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A FOME E O ODS 2 NO CONTEXTO BRASILEIRO DA PANDEMIA



A pandemia do coronavírus vem se alastrando pelo mundo desde o final de 2019, ainda que seu caráter global não fosse reconhecido como tal naquele momento. Assim como vários outros episódios internacionais de natureza sanitária, política, econômica e social, os efeitos do coronavírus também não se refletem com equidade para todas as populações. Especialmente quando se trata de países em desenvolvimento, o fenômeno da fome — que já é preocupante em condições usuais — se agrava em níveis elevadíssimos desde o início da pandemia, o que indagada as possíveis razões que levaram países como o Brasil a aumentar sua taxa de subnutrição e seu índice de pobreza alimentar.


Como já é de conhecimento popular, as deliberações primárias adotadas pelo governo Bolsonaro se compreendiam em torno das ‘medidas de lockdown’ — como o home office e a adoção do método ‘ensino à distância’ — e um auxílio emergencial de R$600 financiado pelo próprio governo federal — este, continha algumas restrições para seu recebimento, como ter mais de 18 anos, não ter emprego formal e pertencer à uma família com renda mensal de até, no máximo, R$3.135. É necessário considerar que, estando em uma situação atípica no contexto sanitário do mundo, todas as medidas de afastamento social tomadas pelo governo não foram nada menos que coerentes, porém devem ser ressaltados os diferentes status econômicos vivenciados nos estratos sociais do país. Seguindo a mesma linha de raciocínio, ainda que com a quantia medíocre, mas considerada suficiente pelo governo nacional, as necessidades básicas das famílias não cabiam no orçamento planejado pelo Ministério da Economia — isto implica em dizer que, daquele momento em diante se estabelecia uma hierarquia de prioridade nas aquisições de cada família, incluindo nas suas listas de mercado.


À altura do segundo ano das restrições impostas pela pandemia, as declarações dos representantes oficiais do governo chocaram a população, tal como a do Ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmando que “Você sai de R$60 para R$600. Uma família sai de R$180 para R$1.800. Isso não é mais uma transferência de renda, isso é uma transferência de riqueza”. A alegação anterior reflete o caráter que impulsionou a diminuição em mais de 50% do auxílio emergencial concedido em 2021 — quando comparado às primeiras parcelas do mesmo no ano passado — assim como na imposição de determinadas restrições, como a concessão deste a somente uma pessoa da família. Por conseguinte, é necessário retomar que, se com o auxílio emergencial de 2020 essas famílias já se desdobravam ao chegar no mercado para adquirir seus alimentos — bem como demonstra o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, em que 43,4 milhões de brasileiros não obtinham a quantidade suficiente de alimentos para sua família (OLHE PARA A FOME, 2021) — com a diminuição desse mesmo auxílio em 2021, é possível prever que a porcentagem deve aumentar consideravelmente não apenas em insuficiência alimentar, como também na falta completa destes alimentos.


No contexto interno do Brasil, foi percebido no cotidiano dos cidadãos um aumento considerável dos preços gerais dos alimentos, do gás de cozinha, da gasolina, dentre vários outros. Esse aumento se dá em função da inflação que, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) através do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), demonstra que a porcentagem atual de aproximadamente 7,11% se encontra muito aquém da meta inflacionária de 3,75% planejada pelo Banco Central para este ano. Entretanto, deve-se considerar que a taxa de inflação não incide de maneira igualitária em todas as classes brasileiras, sendo a classe baixa a mais afetada (9,2%) em comparação à classe alta (6,5%) nos indicadores dos últimos doze meses. Isto posto, e sabendo que a classe baixa é quem recebe o auxílio emergencial do governo, nota-se a queda do poder de compra dessas famílias, pois o preço dos produtos estão mais altos que a quantia recebida por elas, gerando a necessidade de priorizar alimentos mais baratos e, por muitas vezes, com pouco valor nutricional. Exemplificando tal fenômeno, nota-se a substituição do tradicional arroz com feijão por outros alimentos que caibam no orçamento mensal de, em média, R$250, sem espaço para questionamentos acerca de fazerem ou não bem à saúde, pois, caso contrário, a fome não seria nem ao menos enganada.


Acoplado ao contexto em questão, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de número 2 da Organização das Nações Unidas (ONU) leva o título de “Fome Zero e Agricultura Sustentável”, e foi pensado na tentativa de acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Levando em conta o Mapa da Fome — organizado pela ONU —, as notáveis mudanças cotidianas no país e que a meta 2.1 do ODS 2 contextualizada ao Brasil visa:


Até 2030, erradicar a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças e idosos, a alimentos seguros, culturalmente adequados, saudáveis e suficientes durante todo o ano (IPEA, 2019).


Chega-se à conclusão de que, ainda que o Brasil não apareça no último levantamento feito pela Organização, indicadores de pesquisas internas, como os do próprio IPEA, demonstram que os efeitos da pandemia da Covid-19 em nível nacional estão incidindo de maneira direta no não alcance das metas deste ODS, o que acelera o retorno do país ao Mapa que se via livre desde 2014. A correlação feita entre o descumprimento das metas do ODS em questão e a fome brasileira se dá no arranjo que demonstra o empobrecimento ainda maior da classe baixa do país, agravado pela estadia da pandemia mundial de coronavírus. Isto é, a aplicação de políticas públicas do governo Bolsonaro falhou em inúmeros momentos, tais quais quando não calculou um orçamento justo para os auxílios emergenciais e quando foi tardia na compra de vacinas — o único meio para acelerar o retorno das atividades econômicas básicas e possibilitar às famílias dependentes desse trabalho que recebessem suas rendas habituais. Por último, a pior das falhas é naturalizar cotidianamente que a fome se instale e se multiplique nos lares brasileiros, se tornando cada dia mais comum que pessoas deixem suas casas para suplicar por comida nas ruas do país.




Amanda Matias Mirandola.


REFERÊNCIAS


ALEGRETTI, Laís. ‘Bolsocaro’? O que explica inflação mais alta para os mais pobres durante a pandemia. BBC News Brasil, Londres, 17 de mar. de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56413841. Acesso em: 06 de set. de 2021.


ALEGRETTI, Laís. ‘Preço de aeroporto’? Inflação dispara em 2021 e deve ser a maior desde governo Dilma, prevê mercado. BBC News Brasil, Londres, 23 de ago. de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58304575. Acesso em: 06 de set. de 2021.


CARTA DE CONJUNTURA. IPEA, 2021. Índice de Custo da Tecnologia da Informação (ICTI). Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/. Acesso em: 07 de set. de 2021.


CARTA DE CONJUNTURA. IPEA, 2021. Inflação por Faixa de Renda - Junho/2021. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2021/07/inflacao-por-faixa-de-renda-junho2021/. Acesso em: 07 de set. de 2021.


INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE, 2021. Inflação. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php. Acesso em: 07 de set. de 2021.


INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. IPEA. ODS 2 - Fome Zero e Agricultura Sustentável. 2019. Disponível em: https://ipea.gov.br/ods/ods2.html. Acesso em: 09 set. 2021.


REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Olhe para a fome, 2021. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/. Acesso em: 07 de set. de 2021.


TRISOTTO, Fernanda. Guedes chama auxílio emergencial de transferência de riqueza e diz que isso turbinou casa própria. Extra, 2021. Disponível em: https://extra.globo.com/economia/financas/guedes-chama-auxilio-emergencial-de-transferencia-de-riqueza-diz-que-isso-turbinou-casa-propria-25171559.html. Acesso em: 06 de set. de 2021.


WORLD FOOD PROGRAMME. Hunger Map, 2021. Disponível em: https://hungermap.wfp.org/. Acesso em: 07 de set. de 2021.


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Coordri UJ
Coordri UJ
19 בספט׳ 2021

Texto muito bem escrito. Excelente análise!

Parabéns!


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