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A crise política da Venezuela


Após a morte do presidente da Venezuela, Hugo Chávez e as crises que emergiram após a eleição do seu sucessor, Nicolas Maduro, muito se tem questionado sobre a continuidade do chavismo sem Chávez na Venezuela. Para entendermos a crise em que o país se encontra é necessário primeiro entender o que é o chavismo e o que este representa para os Venezuelanos.


O chavismo surgiu como fenômeno caudilhesco derivado do desabamento da democracia oligárquica venezuelana. A antiga ordem política, estruturada em torno de dois partidos tradicionais ( a AP e o CPEI), que não resistiu ao declínio de longo curso dos preços do petróleo e começou a se desmontar com o “ Carcazo”, a revolta popular de fevereiro de 1989.

O chavismo apesar de ter se organizado como um regime caudilho, regimes que possuem como característica um líder político-militar no comando de uma força autoritária, distingue-se desse modelo pela formulação de uma doutrina política singular e pela edificação de um partido de massas que se arroga uma legitimidade especial e almeja eterniza-se no poder.

O primeiro chavismo nasceu após o golpe frustrado do grupo de oficiais militares liderado por Hugo Chávez em 1992. Sob a influência do sociólogo argentino Noberto Ceresole, um nacionalista radical de inclinações antissemitas que transitou dos Montoneros até os militares “carapintadas”, Chavéz converteu a figura mítica de Simón Bolivar na metáfora de um programa autoritário e expansionista. O segundo chavismo delineou-se com o início do mandato presidencial original de Chávez, momento marcado pela ruptura do caudilho com Ceresole e pela sua aproximação com o também sociólogo Heinz Dieterich, um acadêmico de esquerda alemão baseado no México. Dieterich formulou a noção do “socialismo do século XXI”.


Sob estas influências o chavismo se reinventou, adquirindo colorações esquerdistas, firmou uma aliança estratégica com Cuba, e engajou-se no empreendimento de construção de um capitalismo de Estado que seria a ferramenta para uma longa e árdua transição ao socialismo. No plano externo, “a revolução bolivariana” acentuou seus traços antiamericanos, tentando articular blocos de alianças geopolíticas regionais e aproximando a Venezuela da Rússia, China e Irã.

O terceiro chavismo emergiu em 2004 e se configurou plenamente em dezembro de 2007, pouco depois da ruptura com Dieterich, na hora da derrota de Chávez no referendo sobre a proposta de uma nova Constituição que substituiria a democracia representativa pela “democracia popular”. A camada adventícia do palimpseto “bolivariano” substituiu o discurso do “socialismo do século XXI” por referências cada vez mais constantes aos líderes socialistas históricos e conclamações à destruição do “ estado burguês”.

Uma das prioridades do governo de Chávez foi o combate a exclusão e à pobreza, almejando uma sociedade mais igualitária e com mais justiça social. Nesse sentido foram obtidas conquistas importantes como o desenvolvimento de processos de injustiça e inclusão social, que contribuem para explicar a popularidade do presidente e suas permanentes vitórias eleitorais. No entanto manter essa forma de fazer política enfraquece e destrói formas institucionais de medição e representação política, criando condições que favorecem tanto a anarquia quanto o exercício autoritário do poder.

Essa é uma forma de fazer política que utiliza um discurso agressivo, polarizado e dicotômico, que divide a sociedade entre o povo (os bons, os pobres, os que não têm poder) e a oligarquia (os maus, as elites, os poderosos). Entende-se então que o chavismo é um regime revolucionário, não um governo populista tradicional nem um caudilhismo nos moldes clássicos. Regimes revolucionários não se inclinam diante de eleições.

O Chavismo criou a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), engajou-se no financiamento dos governos da Bolívia, do Equador, da Nicarágua e de Honduras e utilizando-se da petroleira PDVSA, estabeleceu uma área de influência venezuelana na região caribenha, porém ao contrário da União Soviética, ontem, e a China hoje, que foram e são potência econômicas com vastos recursos de poder, enquanto a Venezuela não passa de uma economia petroleira secundária. O “socialismo real”, criado à sombra da crise Primeira Guerra Mundial, experimentou forte difusão internacional no vácuo de poder aberto pela Segunda Guerra Mundial. Em contraste com o chavismo que exerce uma influência regional muito circunscrita sobre países quase “irrelevantes”.

A crise política que foi iniciada na noite de 14 de abril se insere em um processo de desajustes políticos mais amplos, caracterizados pelo desmantelamento no segundo governo do presidente Chávez (2007-2013), das instituições da democracia liberal baseadas na Constituição da República Bolivariana da Venezuela, de 1999 (CRBV), a favor de um Estado de democracia direta, vertical e autoritário. Esta destruição foi facilitada por uma forma de fazer política e um estilo de gestão caracterizados pelo que os sociólogos definem como populismo.

Essa forma de política tornou a Venezuela um Estado não liberal, apoiado no voto popular, além de se tornar um Estado hierárquico e vertical, onde organizações comunitárias dependem diretamente do presidente e atuam como gestoras de políticas públicas, administrando em seu nome os recursos. Conselhos e comunas fazem mais parte do Estado do que das organizações sociais autônomas. Tudo isso contraria a Constituição Venezuelana, já que ela prevê um regime misto de democracia representativa, direta e participativa.

Chávez utilizava de cinco canais de televisão, dezenas de estações de rádio, redes e portais na internet, propaganda em massa nas ruas, para impor nos espaços públicos e privados as mensagens do presidente como um senso comum compartilhado, e sua presença tornou-se uma realidade diária nos lares venezuelanos. Seu programa semanal, “Alô Presidente”, durava em média seis horas por dia nos últimos anos de governo, onde ele cantava, dançava, nomeava e destituía ministro, repartia dinheiro, lançava políticas, etc. Com essa estratégia de mídia deu aos venezuelanos a sensação de participar continuamente da política e tornou Chávez uma figura próxima e familiar. Chávez também fez um grande esforço para impor um pacto político que denominou “Socialismo do século XXI”. Essa proposta contempla a institucionalização de novas relações entre a sociedade e o Estado, concretizadas em um “Estado Comunal”. Este socialismo do século XXI, conhecido como socialismo rentista, tinha como novidade sua relação ao capitalismo de Estado, chamada de ” Plano de Transição Socialista 2007-2014) e consiste no enfraquecimento da propriedade privada a favor de uma economia onde predomina a propriedade social. De acordo com esse Plano, as comunas seriam os espaços socialistas onde nasceria o ” novo homem”, com uma nova economia autogerida e autossustentável apesar deste objetivo o socialismo rentista tem muitas afinidades com o capitalismo de Estado.

Contudo sob a marca deste novo socialismo, algumas características exibidas naquela época foram exacerbadas, como mais confiscos de terras que passaram às mãos do Estado, assim como um grande número de empresas nacionalizadas e controles cada vez mais asfixiantes do aparelho produtivo. Isso provocou um estancamento da economia, sobretudo uma diminuição pela metade do setor de manufaturas em comparação com o período anterior a Chávez e apesar da excessiva retórica sobre uma economia blindada contra o capitalismo, carece de uma visão econômica que transcenda e / ou supere o precário modelo rentista do petróleo que alimenta e dinamiza toda a economia venezuelana desde os anos 30 do século passado.


O petro – Estado se financia com uma abundante renda extraída do mercado externo em razão do petróleo ser uma mercadoria estratégica para a economia mundial, o que provoca que elites e burocracias governantes tendam a se separar da sociedade, escapar do controle dos cidadãos, produzindo uma forte tendência à ineficiência, corrupção e implementação de projetos ambiciosos e fantasiosos.

Ainda assim através desse modelo o governo de Chávez realizou importantes conquistas contudo apesar dessas conquistas, os graves desajustes da economia impedem que muitas delas possam ser consideras permanentes. O emprego privado tem diminuído, enquanto abrem-se novos e dispendiosos cargos públicos para compensá-los. O setor informal da economia, mesmo diminuído, continua ocupando mais de 40% da população economicamente ativa ( Fonte: INE, 2012). Os aumentos anuais de salário não acompanharam a inflação dos últimos três anos e se somarmos os efeitos da desvalorização decretada ou de fato produzidas em 2013, a renda da grande maioria da sociedade piorou. A qualidade da educação pública não está clara, dada a forte polarização e carga ideológica que contém, sendo que o governo se nega a ser avaliado por órgãos externos. Estes e outros desajustes estão provocando protesto populares e manifestações nas ruas cada vez mais freqüentes que juntamente com outros fenômenos sociais se traduzem em uma permanente situação de turbulência.

As gestões governamentais da era Chávez não se caracterizam por um desenvolvimento estável de instituições e rotinas que permitam um atendimento e uma melhoria sustentável dos serviços públicos básicos. Pelo contrário, a atmosfera “revolucionária” introduz uma lógica de improvisação e caráter provisório de “operações” de emergência em diferentes áreas da ação pública, que aprofundou sua já conhecida e significativa ineficiência prévia. Junto a isso, novas instituições, como algumas missões, operam paralelas a outros órgãos do Estado que têm a mesma função, aumentando o gasto fiscal e acentuando a já tradicional pouca capacidade de controlar os recursos.

Esse caráter provisório, esse imediatismo, essa polarização e ineficiência, potencializam e aprofundaram um conjunto de déficits em serviços públicos que alimentam um quadro de protestos e explosão social. Até fazer do país e de sua capital, Caracas, um dos lugares mais perigosos da América Latina.

Além disso, o gasto fiscal aumentou em 2011 e 2012 para atender às demandas sociais cada vez maiores em meio a uma campanha eleitoral onde o candidato Chávez competiu em condições de saúde desfavoráveis sendo assim ainda que o preço do barril de petróleo esteja cotado em cerca de 100 dólares, os petrodólares parecem ser insuficientes para cobrir os gastos ilimitados do Estado mágico.

Diante desse contexto do qual o país estava inserido, ocorreu a morte do líder chavista Hugo Chávez, que antes de morrer escolheu Nicolas Maduro vice presidente do seu governo como seu sucessor e é justamente a partir desses acontecimentos que se inicia a crise política da Venezuela. O Supremo Tribunal (TSJ) tomou uma decisão polêmica, permitindo que o novo mandato de Chávez continuasse a partir do anterior sem uma cerimônia formal de posse, criando assim a possibilidade de o vice -presidente ser nomeado presidente interino (CBR, 1999, artigos 231,233) assim Maduro teve condições de fazer campanha como presidente, usando a autoridade presidencial para tornar obrigatórias pelas emissoras de rádio e televisão e mantendo as cerimônias de inauguração de obras públicas. Apesar dessa vantagem sobre a oposição, Maduro teve um desempenho medíocre durante a campanha, a má vontade provocada pela escassez de alimentos e pelo fato de o governo ter desvalorizado a moeda com o preço do petróleo, ultrapassando 100 dólares o barril, bem como a bem executada estratégica de campanha de Capriles, que concentrou seus ataques a Maduro dissociando-o de Chávez, acabaram por favorecer o crescimento do apoio à oposição.

Apesar dos contratempos Maduro venceu as eleições por uma diferença de pouco mais de 1,7% do candidato de oposição. Entretanto Maduro não conseguiu obter a votação eleitoral que seis meses antes Chávez tinha alcançado e assim os resultados de 14 de abril, apesar de terem consolidado a liderança de Maduro dentro do chavismo e garantido um novo período de seis anos para o partido do governo , despertam dúvidas sobra a viabilidade do chavismo sem Chávez e a legitimidade de um presidente eleito, que a despeito de fazer uso abusivo do poder durante a campanha só conseguiu obter uma estreita margem de vantagem (Lander 2013).


Maduro, conquistou a vitória com 7.505,338 (50,66%) de votos, contra 7.270.403 (49,07%) dados a Capriles, com 99,12% dos votos computados.

A diminuição notável entre Maduro e a oposição colocava o oficialismo em dificuldades políticas frente à oposição, assim como Maduro, frente às bases chavistas. Nos dias seguintes o presidente, seu governo e seu partido endureceram o discurso polarizador, denunciaram um golpe de Estado a caminho, da extrema direita – liderado por Capriles – e deram sinais de que não se oporiam, ao contrário, aceitariam atos de violência de deputados, líderes e bases chavistas contra seus opositores. Com isso contribuíram para o desenvolvimento de uma crise política cujo resultado ainda é prematuro.

O MUD, o partido de Capriles, identificou três tipos de irregularidades em torno das eleições: inconsistências, entre o número de eleitores e o número de votos, falhas grandes na qualidade da votação (algumas das quais podem ter afetado os resultados ou poderiam ser vistas como crimes passíveis de anulação e desigualdades gritantes nas condições da campanha). Em uma declaração chocante proferida em 17 de maio, Maduro parece ter confirmado essa tese. Em tom de advertência, ele afirmou ter os nomes e os números da carteira de identidade de 900.000 chavistas que não votaram nele em 14 de abril.

Após sua eleição, Maduro enfrenta agora não apenas graves problemas econômicos e a mais forte oposição política desde 2002, mas também reivindicações antagônicas e incompatíveis de facções de seu próprio movimento. Se as questões relativas à eleição de abril não forem atacadas, a legitimidade da Presidência de Maduro perderá o apoio de uma grande parcela da população. O fato é que o futuro do chavismo e da Venezuela depende do fim das tensões geradas pelo atual ciclo eleitoral, enquanto estas estiverem inflamadas,qualquer conclusão em torno do futuro do país é prematura, pois caso as tensões entre o governo e a oposição sejam amainadas uma nova oportunidade poderá surgir.


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