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Síria: o que está em jogo?



Devido à acusação de que haveria ocorrido o uso de armas químicas contra civis na Síria, a possibilidade de uma intervenção militar tornou-se realidade, porém não é aceita por todos Estados, e faz-se necessária uma analise mais profunda da situação, já que caso não ocorra uma solução diplomática para a Síria, a crise pode tomar proporções internacionais.

Para entender a crise na Síria, é necessário compreender a formação religiosa de sua população, já que inicialmente se tratava de um problema político e religioso. Considerando que 86% da população é islamita, divida entre 74% sunitas e 12% xiitas, que são as principais vertentes do islamismo, e que o atual presidente sírio Bashar al-Assad pertence à seita islâmica alauita, uma vertente dos xiitas, temos um problema de não representatividade de interesses da maioria da população. Bashar al-Assad tomou posse em 2000, e logo após assumir o poder tomou medidas entendidas como ditatoriais, pois impôs censura à imprensa e decretou Estado de Emergência.

Devido as atitudes do atual governo, em março de 2011, um grupo se reuniu na cidade de Deera, ao sul da Síria, para pedir a libertação de 14 estudantes de uma escola local que haviam sido presos e supostamente torturados por terem escrito no mural do colégio o conhecido slogan dos levantes revolucionários na Tunísia e no Egito: “As pessoas querem a queda do regime”. Inicialmente, o desejo dos manifestantes era de conquistar uma maior liberdade e democracia e não a renúncia de Bashar al-Assad. Mas devido à reação brutal do governo, que abriu fogo contra os opositores, causando a morte de quatro pessoas, as manifestações se espalharam por todo o país e os protestantes passaram então a exigir o fim de regime.

A fim de acalmar os ânimos, em abril de 2011, o governo decretou fim ao Estado de emergência que já durava 38 anos. Bashar al-Assad pronunciou-se afirmando que aceitaria as manifestações políticas pacificas, mas as informações que os rebeldes e os opositores em exílio expuseram para a comunidade internacional eram diferentes dos que Bashar al-Assad usava como defesa na ONU.


Diante das denúncias, a ONU e a Liga Árabe procuraram saídas diplomáticas que não foram acatadas pelo governo Sírio. Desde então uma possível intervenção militar passou a ser cogitada, mas foi vetada pela China e pela Rússia, que vêm protegendo a Síria diplomaticamente desde 2011. O atual governo sírio conta também com o apoio do Irã e do grupo xiita Hezbolah.

Devido às alianças conquistadas pelo governo de Bashar al-Assad, a preocupação de alguns membros do Conselho de Segurança da ONU deixou de ser apenas com os civis sírios e sim com a sua própria segurança, como no caso dos Estados Unidos que investigam um possível envolvimento do governo sírio com a Al- Qaeda.

O ex-embaixador da Síria no Iraque, Nawaf al-Fares, até agora o político mais importante ligado ao governo de Assad a ter desertado, afirmou em entrevista à BBC que o regime colaborou com militantes sunitas da rede Al-Qaeda em uma série de atentados atribuídos às forças opositoras. A alegação de Fares foi questionada devido ao fato de Assad pertencer à minoria alauita, que é opositora aos sunitas. Isso não foi o suficiente para Fares voltar atrás, afirmando que “há suficiente evidência na história de que muitos inimigos se unem quando há um interesse em comum”.

Após as declarações de Nawaf al-Fares, o governo de Bashar al-Assad passou a ser visto pelos Estados Unidos como uma constante ameaça. Apesar disso este não é o argumento utilizado pelos EUA para defender uma intervenção militar na Síria, e sim as possíveis evidências de que o governo de Sírio teria usado armas químicas contra os rebeldes. Segundo o governo estadunidense, as informações obtidas a partir do documento divulgado pelo seu secretário de Estado, John Kerry, mostram que existem claras evidências de que Assad preparava o uso de armas químicas, e que o teria feito em grande escala em 21 de agosto. De acordo com Kerry, o número de vítimas é de 1.429 pessoas, sendo 426 crianças. O número é exatamente igual ao que está no balanço da oposição síria – a maior interessada em um ataque contra Assad. Apesar do governo de Assad ser o principal suspeito do uso de armas químicas, existe argumentos contrários, pois o governo sírio admite que, apesar de possuir um estoque de armas químicas, não faria uso em seu próprio território. O Ministro da Informação, Imran al- Zu’bi, disse que os ataques da quarta-feira não teriam sido possíveis diante do perigo que representariam as próprias forças do governo que estavam perto da área supostamente afetada com agentes químicos.

Correspondentes internacionais de uma rede da BBC de Londres, acham difícil acreditar que o governo sírio, que recentemente recuperou terrenos dominados pelos rebeldes, fizesse um ataque com armas químicas enquanto inspetores estivessem no país.

Além disso, há rumores de que o uso de armas químicas teria sido feito por rebeldes sírios. Após numerosas entrevistas, médicos residentes da cidade de Ghouta, relatam que para eles a obtenção das armas químicas pelos rebeldes teriam sido feitas através do chefe de inteligência, o príncipe Bandar bin Sultan. Outra evidência interessante que contraria o argumento do EUA para atacar o governo sírio é o depoimento de alguns membros da oposição síria:“Meu filho veio a duas semanas me perguntar o que eu penso sobre as armas químicas, da qual ele havia sido convidado a utilizar”, disse Abul Abdel-Moneim, pai de um dos rebeldes que luta pela derrubada de Assad, morador da cidade de Ghouta, Abdel-Moneim relatou também que seu filho e outros 12 rebeldes foram mortos dentro de um túnel, usado para armazenar armas fornecidas por um militante saudita, conhecido como Abu Ayesha, que liderava um batalhão de luta. Abdel-Moneim contou também que no mesmo dia em que seu filho e outros rebeldes morreram durante o ataque com as armas químicas, um grupo militante Jabhat al-Nusra, que está ligado à Al-Qaeda, anunciou que seria interessante se houvesse ataques a civis no reduto de Latakia na costa oeste da Síria, como suposta retaliação.

Em um artigo recentemente publicado pela Bussiness Insider, o repórter Geoffrey Ingersoll destacou que a participação do príncipe saudita Bandar durante a guerra civil na Síria seria uma confirmação do que muitos observadores já pensavam: os laços estreitos de Bandar com Washington terem sido a mola propulsora para a guerra dos EUA contra a Síria. De acordo com o jornal The Independent do Reino Unido, foi a agência de inteligência do príncipe Bandar, que informou a seus aliados ocidentais, da possibilidade de ter ocorrido o uso de gás sarin, pelo regime de Assad.

Se considerarmos que o provável uso de armas químicas beneficiou os rebeldes, que agora contam com o apoio da Grã Bretanha e do EUA, é possível que acusação contra o governo de Assad seja um engano. Caso isso seja verdade, os EUA e seus aliados podem ter como culpado o alvo.

Mesmo diante dos discursos contrários à acusação de que o governo de Assad teria feito o uso das armas, o EUA não se mostram interessados em examinar qualquer prova contrária. Pelo menos foi o que ficou evidente quando seu secretário de Estado, John Kerry, afirmou que “o uso de armas químicas pelo regime de Bashar al-Assad na guerra civil Síria é inegável e alertou que as leis internacionais não podem ser violadas sem consequências.” Contudo, o interesse dos EUA em intervir na crise da Síria torna-se bastante questionável quando evidencia que o seu interesse humanitário tem maior importância que seu interesse nacional.

Enquanto os Estados Unidos se esforçam para convencer a comunidade internacional sobre a necessidade de se fazer uma intervenção militar, contando com o apoio da França e do Reino Unido, a China e a Rússia, também membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, vetam a intervenção militar. Aqui vale ressaltar que desde a década de 1950, a extinta União Soviética mantinha uma parceria estratégica com o partido Ba’th, do qual o presidente sírio Bashar al-Assad faz parte. Este relacionamento é sinônimo de uma das maiores parcerias militares russas, com importância não apenas política e estratégica, mas econômica, já que a Síria é um dos principais compradores de armamentos russos.

Além disso, para o comentarista político Konstantin von Eggert, da rádio russa Kommersant, ao apoiar Damasco, a Rússia diz ao mundo que nem a ONU nem qualquer outro grupo de países tem o direito de dizer quem pode ou não governar um Estado soberano. Segundo o comentarista, desde a queda de Slobodan Milosevic, ex-presidente da extinta Iugoslávia, em 2000, e especialmente depois da “Revolução Laranja” de 2004 na Ucrânia, a liderança russa é obcecada pela ideia de que os Estados Unidos e a União Européia arquitetam a queda dos governos que, por algum motivo, julgam inconvenientes.

A realidade é que a crise da Síria deixou de ser tratada como caso de extrema emergência, diante da quantidade de civis que estão sendo mortos, e passou a ser tratada como uma forma das grandes potências demonstrarem seu poder. De um lado os EUA, que lutam por um ataque multilateral à Síria, justificado na proteção aos direitos essenciais dos sírios, aproveitando o contexto para criticar os direitos humanos na China e na Rússia. Caso consigam a aprovação para uma intervenção militar, além de entrarem como defensores da democracia na guerra, mostrarão aos outros Estados que seu poder continua inquestionável, e que apesar de haver possíveis candidatos a novos pólos globais de poder, são apenas candidatos, até que consigam fazer uma oposição direta e tangível aos Estados Unidos, seja politica, econômica ou militarmente.


Caso ocorra uma intervenção militar coordenada pelos EUA e apoiada pela França e o Reino Unido, mesmo não recebendo o aval do Conselho de Segurança, será mais uma forma de os EUA mostrarem que quando julgam necessário, têm condições de fazer o que consideram adequado, independente do ordenamento internacional ou da aprovação de outras potências, violando até mesmo o direito internacional. Do outro lado temos a Rússia, que de acordo com um memorando classificado como urgente que foi expedido pelo escritório do presidente Putin, se posiciona disposta a iniciar um ataque massivo contra a Arábia Saudita caso se concretize a intervenção. Apesar da informação não ter sido confirmada oficialmente pelo governo russo, a tensão em torno da crise da síria não se desfez, pois o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Síria, Fayçal Moqad, pronunciou-se também a respeito da atitude do EUA, dizendo: “O governo sírio não vai mudar de posição, mesmo que haja uma Terceira Guerra Mundial. Nenhum sírio pode sacrificar a independência de seu país”. “A Síria, nos termos da Carta das Nações Unidas, tem o direito de reagir à agressão que não tem justificativa à luz do direito internacional, acrescentou.” Moqdad também contou que o país adotou todas as medidas para se defender em caso de ataque. “Os Estados Unidos e seus aliados mobilizam países amigos para uma agressão à Síria. Creio que a Síria tem também o direito de mobilizar e de receber apoio deles”. O vice- ministro destacou que o Irã, a Rússia, a África do Sul e países árabes “recusaram essa agressão e estão prontos a enfrentar a guerra que vai ser declarada pelos Estados Unidos e seus aliados na Síria”.

O fato é que, diante do impasse, uma das melhores saídas seria uma maior mobilização do Conselho de Segurança da ONU, propondo um acordo político capaz de pôr fim aos dois anos e meio de crise na Síria. Entretanto, o provável é que a Síria promova uma retaliação ao ataque americano, dando inicio a uma grande guerra no Oriente Médio, que se dividiria entre o eixo Irã-Síria-Hezbollah versus os clientes dos Estados Unidos, como a Arábia Saudita, os países do Golfo, a Turquia e possivelmente Israel, possibilitando então o tão procurado acerto de contas entre antigos rivais, que não estão apenas preocupados com a morte dos civis sírios, mas sim em resolver desavenças antigas.


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