top of page
Foto do escritorNURI

O que será do Egito?


O momento é tenso e talvez você esteja pensando que esta não seja a melhor hora para escrever qualquer coisa sobre o Egito, que não diga respeito à época pré-dinástica. E você está certa(o): não serei capaz de cavar fundo para analisar o que aconteceu em 3 de julho de 2013 na praça Tahrir; mas posso afirmar que antes de Menés o Egito não era “O” Egito que conhecemos na História. Talvez estejamos atravessando outro momento que defina o que “O” Egito deverá ser daqui para frente.

30 de junho de 2012 foi a data em que Mohammad Morsi, representante da Irmandade Muçulmana¹, foi eleito Presidente do Egito. Os problemas começaram a surgir já em novembro quando o presidente conseguiu aprovar mudanças constitucionais que ampliavam seus poderes, impedindo, por exemplo, que órgãos de justiça apelassem contra seus decretos. Essa medida foi lida por muitos como uma maneira de afastar ainda mais a sombra de Mubarak, pois muitos dos altos funcionários do judiciário eram remanescentes do período. Morsi continuou tomando decisões consideradas “impopulares” e “isolacionistas” do ponto de vista político, fortalecendo os membros da irmandade e se afastando da oposição mais liberal. Para piorar a situação, a economia egípcia não vai bem, principalmente em função da desconfiança internacional sobre a competência de um governo tão intimamente ligado à religião (leia-se ao islã).


No aniversário de um ano do governo Morsi, milhões de manifestantes inundam as ruas e avenidas egípcias clamando pela saída do presidente eleito, e convocando eleições antecipadas. Como era de se esperar, Morsi não cedeu à pressão inicial, e permaneceu firme em sua posição de líder. O problema é que não houve outra pressão que não a inicial, já que no dia 1º de julho, o exército egípcio deu ao presidente um prazo de 48 horas para resolver os problemas, ou interviriam na situação. A crise política não teve fim; o resultado nós já sabemos.

Rapidamente formam-se times com opiniões diversas sobre o que aconteceu no Egito nos últimos anos; surgem aqueles que entendem com extrema profundidade os acontecimentos, que nos enchem de nomes até que não sejamos capazes de lembrar qual a sua importância, mas, que por algum motivo, não sugerem o que pode acontecer daqui para a frente. Ora, é óbvio que não serei eu aquele capaz de dar estas respostas; mas não vou fugir da raia.

O que acontece no Egito, acontece no Brasil e acontece na Turquia e já aconteceu no Egito. O povo não quer mais; pronto. “Não quer mais porque é manipulado!”; sim, pode ter certeza que muitos dos manifestantes não tem opinião formada sobre o governo Morsi, ou sobre qualquer outro governo. Mas não quer mais, e vendo o que foi capaz de fazer há um ano, e vendo o que está sendo feito em todo o mundo, não pensou duas vezes. O movimento Tamarod dá, inclusive, uma aula de como se fazer protestos, demonstrando uma organização primorosa em suas intervenções, deixando claro que talvez não sejam assim tão imaturos. Mas não se pode negar que a globalização atingiu, de fato, o mundo árabe, e os desejos por democracia (seja lá o que você entenda por isso) não adormeceram. O Egito está atento; sabe o que quer.

Nesse sentido, me atrevo a dizer que não tenho medo de que se instale uma ditadura militar no país: o primeiro passo de Abdel Fatah al Sisi, ministro da Defesa e importante figura para a queda de Morsi, foi passar o poder ao então presidente da Suprema Corte, Adly Mahmud Mansur. Este por sua vez foi veloz ao garantir que todos serão ouvidos no processo de reconstrução, inclusive a Irmandade Muçulmana. Para você, analista voraz que não acredita em nenhum discurso, talvez fique mais tranquilo ao saber que o Brasil não apoia o golpe (pelo menos não de maneira direta), mas mais importante do que isso, os Estados Unidos da América (sim, aqueles que talvez estejam por trás de tudo isso!) expressaram claramente seu desconforto em relação ao golpe militar, pedindo para que o poder fosse, o mais rápido possível, passado para um governo democraticamente eleito. É bom lembrar que os americanos enviam cifras bilionárias todos os anos para as forças armadas egípcias. Pronto; não tema mais a ditadura.

Outro aspecto que está gerando discussão é o golpe em si. Traumatizados pela ditadura militar vivida no Brasil, analistas condenam o golpe egípcio, simplesmente em função do envolvimento dos militares no processo. Óbvio, seria muito melhor do ponto de vista da democracy se apenas civis fossem às ruas pedir o impeachment do presidente, mas exemplos não faltam de casos em que, sem a “ajuda” das forças armadas, o processo pode ser muito mais complexo. Então, de uma forma geral, não vamos discutir se foi ou não foi um golpe militar (porque foi), mas vamos discutir até que ponto a população terá voz e em que momento essa voz será de fato ouvida. O período entre Mubarak e Morsi também foi de governo militar, e não foi bem aceito pela população; desta vez, com o poder dividido entre al Sisi e Mahmud Mansur, a esperança é que seja diferente. O que quero dizer é que não devemos achar que o Egito não está preparado para viver uma democracia simplesmente em função do golpe militar.

O Egito mostra sua cara mais uma vez, talvez manipulados por forças externas, talvez não. O fato é que analistas internacionais têm deixado de lado um aspecto muito importante para a movimentação de um país: a vontade política de seu povo. Não me parece que eles desejem voltar aos tempos faraônicos, quando deus e rei se confundiam num só homem, religião e política eram basicamente a mesma coisa. É esperar para ver.

 

[1] Organização de caráter fundamentalista e, muitas vezes, considerada “extremista” por rejeitar muitos dos preceitos ocidentais e o chamado “islamismo moderado”.


21 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page