top of page
Foto do escritorNURI

Europa em foco: crise, reformas e políticas imigratórias



A crise europeia considerada individualmente, por vezes nos obscurece o poder de análise, apontando somente para o problema central que detém a maior visibilidade no momento. Assim, os desafios do contexto passam a ter apenas um foco, livre de abordagens adjacentes. No entanto, para um entendimento mais completo, é necessário que tais vertentes contíguas – por vezes renegadas – sejam levadas em conta para a composição de uma resposta satisfatória ao contexto europeu que será, neste texto, abordado.

Nesta terça-feira (24 de abril) a Espanha anunciou reforma no setor de saúde. Agora, os imigrantes ilegais não contam mais com a cobertura gratuita que antes tinham, exceto em casos de urgência, gravidez ou de se tratar de menor de idade.

De fato, não se pode negar que tal medida reduz os gastos sociais por parte do Estado, que já tem que lidar com as dificuldades financeiras trazidas pela crise. A Espanha possui uma taxa de desemprego de 22,9%, sendo esta a mais elevada da zona do euro. Desta forma, tal corte junto com medidas que evitem o “turismo sanitário” contribuem com a economia de 7 bilhões de euros.

Além do viés econômico, como foi dito, outros pontos devem ser levados em conta, mesmo que estes possam ser componentes do primeiro. É necessário uma breve explicação acerca do que realmente consiste a União Europeia. Esta, de fato, é o processo de integração regional mais adiantado, compreendendo “ a supressão das restrições aos movimentos de mercadorias e fatores, com grau de harmonização das políticas econômica, monetária, fiscal, social e anticíclica” ( ROLIM, p. 155-156). No entanto, como foi dito por Gruppelli & Saldanha (s/d), pode-se notar que tal arranjo não se caracteriza pela existência de um Estado supranacional. Os países componentes do bloco detêm sua própria soberania e, tratando-se das políticas imigratórias de cidadãos de fora do bloco, é importante ressaltar que não existe legislação comum sobre tal tema. Os Tratados existentes na composição da União Europeia não uniformizam a política de imigração dos indivíduos de terceiros países.

Assim, não é tão difícil entender porque somente a Espanha, e não toda a União Europeia, declarou tal mudança. A reforma anunciada no dia 24 de março terá aplicabilidade legal apenas no território espanhol, que é soberano para tanto. Ou seja, a reforma é interna, apesar de atingir todo o bloco europeu, como vai ser explicado.

Foi esclarecido no início, que é preciso que se tenha outras visões, que não apenas a econômica, das políticas adotadas. De fato, não é tão simples, pois de alguma forma, todas as adjacências convergem neste ponto, porém, as motivações não se limitam a cortes de gastos. Para compreender os outros incentivos, deve-se ter conhecimento da existência do Acordo Shengen, que reduz a necessidade de controle fronteiriço entre os membros da União Europeia pela promoção da livre circulação de pessoas feita por tal acordo.


A União Europeia já foi grande destino de imigrantes e continua sendo. Senão mais por motivo de qualidade de vida através de mais oportunidades e melhorias econômicas, hoje, – fechando o foco no Norte da África – pela fuga de situações de instabilidades sociais geradas pela Primavera Árabe. Assim, há de se convir que situações extremas de conflitos civis incentivam a emigração do território instável. A Europa vem, assim, sofrendo invasão massiva de emigrantes legais ou ilegais do Norte da África. Uma vez que um ou mais destes países europeus adotem políticas internas imigratórias que venham a propiciar, beneficiar, ou apoiar de alguma forma a entrada de pessoas de terceiros países, todo o bloco terá que lidar com a entrada desses imigrantes, pois, como foi apresentado, uma vez dentro do território de qualquer país pertencente à União Europeia, o Acordo Schengen permite sua a livre circulação dentro da União.

Pressões dentro do bloco no que diz respeito aos imigrantes ganham atenção; na ilha italiana Lampedusa, centenas de pessoas chegam vindas do Norte da África. No mês passado, o ministro alemão do Interior, Hans-Peter Friedrich, declarou: “Não podemos aceitar que refugiados econômicos cheguem à Europa através de Itália(…)”. Só em 2011 houve um aumento de 50% no número de imigrantes ilegais na Espanha, fato este que as autoridades espanholas atribuíram aos deslocamentos de pessoas gerados pela Primavera Árabe.

Assim, o que se vê é a Espanha se adaptando à rigidez no que concerne ao tema, cobrado por membros do mesmo bloco. Afinal, assistencialismo a imigrantes ilegais obviamente vai de encontro ao interesse geral do bloco, que necessita apoio mútuo nesta conjuntura delicada na qual todos eles estão inseridos.

Todo este cenário problemático contribui para questionamentos existenciais da própria União Europeia. No referente ao tema aqui tratado, o ministro italiano, Roberto Maroni levanta questionamentos face às divergências entre os países membros do bloco europeu, chegando a dizer “Hoje vamos perceber realmente se existe uma Europa sólida e unida ou se é apenas uma expressão geográfica”.

Há um projeto franco-alemão que visa uma reforma no Tratado Schengen através do desenvolvimento de alertas para determinar o fluxo de imigrantes ilegais, havendo inclusive citação explícita das fronteiras sul e leste. Mas esta não foge às críticas dos eurodeputados. O controle fronteiriço proposto, mesmo que em situações excepcionais, demonstra debilitamento deste pilar fundamental na construção da Europa, pois é sobre ele que está o direito à livre circulação.

Assim, ao que parece, a Espanha toma uma posição de optar por uma voz única entre os países-membros, evitando um maior deterioramento na Zona do Euro, o que dificultaria ainda mais a recuperação econômica conjunta.


Por fim, um último ponto, ao menos para esta breve análise, não pode deixar de ser tratado: o fortalecimento da xenofobia. A ascendência de partidos xenófobos está se propagando pela Europa: os Democratas Suecos – fortemente contra a entrada e permanência imigrantes na Suécia – conseguiram, nas últimas eleições representação no Parlamento; A Frente Nacional na França tem força política; e, não deixando de lado a Liga Norte, partido da Itália que, inclusive, faz parte da coalizão do primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

Na Europa reproduz-se uma triste situação: jovens apresentam no mercado currículos que ocultam parte da sua capacitação com o objetivo de adaptação a ofertas de empregos que requerem menos qualificação. Assim, além da redução de empregos oferecidos pelos mercados e pela concorrência entre os próprios europeus, agrega-se a concorrência com imigrantes aos quais tais vagas de emprego, agora almejadas, tinham destino. A xenofobia se intensifica.

O resultado dessas vertentes apresentadas, que compõe a conjuntura europeia, é o recuo de políticas que beneficiam ou dão respaldo de alguma forma a imigrantes, agravando-se quando se tratam de imigrantes ilegais.

A Espanha, desta forma, não apenas trata de cortar assistências à saúde para tais imigrantes com o objetivo de redução de gastos sociais – apesar de se ter consciência que este seria motivo suficiente – mas também para atender aos interesses do bloco como um todo, evitando atritos que venham a enfraquecê-lo, além – é claro – de levar em conta as demandas da população desempregada.

 

FONTES

Chegada de imigrantes ilegais por mar à Espanha cresce 50% em 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/ 2012/02/chegada-de-imigrantes-ilegais-por-mar-a-espanha-cresce-50-em-2011.html Acessado em: 26/04/2012

Cresce a pressão na União Europeia pelo fechamento de fronteiras. Disponível em:http://www.gazetadopovo.com.br /mundo/conteudo.phtml?tl=1&id=1246162&tit=Cresce-a-pressao-na-Uniao-Europeia-pelo-fechamento-de-fronteiras. Acessado em: 25/04/ 2012

Crise estimula xenofobia na Europa / Editorial Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/selecao-diaria-de-noticias/midias-nacionais/brasil/o-globo/2010/09/30/crise-estimula-xenofobia-na-europa-editorial Acessado em: 26/04/2012

Espanhóis pioram currículo para concorrer a empregos de baixa qualificação. Disponível em :http://www.bbc.co.uk/portuguese/notic ias/2012/02/120202_curriculos_espanha_ai.shtml Acessado em: 25/04/2012

Fluxo de imigração ilegal aquece diálogo europeu. Disponível em: http://pt.euronews.com/2011/04/11/fluxo-de-imigracao-ilegal-aquece-dialogo-europeu/ Acessado em: 25/04/2012

Gruppelli, J; Saldanha, M. A União Européia e os direitos humanos dos imigrantes extracomunitários. Disponível em: http://www.ufsm.br/revistadireito/eds/v2n3/a09.pdf Acessado em: 25/04/2012

Cássio Frederico Camargo Rolim. Título: Integração x Integração. Disponível em: http://revistas.fee.tche.br/index.p hp/indicadores/article/viewFile/859/1134 . Data de acesso: 11/04/2012.


3 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page