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O distante e o próximo


(Texto originalmente desenvolvido em função da comemoração dos 120 anos de assinatura do tratado de amizade, navegação e comércio entre Brasil e Japão)

No último século, o Japão se inseriu de maneira contundente nas relações internacionais. Porém, nem sempre foi assim. Após o sucesso de Togukawa na guerra do Xogunato do século XVI, o Japão se fechou para si, tentando evitar a influência de potências estrangeiras por sobre sua população. Isto durou até o século XIX, com a assinatura de um tratado com os EUA e, posteriormente, com a Restauração Meiji. Este último também significou a inserção do Japão no mundo contemporâneo, quebrando o isolacionismo de Togukawa e, também, as tradições feudais existentes no país.


Difícil falar do período em questão sem levantar o assunto da formação dos Xogunatos. No Japão feudal, havia a divisão do território em unidades político-administrativas – os hans – e estas unidades eram comandadas pelos clãs lá existentes. A relação entre estes clãs não era pacífica, gerando diversos conflitos pela posse de terras. Então, há a ascensão de samurais, bem como de determinadas famílias. E eis que surge uma grande diferença entre a formação imperial japonesa e o que se entende como monarquia no ocidente. Ao invés das famílias mais poderosas tomarem o cargo imperial para si, conservam o imperador e administram o país de forma centralizada a partir de outro cargo, o Xogun. Literalmente significa generalíssimo, ou seja, um cargo puramente militar, mas que exerceria funções administrativas.

O Xogunato que teve mais destaque foi o de Togukawa, no século XVI. Nesta época, o Japão passava por um conflito entre os Daimios, visando a unificação do Japão em torno de um novo Xogun. Durante este conflito, começaram a aparecer navegadores estrangeiros no Japão: portugueses primeiro e depois holandeses. Ambos inseriram no conflito japonês uma novidade: armas de fogo.

Os portugueses, pioneiros na navegação e no comércio além-mar, exigiam um detalhe para que o comércio prosperasse: que os japoneses se convertessem ao catolicismo e jurassem fidelidade à Igreja Católica Apostólica Romana. Até hoje, na cidade de Nagasaki, principal porto de comércio português na época, há presença católica, ainda que ficasse proibida durante o Xogunato. Como os holandeses não exigiam demanda similar (por serem calvinistas, logo não exigiam conversão), algumas transações fluíram com mais facilidade.

Os conflitos se encerram por volta do ano de 1603, com a vitória do clã Togukawa e seu líder sendo empossado Xogun. De início, o novo governo impõe o fechamento dos portos japoneses, proscrição da fé cristã e expulsão dos estrangeiros, decretando o início do isolacionismo japonês. Outro decreto foi a transferência da capital japonesa de Kyoto (onde residia o imperador) para Edo (lar do clã Togukawa, atual Tóquio). A era Togukawa foi a era de ouro dos samurais, bem como houve uma paz que durou até o século XVIII.

No ano de 1853, motivada pela doutrina do Destino Manifesto, há a chegada de uma frota estadounidense à costa marítima japonesa com um ultimato: ou o Japão assinava um acordo com os EUA ou seriam atacados. É o primeiro país que obtém tal acordo com o Japão.

Já nesta época, a estrutura administrativa de Togukawa estava em profundo desgaste. Já haviam duas facções disputando o destino japonês, sendo a primeira que defendia a restauração imperial, e a segunda defendia a permanência do Xogunato. Entre a segunda, encontrava-se a maioria dos samurais, já que eles viam com maus olhos a possibilidade de ocidentalização do Japão, e a perca de seu status quo na sociedade. Porém, a vontade não foi suficiente para que o Japão permanecesse sobre o poder dos Togukawa, e, em 1867, ocorre a restauração dos poderes ao imperador Mutsuhito, que ficou conhecido como Meiji (o iluminado, em japonês).

Aos poucos, o novo imperador promoveu mudanças significativas na estrutura socioeconômica japonesas. De início, aboliu a classe dos samurais, em seguida, instituiu uma constituição com base na constituição alemã. Também, iniciou a busca por rever os tratados internacionais desvantajosos ao Japão assinados na era Togukawa com as potências estrangeiras da época. Como obteve pouco ou nenhum sucesso, determinou-se que fosse buscado outros países para que assinasse um tratado com base em reciprocidade, servindo de paradigma para outros tratados posteriores. O primeiro país a assinar um tratado assim com o Japão fora o México.

Porém, a expansão das relações diplomáticas entre Japão e outros países do mundo traziam certo descontentamento, e até mesmo conflitos na região. Já no ano de 1894, houve um conflito com a China imperial. Em 1904, houve um conflito com a Rússia. Ambos com vitória japonesa.

Neste contexto de formação japonesa, surgiu o interesse brasileiro de estabelecer tratados internacionais com a China e com o Japão, visando criar uma rota comercial entre estes países, bem como estimular a imigração sino-japonesa para o Brasil.

O Brasil passou, no ano de 1888, pela abolição dos escravizados. Os fazendeiros estavam ávidos por mão de obra[1], e, mesmo com a presença dos italianos, queriam mais gente para trabalhar na lavoura. Com a queda do decreto de 1890, que proibia a entrada de imigrantes asiáticos em território brasileiro, os plenipotenciários foram enviados para estabelecer tratados com a China e o Japão. Porém, o Brasil não estava interessado em assinar um tratado com o Japão com base na reciprocidade, e a China não estava interessado em facilitar a rota migratória.

Porém, o governo Prudente de Morais (1894 – 1898) forneceu instruções específicas para que fosse conduzido um tratado com base em reciprocidade com o Japão, com o objetivo mais específico em facilitar o fluxo migratório e com menos foco em comércio. As negociações foram conduzidas em Paris por razões financeiras, segundo o governo brasileiro. Após debates extensos, o tratado fora assinado em 5 de novembro de 1895, na cidade de Paris. Como praxe, o tratado foi celebrado em três línguas: português, japonês e francês.

O documento possui quinze artigos, determinando os plenipotenciários e os termos que regerão por muito tempo a amizade, a navegação, e o comércio entre as duas nações, reconhecendo as representações diplomáticas dos países signatários, nos termos do tratado. Como dito anteriormente, o Brasil e o Japão estabeleceram entre si um acordo baseado em reciprocidade, preconizando, de início, a paz perpétua e a amizade entre os Estados Unidos do Brasil e Sua Excelência o Imperador do Japão. As relações entre Brasil e Japão permaneceram desta forma até o ano de 1942, interrompidas pela adesão brasileira aos aliados durante a II Guerra Mundial, e retomadas algum tempo após o fim do conflito.

[1] Válido destacar que essa avidez era por mão de obra estrangeira. Eles desconsideram, de forma absoluta, a inserção dos recém-libertos como mão de obra em sua fazenda.

 

Referências:

CRÉ, Kamilla GC, Luiza RB SARRAFF, and Natália FC LACERDA. O Japão na Era Meiji: quando o distante se torna próximo. Núcleo de Estudos Contemporâneos da Universidade Federal Fluminense. Disponível em: http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/O_Japao_na_era_Meij_-_quando_o_distante_se_torna_proximo.pdf último acesso: 22/05/2015.

FIGUEIREDO, Danilo José. Japão: de suas origens à restauração Meiji. Klepsidra: Revista virtual de história. Disponível em: http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1264011 último acesso: 22/05/2013.

NINOMIYA, Masato. O centenário do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e Japão. Revista USP 28 (1996): 245-250. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/28385/30243 último acesso: 22/05/2015.

Tratado de Amizade, de Commercio e de Navegação, firmado em Paris a 5 de Novembro de 1895. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1895/b_89/ último acesso: 22/05/2015


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