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A Aplicação dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI) da ONU na América Latina


Bianca Gonçalves

Gustavo Pita




O investimento responsável representa uma evolução expressiva  para as decisões de investimento e propriedade de ativos.  Tal conceito é orientado por uma visão de longo prazo que alinha fatores ambientais, sociais e de governança (ASG, ou ESG em inglês) em suas análises de risco, entendendo que esses elementos têm impacto direto na geração de valor econômico sustentável, o que reflete uma visão mais ampla sobre o retorno financeiro (BNDES, 2021). De acordo com a bolsa de valores brasileira, representada pela sigla B3 (2016), as melhores práticas ASG tem relação com uma palavra chave que tem movimentado o mercado financeiro e especificamente as finanças sustentáveis, a resiliência. Essa capacidade de resistir e de se adaptar diante das adversidades é essencial para a humanidade como um todo, seja na frente à crise climática, seja nas crises econômicas.

Nesse sentido, destacam-se os Princípios para o Investimento Responsável da ONU, criados em 2006, ou PRI, conforme são conhecidos globalmente. A sigla representa diretrizes para nortear os comportamentos e práticas dos investidores no âmbito da agenda ASG, tendo em vista a adaptação para o crescimento sustentável do mercado financeiro a longo prazo.  Desse modo, os compromissos são estabelecidos devido a necessidade de construção de portfólios mais sustentáveis, que considerem métricas para além das tradicionais em sua gestão de riscos. Ou seja, os princípios são formulados por investidores para investidores em parceria com a Iniciativa Financeira do Programa da ONU para o Meio-Ambiente (UNEP FI) e o Pacto Global da ONU, através de um esforço auto regulatório, no qual tal adaptação é interpretada como ponto crucial para a continuidade de suas atividades. Assim, nota-se que:


A abordagem dos PRI diferencia-se dos enfoques convencionais de investimento por reconhecer explicitamente a importância dos fatores ASG para o investidor e por valorizar a geração de retorno das aplicações no longo prazo e, consequentemente, a estabilidade dos sistemas econômicos e ambientais, bem como fatores contextuais mais abrangentes, que incluem a evolução dos valores e das expectativas de suas sociedades (BNDES, 2021, p.246)


Nesse sentido, as diretrizes dos PRI são compostas por 6 compromissos ou princípios que as regem: 1. Incorporação de temas ASG tanto às análises de investimento quanto aos processos gerais de tomada de decisão; 2. Bem como em políticas e práticas de propriedade de ativos; 3. As instituições receptoras de investimento deverão divulgar suas ações voltadas para a temática ASG; 4. Os compromissos devem ser aceitos e implementados no setor; 5. Os signatários trabalharão para ampliar a implementação dos princípios; e 6. Cada um dos signatários divulgará relatórios sobre a implementação e o progresso dos compromissos em suas atividades (PRI, 2019).

No entanto, para além dos compromissos assumidos desde a sua fundação, os PRI também contam com planos estratégicos trienais, que discorrem sobre suas principais ambições a curto prazo. De acordo com o plano estratégico referente ao período de 2024-2027, atualmente os signatários do PRI somam $128,4 trilhões de dólares em ativos sob sua gestão, atuando em 46 países. Porém, os esforços para amplificar o alcance dos PRI seguem exponenciais, tendo em vista que neste período os investidores signatários concentrarão seus esforços em 4 áreas principais: 1. Impulsionar a progressão dos signatários no investimento responsável; 2. Fortalecer os ecossistemas regionais de investimento sustentável, voltando o olhar também  para  economias emergentes e em desenvolvimento; 3. Amplificar o impacto dos signatários através de iniciativas colaborativas; e 4. Fortalecer o ambiente propício para os investimentos sustentáveis, influenciando políticas governamentais, multilaterais, financeiras e práticas de mercado (PRI, 2024a; PRI,2024b)

Além disso, mesmo não mencionando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em seu relatório de 2024, os PRI têm forte ligação com os esforços para o alcance das metas elencadas pela Agenda 2030, tendo em vista o papel protagonista dos investidores em todo esse processo. De acordo com o Laboratório de Inovação Financeira (2022), o sistema internacional enfrenta uma lacuna entre 2,5 e 3 trilhões de dólares por ano para o alcance dos ODS até 2030, o que representa cerca de 6% do PIB global. Dessa forma, nota-se a importância das iniciativas e colaborações apoiadas pelo grupo, voltadas para a redução das emissões de GEE e reversão da perda de biodiversidade global, por exemplo, aspectos essenciais para o avanço dos ODS. 

Atualmente, os PRI contam com mais de 5 mil signatários globalmente, sendo 4.827 investidores e 518 provedores de serviço. Dentre eles, mais da metade estão na Europa (2.825) e outra fatia considerável se encontra nos EUA e Canadá (1.287), representando juntos mais de ⅔ do total. Em contrapartida, as regiões compostas majoritariamente por países em desenvolvimento também apresentam disparidades ao compor os ⅓ restantes. A Ásia ganha destaque, com 550 signatários, porém 56% deles estão concentrados em três países: China (140), Japão (130) e Índia (38). A Oceania figura com 263 signatários, seguida pela América Latina (AL) com 253 representantes. No entanto, praticamente a metade dos signatários da AL estão no Brasil (124). Por fim, a África e o Oriente Médio juntos resultam em apenas 160 signatários, quantidade menor do que a identificada em diversos países (PRI, 2024b). 

Nesse sentido, tal disparidade entre o Norte e o Sul global são justificadas pelo foco da iniciativa em mercados já desenvolvidos desde a sua fundação, conforme apontado no relatório anual de 2024. Ou seja, a presença em países em desenvolvimento não foi elencada como prioridade durante os seus anos de consolidação, atingindo um alto índice de adesão apenas no seu mercado-alvo. Como resposta, a iniciativa sinaliza que está focada em apoiar os signatários localizados em mercados em desenvolvimento, conectando-os com os serviços disponibilizados (PRI, 2024b). 

Todavia, urge a necessidade de voltar o olhar para os mercados emergentes, tendo em vista a ascensão de potências como China e Brasil enquanto protagonistas na agenda de sustentabilidade e nos fluxos de investimento global. Apenas em 2023 a China produziu a mesma quantidade de energia solar que todos os demais países juntos, enquanto o Brasil está entre os líderes da transição energética, com praticamente 50% de sua matriz energética sendo renovável (ICL Economia, 2024). Fatores como esses não podem ser ignorados por investidores, tendo em vista que a referida indústria está em primeiro lugar em financiamentos de projetos internacionais (UNCTAD, 2024). 

À vista disso, ao analisar a presença latino-americana frente à iniciativa, desde que os Princípios de Investimento Responsável foram promovidos pelas Nações Unidas, poucas empresas presentes na América Latina, quando comparado a outras regiões do globo, aderiram ao grupo. Conforme mencionado anteriormente, apenas 253 signatários são da América Latina. Dessa forma, nota-se que enquanto existem zonas em que há uma grande adesão de instituições signatárias aos PRI, outras historicamente menos favorecidas não passam por esse mesmo processo, como é o caso da América Latina e da África (PRI, 2024b). 

Para entender esse fenômeno é necessário observar os desafios que impedem mais empresas e investidoras latino-americanas de aderirem à agenda ASG.  Em setembro de 2023, a EY América Latina realizou um estudo com empresas localizadas na AL para entender quais os  desafios que estas colocam como prioridade e qual a tendência delas para o futuro. O estudo revelou que o cenário econômico desfavorável no cenário internacional — alta inflação e baixo crescimento (EY AMÉRICA LATINA, 2023) —, a instabilidade geopolítica na região latino-americana e os próprios desafios internos que as empresas enfrentam em seu país de origem, causam um sentimento de incerteza no mercado político global (EY AMÉRICA LATINA, 2023). 

Por conseguinte, o principal foco dessas empresas é de melhorar a produtividade e reduzir custos, a partir de uma tendência de transformação digital e investimento em tecnologias que vão impulsionar esse objetivo (EY AMÉRICA LATINA, 2023). Vale ressaltar que o estudo supracitado expõe que a agenda ASG, atualmente, não é o principal interesse das empresas latino-americanas entrevistadas, já que a temática não aparece na pesquisa como um dos desafios que, segundo elas mesmas, precisam ser superados. Com isso, é possível concluir que, pela necessidade de dinamização dos custos de produção (EY AMÉRICA LATINA, 2023), as entidades da América Latina estão priorizando o investimento em tecnologias, para conseguir se adaptar ao cenário global, à adoção dos PRI e dos valores ASG.

Apesar disso, conforme mencionado anteriormente, ainda há entidades na região da América Latina (e principalmente no Brasil) focadas na promoção dos valores ASG. Com isso, é possível citar a instituição de previdência privada brasileira Previ, que é considerada um dos maiores fundos de pensão da América Latina e foi a primeira investidora institucional latino-americana a aderir aos PRI (PREVI, 2020). A instituição foi convidada pela ONU ainda em 2006 para fazer parte do grupo fundador da iniciativa e, desde então, o seu alinhamento com os PRI e com o desenvolvimento responsável, impulsionada pela sua presença na América Latina, foi fundamental para promover o conceito de investimento responsável na região, considerando que essa ideia ainda era relativamente nova para os países e empresas latino-americanas (PREVI, 2020).

Logo, considerando a priorização de outras temáticas no cenário latino-americano (EY AMÉRICA LATINA, 2023), a promoção dos PRI e dos valores ASG entre países da América Latina se dá especialmente graças à um conceito presente dentro dos PRI que é o de stewardship (ou atuação engajada do investidor em português). Este conceito funciona a partir dos investidores que utilizam da sua influência com outras empresas para promover as suas políticas (PRI, 2024c) — nesse caso, valores ASG que estão alinhadas com os PRI — dentro de outras instituições. Dessa forma, esse se torna o principal meio de promoção da política de investimento responsável na região da América Latina, já que incentiva empresas que não aderiram ao grupo alinhado aos PRI a, ainda assim, promoverem essa política internamente graças ao prestígio de outras instituições maiores que investem ou negociam com elas.

No entanto, embora a priorização de outras temáticas aconteça, há um avanço expressivo da agenda de práticas sustentáveis por parte das empresas na América Latina e, principalmente, no Brasil. Um estudo realizado pela Amcham Brasil em 2023 revelou que, a cada 10 empresas no Brasil, 7 implementam alguma prática ASG (CNN, 2024). Ademais, quando se analisa a América Latina o cenário  prospectivo também se mostra favorável à adesão de costumes mais sustentáveis, já que 69% das empresas latino-americanas começaram a promover práticas ASG no mercado em 2022, um aumento significativo quando comparado a anos anteriores (EXAME, 2022). Esses estudos demonstram que, embora existam obstáculos para a maioria das empresas latino-americanas para aderirem completamente aos PRI, as agendas de sustentabilidade e de práticas ASG não são escanteadas por elas e estas estão ganhando cada vez mais espaço na região e se tornando um pilar  essencial na política interna dessas instituições. 

Conclui-se que o investimento responsável e os Princípios para o Investimento Responsável (PRI) representam avanços fundamentais de alinhamento do mercado financeiro aos desafios ambientais e sociais contemporâneos. No entanto, a efetiva implementação dos PRI enfrenta barreiras, sobretudo em economias emergentes, onde o apoio de políticas públicas e iniciativas colaborativas é crucial. Assim, enquanto os PRI mostram um potencial transformador, sua plena eficácia depende de uma ampliação estrutural e de uma adaptação cultural contínua para consolidar práticas de investimento verdadeiramente sustentáveis.

Por fim, ressalta-se que, diferente de outras entidades, a conjunção atual em que as empresas latino-americanas estão inseridas — tanto internamente quanto externamente — impede a completa adesão delas aos Princípios de Investimento Responsável e, consequentemente aos valores ASG, uma vez que estas se tornam dependentes da priorização de investimento em outras áreas, como a tecnológica, para poderem se adaptar ao mercado global. Apesar disso, a adoção de práticas mais alinhadas a princípios sustentáveis estão em um processo gradativo e positivo de implementação nessas empresas, com forte adesão delas à agenda de sustentabilidade, que apesar de não representar a completa adesão destas aos PRI, já demonstra um esforço delas para se associar à práticas ASG, principalmente por parte das entidades brasileiras.















Referências Bibliográficas:

B3. NOVO valor – sustentabilidade nas empresas: como começar, quem envolver e o que priorizar. [S. l.]: B3, 2016. Disponível em: http://www.b3.com.br/data/ files/1A/D7/91/AF/132F561060F89E56AC094EA8/Guia-para-empresaslistadas.pdf. Acesso em: 18 out. 2024.

CNN. 2024. 7 em cada 10 empresas brasileiras adotam alguma prática de ESG. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/7-em-cada-10-empresas-brasileiras-adotam-alguma-pratica-de-esg/>. Acesso em: 30. out. 2024

EXAME. 2022. ESG cresce na América Latina e já faz parte da agenda de 69% das empresas. Disponível em: <https://exame.com/carreira/esg-cresce-na-america-latina-e-ja-faz-parte-69-das-empresas_red-01/>. Acesso em: 30 out. 2024.

EY Latin America. 2023. DESAFIOS e tendências para as empresas na América Latina. Disponível em: <https://www.ey.com/pt_br/insights/desafios-tendencias-empresas-america-latina>. Acesso em: 27 out. 2024.

FILHO, H. E. C. M. AGENDA ASG no Brasil: investimentos responsáveis. R. BNDES. Rio de Janeiro, v. 28, n. 56, p. 239-266, nov. 2021. Disponível em: <https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/22046/1/06-BNDES-Revista56-AgendaASG.pdf>. Acesso em: 21 out. 2024.

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