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A nova influência global: Jogos digitais como agentes de Soft Power

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  • há 3 dias
  • 5 min de leitura

Maria Rita Almeida - Observatório Político Internacional


O soft power, conceito apresentado pelo cientista político Joseph Nye, ganhou destaque ao propor que a influência entre os Estados não se dá apenas pela força militar ou econômica, mas também pela capacidade de atrair e persuadir por meio da cultura (NYE, 2004). Em um mundo cada vez mais interconectado, compreender esse tipo de poder é fundamental para entender como as hegemonias se constroem, não apenas pela imposição, mas pela habilidade de moldar preferências e influenciar comportamentos no cenário global.


Ao longo das últimas décadas, a cultura pop, por meio da música, do cinema, da moda e da televisão, consolidou-se como uma ferramenta poderosa de projeção internacional. Países como Estados Unidos e Coreia do Sul são exemplos de como a exportação cultural pode impactar costumes e até percepções políticas em um mundo globalizado. Contudo, sob a ótica construtivista, é preciso ir além da superfície desses fluxos, propondo reflexões: quando a era digital influencia imaginários e comportamentos, ainda pode ser encarada como simples entretenimento? Como se configuram, de maneira sutil, enquanto uma expressão do poder simbólico? E, finalmente, quem são os responsáveis por definir as narrativas que circulam e moldam as estruturas globais?


Dentro desse contexto, surge uma discussão relevante: os jogos digitais como novos agentes de soft power. Isso porque a indústria dos games, hoje maior que a do cinema e da música juntas (ECONOMIST, 2023), não só movimenta economias, mas também dissemina ideias, valores e modelos sociais. Longe de serem apenas uma forma de lazer, os jogos se transformaram em espaços de disputa simbólica e política, frequentemente atuando como mecanismos de influência nas relações do Sistema atual. Um bom exemplo disso é League of Legends, desenvolvido originalmente pela estadunidense Riot Games, que mesmo após sua aquisição pela gigante chinesa Tencent, manteve no jogo traços marcantes da cultura pop ocidental, como arquétipos inspirados em narrativas hollywoodianas – como o herói rebelde e o vilão carismático. Esse caso ilustra como o soft power pode ser dinâmico: embora o controle da empresa tenha mudado de mãos, o produto ainda carrega elementos característicos dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que passa a integrar referências chinesas. Trata-se de uma disputa em que diferentes países projetam visões de mundo concorrentes por meio de um mesmo jogo (SAIS REVIEW, 2025).


Por outro lado, essa lógica não é unidirecional, já que a própria China vem utilizando os jogos nacionais como meio de projeção cultural. Títulos como Honor of Kings, também sob a direção da Tencent, promovem conteúdos baseados na história, na mitologia e na estética chinesa, contribuindo para a construção de uma imagem moderna e influente do país no cenário internacional. A disputa simbólica entre grandes potências também evidencia o que fica de fora: regiões historicamente fragilizadas, como alguns países e regiões do sul global. A hegemonia de narrativas centradas nesses polos perpetua a invisibilidade de modos de vida e perspectivas locais, limitando a diversidade de representações no âmbito digital global. Essa exclusão não é apenas técnica ou econômica, mas simbólica, pois impede que outras formas de existência sejam reconhecidas e valorizadas no campo do poder cultural.


Além disso, o papel dos jogos digitais na construção de narrativas e identidades políticas é um aspecto crucial quando se observa o contexto da diplomacia pública e das políticas externas. A França, por exemplo, embora não tenha uma indústria de games tão expansiva quanto a dos Estados Unidos ou do Japão, apresenta iniciativas como o apoio governamental ao desenvolvimento de jogos e o fomento à sua presença em eventos internacionais como a Gamescom, na Alemanha (SCHUMAN, 2021). Nesse contexto, o jogo Assassin's Creed, desenvolvido pela Ubisoft, uma das maiores empresas de jogos do mundo, fundada em Paris, explora períodos históricos e locais como a Revolução Francesa e o Antigo Egito, e se imerge nos aspectos culturais de cada contexto, buscando promover uma imagem de sofisticação intelectual. Entretanto, por trás dessa construção de um 'ideal cultural', há uma perceptível tentativa da França de reforçar sua posição como uma nação de tradição elevada e inovação, mesmo quando esses valores são muitas vezes distorcidos ou “superficializados” em prol do mercado. 


Esse tipo de produção não apenas atrai consumidores, mas também serve como uma ferramenta de soft power, projetando a imagem de um país que, supostamente, valoriza tanto sua herança histórica quanto a inovação tecnológica, sem questionar até que ponto essa imagem condiz com as realidades sociais e políticas internas e externas da própria nação.

Esse fenômeno evidencia que os games vão além do simples entretenimento, funcionando como poderosas ferramentas de influência capazes de ultrapassar fronteiras e impactar a ordem internacional. Ao utilizarem o soft power por meio dessa indústria, os países projetam suas visões de mundo e valores em uma escala global. Dessa forma, os jogos se tornam um campo estratégico para a afirmação de hegemonias culturais, influenciando percepções, comportamentos e até alianças políticas, muitas vezes de maneira imperceptível para o público. Porém, embora desempenhem um papel crescente na diplomacia e na projeção de poder, também é importante considerar as implicações sociais dessa prática. 


O crescente uso de jogos como ferramentas de soft power exige uma reflexão crítica sobre as consequências dessas influências no imaginário coletivo. No futuro, será essencial que os desenvolvedores e os governos colaborem para garantir que os jogos digitais possam ser utilizados de maneira mais ética, promovendo o entendimento intercultural e a diversidade, sem manipulação ideológica. Além disso, é importante considerar como os jogadores, enquanto consumidores ativos dessa cultura digital, podem se tornar mais conscientes de seu papel na construção e disseminação de narrativas globais.


Referências

ECONOMIST. Video games, power and diplomacy. The Economist, 20 mar. 2023. Disponível em: https://www.economist.com/special-report/2023/03/20/video-games-power-and-diplomacy. Acesso em: 15 abr. 2025.


ESPORTS.NET. League of Legends player count (April 2024). Disponível em: https://www.esports.net/news/lol/league-of-legends-player-count/. Acesso em: 20 abr. 2025.


EXAME. Honor of Kings, da Tencent, se torna o jogo de celular mais vendido do mundo em julho. Exame, 03 ago. 2022. Disponível em: https://exame.com/tecnologia/honor-of-kings-da-tencent-se-torna-o-jogo-de-celular-mais-vendido-do-mundo-em-julho/. Acesso em: 4 maio 2025.


JOVEM NERD. Tencent completa compra da Riot Games. Disponível em: https://jovemnerd.com.br/noticias/games/tencent-completa-compra-da-riot-games. Acesso em: 20 abr. 2025.


NYE, Joseph S. Soft power: the means to success in world politics. New York: PublicAffairs, 2004.


SAIS REVIEW. The role of soft power in the digital age. SAIS Review, 2025. Disponível em: https://saisreview.sais.jhu.edu/the-role-of-soft-power-in-the-digital-age/. Acesso em: 13 abr. 2025.


SCHUMAN, Robert. The video games industry in Europe: current situation, issues and prospects. 2021. Disponível em: https://www.robert-schuman.eu/en/european-issues/724-the-video-games-industry-in-europe-current-situation-issues-and-prospects. Acesso em: 15 abr. 2025.


TAVARES, Thomas. O Mundo Feito por Nossas Ideias: O Construtivismo Social como Teoria de Relações Internacionais. Relações Exteriores, 3 jul. 2021. Disponível em: https://relacoesexteriores.com.br/tavares-construtivismo-social/. Acesso em: 2 maio 2025.


 
 
 

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2 Yorum


Antonio Almeida
Antonio Almeida
há 3 dias

Excelente a pesquisa, a narrativa e a conclusão. Direta e eobjetiva nos levando-a uma reflexão necessáriae a prosseguir a leitura. Querer chagando final .

Parabéns!

Düzenlendi
Beğen

ritaalmeida43
há 3 dias

Excelente texto

Beğen
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