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OBSERVATÓRIO | Isadora Leite

A Guerra Civil no Mianmar: Entre o Caos e a Violência Após o Golpe Militar de 2021

Myanmar é um país localizado no sudoeste asíatico que faz fronteira com a China, Índia, Bangladesh, Tailândia e Laos. No tempo presente, o país é denominado como República da União de Mianmar, mas antigamente era conhecido como Birmânia, e isto está relacionado diretamente com a principal etnia do país, os birmaneses, que correspondem a 70% da população.


Politicamente, Mianmar apresenta um longo histórico de governos autoritários, que com o passar dos anos evoluiu para um sistema político considerado parcialmente democrático. Somente em 2011, que o país converteu-se em democracia parlamentar e começou algumas reformas desenvolvidas pelo Partido União, Solidariedade e Desenvolvimento (USDP, na sigla em inglês) para que houvesse um governo mais aberto, onde a população teria mais participação política. Entretanto, o partido tem ligação com os militares do país, fazendo com que estes não se afastassem totalmente. O envolvimento dos militares se dava a partir de 25% dos assentos no Parlamento e a acessibilidade aos ministérios.


As eleições gerais de 2025 marcaram a história do país com a vitória do partido Liga Nacional para a Democracia (NLD, na sigla em inglês), que disputava com USDP. A vitória trouxe Aung San Suu Kyi ao poder do Mianmar, que ficou conhecida nos holofotes internacionais após ganhar o Nobel da Paz, em 1991, por sua luta contra a ditadura militar no país. No seu governo, Aung se mostrou interessada em manter uma relação estável com os militares, não interferindo nos interesses da classe. Vale ressaltar, que Aung foi criticada internacionalmente, por permitir o genocidio promovido pelos militares contra os rohingyas, uma minoria étnica adepta ao islã. Isso demonstrou que os militares ainda possuíam grande força na política. Nas eleições de 2020, novamente os partidos NDL e USDP voltaram a se enfrentar para buscar o poder do país, e novamente a vitória foi do NDL com 83%. Logo, o partido ocupava ainda mais os assentos no parlamento, o que incomodou os militares.


O GOLPE MILITAR DE 2021


Diante da nova governança do NDL após a vitória nas eleições, os militares e membros do partido USDP demonstravam a sua insatisfação com o resultado, e logo tentaram iligetimar a vitória do partido NDL. Os opositores, apontavam que havia ocorrido fraudes eleitorais durante as eleições, mas os mesmos não continham evidências que comprovem as fraudes, portanto a comunidade internacional desacreditaram das alegações.


No início de fevereiro, o terror tomou o governo. Os militares se aprontaram para realizar o golpe militar antes da primeira sessão parlamentar do partido de Aung, que aconteceria em meados de fevereiro. Os militares foram às ruas cercando a capital com veículos do exército, prenderam representantes do país, incluindo Aung, desligaram os meios de comunicação, fecharam o espaço aéreo e anunciaram o golpe em uma rede de televisão que pertence aos mesmos. De princípio, alegaram que o país ficaria em situação de emergência durante o período de um ano, até que outras eleições fossem realizadas.


A população foi às ruas para demonstrar seu apoio ao partido de Aung e pedirem pelo retorno da democracia, mas obtiveram como resultado ataques de policiais e militares e milhares de birmaneses se refugiando em países vizinhos, como Índia e Tailândia. O país é multiétnico, e possui várias guerrilhas étnicas que também se mostram contra o golpe, buscando e requisitando ajuda para proteger os civis. Após o golpe, os conflitos armados entre civis e militares se estenderam violentamente, dando início a uma guerra civil no país.


Guerra Civil


Uma guerra civil é um conflito armado que ocorre dentro de um Estado, envolvendo grupos ou facções internas que lutam pelo controle do governo, território, recursos ou outros objetivos políticos, sociais, étnicos ou religiosos. Geralmente são conflitos caracterizados por muita violência e com violação de direitos, trazendo impactos significativos nas populações envolvidas.


Após a chegada efetiva dos militares no poder, uma guerra civil foi estabelecida no território de Mianmar. O Tatmadaw, nome oficial das forças armadas do país, travaram uma batalha brutal contra a Força de Defesa do Povo (PDF, sigla em inglês) que está diretamente ligada ao Governo de Unidade Nacional do Mianmar (NUG, sigla em inglês). O NUG afirma que é o governo legítimo, enquanto a junta militar argumenta que eles são uma organização terrorista. O NUG estabeleceu o PDF e o dividiu em cinco regiões (Norte, Sul, Central, Oriental e Ocidental), como forma de conter e lutar contra a milícia que expandia seu governo nas regiões do país.

A população, principalmente jovens, demonstram sua insatisfação com a junta militar, desde do início do golpe, por meio de protestos e lutas de ruas. Entretanto, segundo Acled (sigla em inglês para “Projeto de Localização de Conflitos Armados”), ao passar os meses, os conflitos foram se tornando ainda mais intensos com mortes de civis quando a milícia tentava reprimir as manifestações. A violência estendeu-se ainda mais quando os civis começaram a ter acesso a armas como forma de se defender. Então, a chefe de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, concordou em entrevista com a BBC que o conflito no país asíatico, deve agora ser chamado de guerra civil.


Por mais que exista uma dificuldade para conseguir coletar dados concretos, a Acled tem contribuído com esse levantamento. Segundo a Acled, até o ano de 2022, foram registradas cerca de 12 mil mortes ocasionadas por violência política, e que o número de mortes quadruplicou em relação às primeiras manifestações. Ataques aéreos também têm sido frequentes e atingem desde opositores ao regime militar até mesmo crianças em escolas. É importante destacar que muitas das vezes as lutas são desproporcionais. Enquanto os militares se beneficiam com armamentos potentes e tecnológicos, os civis utilizam armas comuns, estilingues, coquetéis molotovs, fogos de artifícios entre outros.


Os Rohingyas


Primeiramente , é preciso ressaltar que Mianmar é um país multiétnico, que possui guerrilhas étnicas espalhadas pela região, e estas sofrem os impactos do golpe. A escalada dos conflitos ocasionados pelo golpe de Estado de 2021, trouxe efeitos humanitários que atingem a população, dominantemente budista, e chamou a atenção para a questão dos rohingyas, minoria islâmica historicamente perseguida no perseguida na região.


Os rohingyas possuem origem na baía de Bengala (atualmente localizada entre Blangadesh e a Índia), e no século XVII foram tomados por portugueses e comercializados para o reino de Arakan (atualmente localizado no noroeste de Mianmar). Durante a ocupação britânica no país, os rohingyas foram influenciados a trabalhar com mão de obra barata, ocasionando uma segunda onda migratória no país. Os rohingyas possuem uma ligação histórica com a região e superou diversas tentativas de extermínio dos governos militares de Mianmar ao longo dos anos, que justificaram as suas ações na ideia de “islamização” do país. Essas justificativas originaram um sentimento de nacionalismo e de ódio contra esse povo, que precisaram encontrar meios para sobreviver do violento apartheid, através de migrações forçadas.


O Governo de Unidade Nacional Governo da República União de Mianmar (NUG, sigla em inglês), que foi formado após o golpe, é constituído por parlamentares que haviam sido eleitos nas eleições de 2020. O NUG tem defendido o retorno dos refugiados rohingyas, mas não há meios de concretização, pois os mesmos não possuem o poder para legislar e enfrentam o embate com os militares. Os estudantes, que participam da luta através da Força de Defesa do Povo (PDF, sigla em inglês) também defendem a volta do povo rohingyas, mas criticam o governo de Aung por ser cúmplice ao extermínio ocorrido durante o seu governo.


Vale questionar por que a volta do povo rohingyas para o território de Myanmar se tornou muito importante, durante o caos da guerra civil que o país enfrenta. Estudiosos apontam, que devido o momento de fragmentação política, esta é uma oportunidade de buscar promover a igualdade para esse povo, utilizando os mesmos como isca para conseguir alianças ocidentais e restaurar a democracia no país. Contudo, devido a situação que a região se encontra, é improvável que os rohingyas consigam ter um retorno pacífico para a região, pois com os militares ainda no poder, eles podem cair em mãos fascistas que promovem o ódio e a xenofobia, tornando a situação ainda pior.


A ONU


A ONU enxerga o conflito no país ásiatico, como uma situação catastrófica de direitos humanos, com diversas violações executadas pelos militares contra os civis, incluindo algumas que podem ser classificadas como crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A organização destaca que, a escalada do conflito torna cada vez uma brutal guerra civil disseminada. Segundo o relatório da ACNUDH, forças militares matam pessoas nas ruas, assassinam crianças dentro de casa, espancam e torturam pessoas até a morte.

“As consequências nacionais são terríveis e trágicas, e as consequências regionais também podem ser profundas”, aponta a alta-comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet. Entretanto, apesar das pontuações feitas, a comunidade internacional não demonstra muito interesse em solucionar o conflito, visto que o Plano de Resposta Humanitária ao Mianmar da ONU de 2021, recebeu somente 41% dos fundos requeridos até agora, o que é uma porcentagem consideravelmente baixa.


Considerações Finais


Logo, podemos concluir que o conflito interno que se estende no Mianmar é considerado uma guerra violenta que viola os direitos civis de diversas formas e não possui perspectivas para o fim. Isto é um fator preocupante, pois sangue de vidas inocentes estão sendo derramados e um governo autoritário, que não deve servir de exemplo para o mundo, está fazendo o que quiser com uma nação. Outro ponto que deve ser analisado é a questão dos rohingyas, pois é um povo que vem tentando resistir contra a perseguição e extermínio ocasionados por um governo fascista. Percebe-se a pouca preocupação da comunidade internacional que não demonstra muita preocupação com o conflito e aparenta não escutar os civis que gritam por ajuda.



 

Referências


BBC NEWS BRASIL. Mianmar: 1 ano após golpe, país enfrenta guerra civil. BBC, 1 fev. 2022.


MENESES, M. O. PET-REL - Guerra Civil em Mianmar: o que mudou para os refugiados rohingyas e quais os caminhos para a paz? Disponível em: <http://petrel.unb.br/destaques/186-guerra-civil-em-mianmar-o-que-mudou-para-os-refugiados-rohingyas-e-quais-os-caminhos-para-a-paz>. Acesso em: 1 nov. 2023.


ONU alerta para risco de guerra civil em Mianmar. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/145783-onu-alerta-para-risco-de-guerra-civil-em-mianmar>. Acesso em: 1 nov. 2023.


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