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A INTERNACIONALIZAÇÃO DO PCC E AS GUERRAS ASSIMÉTRICAS


Ainá Alves

CECIDES



Fonte da Imagem: Roberto Custodio/Arquivo Gazeta do Povo



O Primeiro Comando da Capital (PCC) é a maior organização criminosa do Brasil (Dias; Manso, 2018, p.14). O grupo foi criado em 1993, com o intuito de “combater a opressão policial nos presídios paulistanos” (Dias;Manso, 2018, p.12). A fundação da entidade foi extremamente influenciada pelos inúmeros casos de assassinato e abuso policial nos anos 1990, sendo o mais famoso deles o Massacre de Carandiru, que aconteceu em 1992 e foi o estopim para a gênese da entidade criminal. No decorrer de mais de 20 anos, o PCC se fixou como a principal facção da América Latina, com atuação por todo o continente americano e em alguns países europeus (Dias, 2013). Tal atuação tenta ser desestruturada a partir de ações conjuntas entre Governo Federal do Brasil e forças de segurança pública, num movimento chamado de Guerras Assimétricas, marcado pelo confronto entre exército formal e oponente informal. Dessa maneira, é essencial entender como a organização se estabeleceu no território brasileiro e como esse processo deu início à internacionalização das suas atividades, fato que se configura como um problema de segurança no cenário internacional, devido à instabilidade dos confrontos entre forças estatais e entidades trans-estatais. Além de representar uma ameaça real à soberania dos Estados.

Para entender o atual contexto de internacionalização do PCC, é necessário compreender a origem e a evolução da organização. Diferentemente das outras facções, como o Comando Vermelho — sua principal rival —, que dependem do controle territorial e varejo de narcóticos, o PCC tem uma atuação focada no atacado de drogas e diversificação das suas atividades criminais. 

Foi nesse cenário, portanto, que a facção evoluiu rapidamente e estabeleceu operações em todo o território nacional. Em pouco tempo, o PCC se tornou o principal alvo da segurança pública no Brasil, em função do alto número de compra e venda de narcóticos, roubo de bancos e rebeliões nas penitenciárias. Ademais, a forma pela qual a facção se estruturou foi impossibilitando, aos poucos, qualquer iniciativa de uma operação bem sucedida para combatê-la. Nesse sentido, a amplificação do PCC se deu também pela dificuldade das forças nacionais de controlarem o grupo. Todos os membros, ou “irmãos” - maneira que os integrantes da instituição se chamam internamente - têm liberdade para ganhar dinheiro com negócios pessoais, incluindo compra e venda de pequenas quantidades de drogas, roubos e furtos, porém, quando os negócios são feitos em nome da facção, a situação assume outros termos e o lucro é direcionado para o caixa coletivo (Dias; Manso, 2018, p.48). Essa separação dificulta operações policiais que almejam dar fim às ocupações da facção, pois mesmo com o êxito das autoridades na interceptação de uma atividade ilegal, não é assegurado que aquele criminoso terá vínculos claros com o grupo.  Dessa maneira, o ponto principal dessa questão é a distinção entre pessoa física — membro do PCC — e a entidade jurídica intitulada "PCC" .

Levando em conta que internacionalização é o desenvolvimento de expansão da atuação de qualquer organização para o mercado internacional (Souza; Felini, 2012), é possível apontar que o estabelecimento da facção na América Latina aconteceu por meio deste movimento. Tal processo se iniciou quando Vagner Roberto Raposo Olzon, o Fusca, viajou para a Bolívia e para o Paraguai em 2007, a mando da entidade criminosa. A ida do membro da organização teve como objetivo o fornecimento mensal de uma tonelada de cocaína, além de armas e explosivos. As grandes quantidades de narcóticos e armas eram extremamente importantes, respectivamente para a estabilização do PCC no atacado de drogas e a proteção da “família PCC” (Dias; Manso, 2018, p. 46-50).

Nesse contexto, é importante atentar para o real motivo da internacionalização: o Brasil não é um grande produtor de drogas (Dias; Manso, 2018, p. 46), portanto, a atuação das facções brasileiras é inteiramente focada na distribuição em massa de narcóticos dos grandes produtores para outras localidades. Dessa maneira, é importante salientar que o grupo brasileiro procurava novas maneiras de se inserir no tráfico internacional. Entretanto, a compra e venda de grandes quantidades de drogas de um país para outro passa por processos burocráticos que necessitam de vários intermediários, sendo eles, facções aliadas, forças de segurança pública, entre outros. Assim sendo, a partir de 2010, as lideranças do PCC começaram a perceber que, caso houvesse uma estabilização de membros da facção dentro de outros países e nas fronteiras, a necessidade de intermediários seria quase nula. Foi nesse cenário que a organização criminosa lançou o “Projeto Paraguai” no fim de 2010, que consistia na ocupação da região das fronteiras paraguaias, por meio da atuação dos membros nessas áreas. Desde a fundação da entidade criminosa, o Paraguai era considerado de extrema importância geoestratégica pelos líderes do PCC, pois, além de ser o maior produtor de cannabis do mundo, o Paraguai é rota de cocaína proveniente dos países andinos que abastecem o Sul e Sudeste do Brasil, reiterando o impacto desse desafio para a segurança pública nacional (Pimentel, 2019). Dessa maneira, o esquema de ocupação e controle da produção e distribuição paraguaia foi colocado em prática, inicialmente, com o envio de alguns nomes para estabelecer canais de comunicação com fornecedores de cocaína e armas. 

Após algum tempo, as lideranças da organização atentaram que para a internacionalização acontecer de fato, esse processo deveria ser comandado por membros que conheciam e tinham apego pelos ideais do PCC. Em pouco tempo, esses líderes foram interceptados e presos no Paraguai, mas fizeram dos presídios paraguaios os seus escritórios de trabalho. Assim, com a maior disseminação dos ideais e das atividades do grupo irregular, o Projeto Paraguai obteve sucesso ao ampliar sua rede de conectividade à nível internacional. Atualmente, o Paraguai é o país com mais membros ativos do PCC fora do Brasil, com aproximadamente 500 pessoas em liberdade e 1.027 membros nos presídios do país. (Ministério Da Justiça, 2016).

Desse modo, a experiência bem sucedida no Paraguai é utilizada como manual para novos projetos de expansão em outros Estados estratégicos da América Latina, bem como nos Estados Unidos da América (EUA) e para países europeus, se inserindo e transitando no cenário internacional. Todas essas tentativas já foram colocadas em prática e as suas consequências estão sendo vistas internacionalmente. As autoridades da Espanha e Portugal já demonstraram interesse e preocupação com as atividades do PCC nos seus territórios, assim como, o presidente estadunidense, Joe Biden, que em 2021 classificou a facção como uma organização criminosa internacional (ODILLA, 2021).

Diante dos fatos supracitados e do entendimento da complexidade da atuação do grupo criminoso, é essencial entender o conceito de Guerra Assimétrica. O termo, proveniente do estudo da Geopolítica, versa sobre uma guerra ou conflito entre uma força tradicional estatal e um poder não tradicional - no caso brasileiro, uma facção (Metz, 2001). Esses tipos de confrontos já foram vistos inúmeras vezes na história: a “Guerra ao Terror” como resposta estadunidense aos ataques do 11 de setembro; ou os conflitos entre o estado colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Nesse cenário, a partir da presença internacional do PCC e da preocupação que inúmeros Estados já demonstraram acerca desse tema, é necessário questionar de que modo esse conflito pode acontecer. 

Em agosto de 2022, em visita ao Brasil, o subsecretário do Departamento do Tesouro dos EUA comentou sobre a possibilidade de aplicar sanções à organização, às empresas e aos indivíduos ligados ao PCC, após denúncias entre as operações criminosas da facção e o garimpo ilegal na Amazônia (Mazzini, 2021). Em dezembro desse mesmo ano, essas sanções foram colocadas em prática, mas não há informações oficiais sobre o impacto dessa ação, pois a guerra assimétrica também significa o abandono das regras tradicionais de disputas - dentre elas, a transparência governamental. Outro exemplo pertinente para o entendimento do impacto que a facção tem sobre as suas áreas de atuação foram os acontecimentos que tiveram início em 15 de maio de 2006. O “lockdown” imposto pela organização criminosa teve como motivação a transferência de membros do PCC para presídios controlados por grupos rivais (Dias; Manso, 2018, p. 98). Nesse cenário, a cidade de São Paulo ficou paralisada durante uma semana com as ameaças que a entidade criminosa representava. Nesse evento, o partido atacou bases policiais e forças de segurança pública, além de acometer civis, resultando em mais de 500 mortes, de acordo com o Ministério de Justiça, 2007.

Nesse cenário, ficam em aberto questões acerca dos próximos passos na tentativa de forças nacionais e internacionais de combater as atividades do PCC. Diante desse fato, é importante atentar para o impacto que a facção tem sobre a política externa brasileira, ao ponto que influencia ações do maior parceiro histórico do Brasil, os EUA. Por isso, é tangível que os esforços brasileiros não estão sendo suficientes e capazes de responder ao desafio de combater a internacionalização do PCC. Logo, tal temática precisa ser melhor discutida nas esferas políticas, de modo a encontrar novas soluções para essa problemática que têm inúmeras repercussões ao redor do mundo.

É essencial levar em consideração alguns pontos globais na questão de desestruturação da facção PCC. Um primeiro ponto é de que é um consenso na área das Relações Internacionais que a globalização aprofunda fluxos de pessoas, comércio e de maneira negativa, também enraíza complexidades de grupos criminosos que, outrora, tinham atuação regional limitada. Em segundo plano, a composição da organização criminosa é uma ameaça direta à soberania do Estado brasileiro, ao ponto que não se estrutura por vias legais, além de ser um contraponto à forças de segurança pública de inúmeros estados. Portanto, a busca  pela segregação e eliminação total de grupos criminosos internacionais deve ser um interesse exposto na agenda global, como é feito a partir do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 (ODS 16) que versa sobre a importância da Paz, Justiça e Instituições Eficazes.  Desse modo, o esforço coletivo internacional no sentido de minar, expor e finalizar as ações de entidades criminosas deve ser prioridade na agenda global, ao ponto que viabiliza o desenvolvimento de populações afetadas pela violência e instabilidades.

Portanto, a internacionalização do Primeiro Comando da Capital não é somente um projeto, mas sim, uma realidade: a facção já se estabeleceu na América Latina e possui membros nos EUA e na Europa. O tópico a ser observado é se as autoridades brasileiras e internacionais conseguirão interceptar novas atividades criminais e deter a atuação do PCC no Brasil e no mundo por meio das configurações não tradicionais da Guerra Assimétrica.










REFERÊNCIAS


ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, São Paulo, v. 21, n. 61, p. 7-29, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142007000300002. Acesso em: 12 mai. 2023.


CAMPOS, Tales de Paula Roberto de. O projeto transfronteiriço do Primeiro Comando da Capital – PCC (2006-2016). 2020. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Relações Internacionais) – Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, UNESP/UNICAMP/PUCSP, São Paulo, 2020.


DIAS, Camila Nunes. PCC: Hegemonia nas prisões e o monopólio da violência. São Paulo Ed Saraiva, 2013.


ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (Brasil). Fundamentos do Poder Nacional. Rio de Janeiro: Ed. ESG, 2019.


FEITOSA, Gustavo Raposo Pereira; PINHEIRO, José Augusto de Oliveira. Lei do Abate, guerra às drogas e defesa nacional. Revista Brasileira de Política Internacional, Fortaleza, v. 55, n. 1, p. 66-92, jan. 2012. 


MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. A GUERRA: A ascensão do PCC e o mundo do crime no brasil. São Paulo: Todavia, 2018. 


METZ, Steven. Strategic Asymmetry. Military Review, p. 23-31, Jul./Aug. 2001.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (2016), Segurança pública nas fronteiras - Sumário executivo Relatório MP. Brasília.

ODILLA, Fernanda. PCC “batiza”estrangeiros no grupo de olho na expansão do tráfico de drogas na Europa. BBC News Brasil, 2018. Disponível em:https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44857777. Acesso em: 04 mai. 2023.


PIMENTEL, João Paulo Garrido. As ameaças das facções criminosas à segurança nacional e boas práticas para seu enfrentamento. Rio de Janeiro: Ed. ESG, 2019.


RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas: uma genealogia do narcotráfico. São Paulo: Desatino, 2017. 325 p. 


SOUZA, Eda Castro Lucas de; FENILI, Renato Ribeiro. Internacionalização de empresas: perspectivas teóricas e agenda de pesquisa. Revista de Ciência da Administração, v. 14, n. 33, p. 103-118, ago., 2012.


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