Consumismo na moda e a urgência ambiental por modelos de produção sustentáveis
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Autora: Laura Macedo Barreto Cavalcante França
A indústria têxtil sempre teve importância significativa no comércio internacional e foi também uma peça central para a industrialização assumir a forma globalizada e interdependente que conhecemos atualmente. Juntamente às contribuições da indústria para um mundo contemporâneo e globalizado, a moda emerge em um cenário agregado aos altos padrões econômicos de seus consumidores, e suas tendências tinham um claro objetivo de destacar e distinguir posições sociais (VIEGAS, 2017, p.11) entre aqueles que produziam as roupas e aqueles que as utilizavam — como entre a nobreza e os camponeses. E essa segregação perdura até hoje. Logo, o mercado da moda surge como e segue sendo de extrema importância para a economia mundial. Somente no Brasil, no ano de 2023, o faturamento da cadeia têxtil foi de R$203 bilhões (ABIT, 2024), globalmente são produzidas cerca de 100 bilhões de peças por ano (ABREMA, 2025), constando 12 peças por pessoa anualmente, indicando lucro alto mesmo com uma produção excessiva. Isso estabelece uma ponte entre oferta, demanda e baixo custo de produção, exigindo um modelo de produção veloz e massificado.
Nesse contexto surge o fast fashion, uma promessa de preços acessíveis em peças que replicam o estilo das grandes passarelas. O fast fashion é visto como um meio de democratização da moda. Seu baixo custo de produção e materiais de qualidade inferior conseguem garantir um preço final econômico para as peças. No entanto, o consumo desse modelo vem causando danos ambientais que têm demandando uma crescente responsabilidade social e empresarial (LUCIETTI et al., 2018, p. 3), já que contribui para uma maior incidência de desastres naturais e poluição terrestre e marítima. Algumas etapas do modelo explicam essas ocorrências, como por exemplo a produção acelerada do fast fashion, que na prática leva em média apenas três dias até a entrega do produto pronto. Para além disso, estima-se que o material de melhor custo-benefício para a confecção é o poliéster, que é altamente poluente em razão do longo processo de decomposição e seu descarte indevido — uma ocorrência muito comum. Calcula-se que a produção mundial é de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano (ABREMA, 2025). Além disso, a indústria do fast fashion produz, anualmente, cerca de 10% das emissões globais de carbono, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Ademais, o mercado da moda dita tendências diariamente, produzindo novas coleções que alimentam o consumo exacerbado (LUCIETTI et al., 2018, p. 3), agindo como um dos pilares que sustentam o modelo de produção.
As peças produzidas pelas empresas de fast fashion — como Zara, Shein, Forever 21 — são, em sua maioria, de qualidade reduzida e menor vida útil, o que leva à “necessidade” constante de renovação do guarda-roupa, assim como tendências passageiras. Atualmente, uma roupa pode tornar-se popular, ser comprada em massa e perder a relevância em um curto período de tempo, tornando a peça obsoleta para aqueles que a compraram por influência de propagandas e redes, o que destaca a relação entre oferta e demanda. No entanto, para perpetuar esse consumismo, existe uma deficiência nas condições de trabalho que o sustentam. Dentro desse serviço, os funcionários — em sua maioria mulheres, crianças e imigrantes — enfrentam jornadas exaustivas de trabalho, recompensadas com um salário incongruente. E comumente, o palco para esse cenário desgastante são países em desenvolvimento com forte economia industrial, com destaque para a China e Bangladesh. Por conseguinte, a popularização da Shein durante a pandemia da Covid-19 trouxe à tona mais uma vez os casos de exploração da indústria. Apesar das promessas da empresa de se comprometer com o bem-estar de seus funcionários (Bicker, 2025), seus colaboradores afirmaram em entrevista à BBC que suas jornadas duram até 12 horas diárias e contam com folgas, no máximo, uma vez ao mês. Assim sendo, as problemáticas acerca da indústria do fast fashion conversam entre si — desde o dano ambiental promovido por resíduos têxteis até as condições de trabalho insalubres —, e vão contra os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, mais pontualmente contra o ODS 12 (consumo e produção responsáveis) e o ODS 8 (trabalho decente). No entanto, a partir de tais questões, ascende um movimento antítese ao fast fashion, o slow fashion.
O slow fashion favorece qualidade à quantidade, propõe que roupas devam ser acessíveis, duráveis, recicláveis e seguir um modelo de consumo ético e responsável, que conta primariamente com a autodisciplina e moderação (LUCIETTI et al., 2018, p. 4). Suas práticas podem ser aplicadas por empresas que valorizam seu processo de confecção, como uso de matéria prima não poluente e peças perenes mas também no cotidiano, com o descarte apropriado de tecidos, consumo consciente, e o upcycling. O upcycling é um processo que busca evitar o desperdício de materiais úteis ao reutilizar resíduos têxteis que seriam indevidamente descartados, agregando nova função a eles, ou renovando a peça e devolvendo-a para o mercado. Suas vantagens incluem a minimização do uso de recursos energéticos, valorização dos materiais já existentes e a criação do novo a partir de um produto já inserido no mercado e no meio de uma produção massificada (LUCIETTI et al., 2018, p. 5). Considerando as vantagens, práticas sustentáveis podem ser vistas como uma tendência de mercado; a preocupação com a qualidade ou origem dos materiais usados nas roupas pode não ser universal, mas é crescente. Nesse sentido pensa-se em uma economia circular — oposta ao modelo global de produção linear onde a vida útil de um produto acaba com seu descarte —, um modelo que transforma resíduos em recursos e busca gerir estoques finitos e fluxos renováveis (TROIANI, SEHNEM e CARVALHO, 2022, p. 64).
Tais práticas podem, inclusive, promover a mesma influência de consumo que o fast fashion, porém para um lado positivo. Ao ter uma cadeia produtiva sustentável, as marcas promovem uma imagem consciente que levanta em seus consumidores uma preferência por produtos semelhantes. No Brasil, marcas como Natura e o grupo Boticário são famosas por esse compromisso ambiental e qualidade de produto. De maneira geral, o slow fashion, e suas práticas semelhantes, propõe uma nova maneira de mobilizar os recursos a partir da reutilização, e se apresenta um passo importante para contrapor as práticas poluentes insustentáveis do modelo de produção do fast fashion. A prática do upcycling e do slow fashion não precisa ser cara ou inacessível, seu incentivo já acontece por parte de marcas nacionais como a Pythia e a Mudha, mas pode surgir a partir de comunidades e iniciativas pessoais, como brechós comunitários e confecção de peças próprias. É observável que a tendência do fast fashion se sobressai ao slow fashion por sua praticidade e acessibilidade, no entanto, a consciência para com o meio de produção que essa “moda rápida” incentiva é essencial para alimentar seu movimento contrário e promover um consumo e produção responsáveis, bem como apoiar um trabalho decente e ético. É necessário analisar a pauta ambiental também como social e econômica, para então compreender a importância das empresas de mudarem seu comportamento para com práticas sustentáveis
REFERÊNCIAS: ABIT – Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção. Disponível em: https://www.abit.org.br/cont/perfil-do-setor. BICKER, Laura. A verdade por trás da sua blusinha de R$30 da Shein. BBC News Brasil, 13 jan. 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cly423q5zq5o. Acesso em: 22 out. 2025. LUCIETTI, T. J.; TRIERWEILLER, A. C.; RAMOS, M. S.; SORATTO, R. B.; MACIEL, C. E.; VEFAGO, Y. O upcycling como alternativa para uma moda sustentável. In: 7th International Workshop | Advances in Cleaner Production – Academic Work: Cleaner Production for Achieving Sustainable Development Goals, Barranquilla, Colombia, 21–22 jun. 2018. NA ERA DA MODA RÁPIDA E BARATA, 80% DO DESCARTE TÊXTIL VIRA LIXO – ABREMA. Disponível em: https://www.abrema.org.br/2025/01/20/na-era-da-moda-rapida-e-barata-80-do-descarte-textil-vir a-lixo/. VIEGAS, J. P. Moda e Relações Internacionais: um estudo de caso do projeto “Iniciativa para uma Moda Ética.” Monografia — Centro Universitário de Brasília – UniCEUB: [s.n.], 2017. TROIANI, L.; SEHNEM, S.; CARVALHO, L. Moda sustentável: uma análise sob a perspectiva do ensino de boas práticas de sustentabilidade e economia circular. FGV, EBAPE, 2022.



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