kirchner põe lenha na fogueira da crise política argentina. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/03/como-atentado-contra-cristina-kirchner-poe-lenha-na-fogueira-da-crise-politica-argentina.ghtml>. Acesso em: 20 set. 2022.


CNN. Saiba quem é Cristina Kirchner, vice-presidente argentina vítima de atentado. 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/saiba-quem-e-cristina-kirchner-vice-presidente-argentina-vitima-de-atentado/>. Acesso em: 20 set. 2022.


DATAFOLHA. Confira pesquisa Datafolha para presidente e governos de SP, RJ e MG nesta quinta. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/09/confira-pesquisa-datafolha-para-presidente-e-governos-de-sp-rj-e-mg-nesta-quinta.shtml>. Acesso em: 20 set. 2022.


DELGADO, Manu. O que explica e quais os desafios da nova "onda rosa" latina. Deutsche Welle. 2022. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/o-que-explica-e-quais-os-desafios-da-nova-onda-rosa-latina/a-62212439>. Acesso em: 20 set. 2022.


DEUTSCHE WELLE. Multidão sai às ruas após ataque contra Cristina Kirchner. 2022. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/multid%C3%A3o-sai-%C3%A0s-ruas-em-rep%C3%BAdio-a-ataque-contra-cristina-kirchner/a-63010202>. Acesso em: 20 set. 2022.


FUNDAÇÃO FHC. América do Sul: os desafios da democracia na região, a partir da experiência de três países. Disponível em: <https://fundacaofhc.org.br/iniciativas/debates/america-do-sul-os-desafios-da-democracia-na-regiao-a-partir-da-experiencia-de-tres-paises>. Acesso em: 20 set. 2022.


G1. Ataque contra Cristina Kirchner: o que se sabe e o que falta esclarecer. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/02/ataque-contra-cristina-kirchner-o-que-se-sabe-e-o-que-falta-esclarecer.ghtml>. Acesso em: 20 set. 2022.


G1. Argentinos reagem ao atentado contra Cristina Kirchner com manifestações em Buenos Aires. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/02/argentinos-reagem-ao-atentado-contra-cristina-e-dizem-que-mensagens-politicas-de-odio-tiveram-influencia.ghtml>. Acesso em: 20 set. 2022.


G1. Comitiva de presidente da Colômbia sofre emboscada e é atacada com fuzis. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/08/25/comitiva-de-presidente-da-colombia-sofre-emboscada-e-e-atacada-com-fuzis.ghtml>. Acesso em: 20 set. 2022.


VALOR. Províncias argentinas não aderem a feriado decretado por tentativa de assassinato de Cristina Kirchner. 2022. Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/09/02/provincias-argentinas-nao-aderem-a-feriado-decretado-por-tentativa-de-assassinato-de-cristina-kirchner.ghtml>. Acesso em: 20 set. 2022.











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