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Os Rios que Desaparecem na Chapada Diamantina e sua Relação com o ODS 15

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  • há 2 dias
  • 4 min de leitura

Por: Ainá Alves


A Chapada Diamantina, um dos principais refúgios ecológicos do Brasil, vive

uma crise silenciosa: o desaparecimento progressivo de seus rios e nascentes. Suas

nascentes alimentam rios como o Paraguaçu, o Una e o Santo Antônio, fundamentais

para a sobrevivência de milhares de pessoas e da rica biodiversidade local. Outrora,

esses cursos d'água eram perenes: cortavam vales, abasteciam comunidades e

sustentavam ecossistemas. Hoje, se encontram secos, intermitentes ou visivelmente

degradados. Essa crise ambiental evidencia o descompasso entre a preservação dos

recursos hídricos e um modelo predatório de ocupação territorial, frequentemente

impulsionado pela lógica neoliberal de exploração desregulada (HARVEY, 2005;

LANDER, 2014).

Estudos hidrológicos demonstram que o desmatamento, a expansão

agropecuária e a urbanização caótica alteram drasticamente a disponibilidade e a

qualidade da água, transformando rios outrora perenes em canais intermitentes ou

degradados (MELLO et al., 2018; FEARNIDE, 2017). Como alertam Tundisi e

Matsumura-Tundisi (2008), a interferência humana nos ciclos naturais compromete não

apenas a biodiversidade, mas também o abastecimento de populações tradicionais e

urbanas. Essa crise, longe de ser acidental, está intrinsecamente ligada a uma

dinâmica econômica que trata a natureza como mercadoria, ignorando seus limites

ecológicos (MARTINEZ-ALIER, 2002; ROCKSTRÖM et al., 2009). Tal problemática vai

na contra-mão do cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 15 da

ONU: proteger a vida terrestre.

A escassez de água torna-se evidente no cenário natural: cursos d’água que

antes fluíam com força agora se transformaram em canais áridos e repletos de pedras,

e nascentes que antes jorravam continuamente mal conseguem emergir do solo, como

evidencia o autor Tucci (2008) ao explicar a mudança no curso das águas. Essa

drástica transformação decorre de um conjunto complexo de fatores interligados. O

assoreamento acelerado, decorrente da supressão da vegetação ripária e do uso

insustentável do solo, compromete a capacidade de recarga dos aquíferos (MELLO,

2018). Tal processo soma-se à contaminação por esgoto não tratado e agrotóxicos,

que não apenas degradam ecossistemas aquáticos, mas inviabilizam o uso da água

pelas comunidades locais. Grandes obras de infraestrutura, como barragens e

loteamentos mal planejados, fragmentam bacias hidrográficas e alteram regimes

fluviais (FEARNSIDE, 2015), enquanto as mudanças climáticas – intensificadas pelo

modelo global de desenvolvimento – agravam a irregularidade das chuvas,

prolongando períodos de seca. Ou seja, a problemática trata-se de uma série de

resultados causados pelo homem.

Nesse sentido, é necessário observar que os impactos desse processo não se

restringem a questões locais, mas também globais. Eles se conectam diretamente ao

Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 15, que trata da vida terrestre, com

foco na proteção, restauração e uso sustentável dos ecossistemas. O ODS 15 é

essencial porque reconhece que sem florestas, solos saudáveis, biodiversidade e

cursos d’água preservados, não há sustentação possível para a vida humana ou

natural. A degradação dos rios na Chapada compromete diretamente a biodiversidade,

a agricultura familiar e o turismo ecológico — pilares da economia e da vida local.

Entretanto, mesmo que seja evidente que os impactos e as problemáticas são

causadas pela ação humana, é necessário entender também que existem iniciativas

que buscam identificar erros e corrigi-los de maneira sustentável. Diversos projetos de

mapeamento e recuperação de nascentes vêm sendo implementados por organizações

da sociedade civil, universidades e coletivos locais. Essas ações incluem o

reflorestamento de áreas degradadas, o monitoramento de cursos d’água e a

conscientização das comunidades sobre o uso sustentável da terra e da água.

Projetos como o "Nascentes Vivas" e o trabalho de brigadas ambientais no

Parque Nacional da Chapada Diamantina (ICMBIO, 2019) buscam restaurar o equilíbrio

dos ecossistemas hídricos e frear a degradação. Esses projetos são a culminância

entre universidades e ONGs até comunidades tradicionais e possuem 3 eixos

principais: Restauração Ecológica e Reflorestamento; Monitoramento Participativo e

Educação Ambiental e Governança.

Por fim, apesar das iniciativas existirem, esses esforços ainda enfrentam

obstáculos, principalmente pela ausência de políticas públicas eficazes, falta de

fiscalização ambiental e ausência de um planejamento territorial que respeite os limites

ecológicos da região. Nesse sentido, seria necessário a organização de políticas

realistas e aplicações de sanções sérias para infratores. É fundamental que o poder

público, em todas as esferas, reconheça a gravidade do problema e atue de forma

integrada com a população e a ciência para reverter esse processo.

Além disso, o Plano Plurianual (PPA) baiano menciona o fomento ao turismo

sustentável e à agricultura de baixo impacto, temas diretamente vinculados à crise

hídrica da Chapada. Porém, sem mecanismos rígidos de fiscalização e incentivos

econômicos que priorizem práticas sustentáveis, o avanço da degradação continuará.

É fundamental que o poder público, em todas as esferas, não apenas reconheça a

gravidade do problema no plano discursivo, mas implemente as metas do PPA com

orçamento adequado, monitoramento transparente e participação social ativa. A defesa

da vida terrestre, como exige o ODS 15, demanda que o planejamento estadual

traduza-se em ações imediatas — como a regularização fundiária de áreas críticas, a

criação de corredores ecológicos e a penalização efetiva de crimes ambientais — sob

risco de ver a crise hídrica se tornar irreversível.

O desaparecimento dos rios da Chapada Diamantina evidencia a fragilidade dos

nossos ecossistemas diante de modelos de desenvolvimento insustentáveis. A defesa

da vida terrestre, como exige o ODS 15, não se resume a uma abstração técnica, mas

demanda ações imediatas, que resultará em mudanças na qualidade de vida e

desenvolvimento de populações locais.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, C. et al. Restauração de nascentes: eficácia de técnicas participativas. Revista Brasileira de

Recursos Hídricos, v. 25, e25, 2020.

HARVEY, D. A Brief History of Neoliberalism. Oxford: Oxford University Press, 2005.

ICMBio. Plano de Manejo do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Brasília: Instituto Chico Mendes

de Conservação da Biodiversidade, 2019.

LANDER, E. A crise civilizatória e o colapso ambiental: desafios para as ciências sociais. Revista Crítica

de Ciências Sociais, n. 103, p. 123-146, 2014.

MARTINEZ-ALIER, J. The Environmentalism of the Poor: A Study of Ecological Conflicts and Valuation.

Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2002.

MELLO, K. de; VALENTE, R. A.; RANDHIR, T. O.; VETTORAZZI, C. A. Impacts of tropical forest cover on

water quality in agricultural watersheds in southeastern Brazil. Ecological Indicators, v. 93, p. 1293-1301,

2018.

ROCKSTRÖM, J. et al. A safe operating space for humanity. Nature, v. 461, n. 7263, p. 472-475, 2009.

SIQUEIRA, L. P. et al. Monitoramento participativo de recursos hídricos em unidades de conservação: o

caso da Chapada Diamantina. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 13, n. 3, p. 1230-1245, 2020.

TUNDISI, J. G.; MATSUMURA-TUNDISI, T. Limnologia. São Paulo: Oficina de Textos, 2008.

TUCCI, C. E. M. Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.


 
 
 

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