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Géssica Lima / OBSERVATÓRIO

A relação entre o Brasil e os Estados Unidos: por que a soberania brasileira gera tanto incômodo?

A cooperação que há entre o Brasil e os Estados Unidos é historicamente intrincada e influenciada por diversos fatores políticos, econômicos e socioculturais. Ambos os países trabalham juntos em questões como comércio, meio ambiente e segurança global.

Durante as décadas de 1960 e 1970, o Brasil experienciou muitas mudanças políticas e sociais, incluindo a abertura da economia e a consolidação da democracia representativa. Nesse período, as ações entre o Brasil e os Estados Unidos foram influenciadas por conflitos externos e internos, como a Guerra Fria e a ditadura militar brasileira.

Nos últimos anos, essa conexão tem se caracterizado pela cooperação econômica e diplomática, incluindo a participação em organizações internacionais como as Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio (OMC). No entanto, existem adversidades, como barreiras comerciais e divergências sobre questões ambientais.

Apesar da relação histórica, o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos não é tão grande quanto a parceria comercial entre Brasil e China, país que cresceu como potência econômica e hoje é o maior concorrente da economia estadunidense.

Amado Cervo, historiador e analista da política externa brasileira, enfatiza em suas obras que a tradição diplomática do Brasil é baseada no pragmatismo, na busca da autonomia e na proteção dos interesses nacionais.

Nesse sentido, segundo o historiador, a política externa tem sido historicamente pautada pelos princípios do legalismo e pacifismo. Para Cervo, embora o significado dessas ações variem de acordo com o contexto nacional e internacional, elas são uma constante na política externa brasileira.

Apesar dessa constância na condução da política externa, ainda é possível apontar divergências na política externa adotada pelos últimos governos.

De 2003 a 2010, a política externa do Governo Lula foi ativa e pragmática, com o objetivo de ampliar a importância do Brasil no cenário internacional e promover a integração regional da América Latina. Além de enfatizar a cooperação Sul-Sul, muitas linhas gerais da política externa do presidente Lula foram preservadas também no governo Dilma de 2011 a 2016, mas com maior ênfase nas questões socioeconômicas e ambientais. O governo de Dilma Rousseff possibilitou o fortalecimento das relações Sul-Sul, mas não deixou de dar mais atenção aos países africanos e orientais.

Quanto ao governo do ex-presidente Michel Temer de 2016 a 2018, o governo foi criticado por falta de ação assertiva e devoção aos interesses norte-americanos, embora sua política externa também tenha sido mais pragmática e duradoura do que as gestões anteriores. E por fim, uma análise do governo Jair Bolsonaro de 2019 a 2022, cuja política externa se define como ideológica e nacionalista, que tinha como foco no estreitamento das relações do Brasil com os EUA. Sua administração tornou-se mais crítica e menos participativa em relação a organizações internacionais como as Nações Unidas, enfraquecendo a posição do país nos fóruns internacionais e promovendo constantemente atitudes fascistas.

No atual Governo Lula (2023) o presidente, em um discurso no Congresso Nacional destacou a importância da retomada do Brasil como “protagonista nas relações internacionais”, enfatizando a atuação do país em questões de política ambiental global e também na integração com os demais países da América do Sul.

Isso não implica, no entanto, em um afastamento automático dos Estados Unidos, já que ainda em fevereiro de 2023, Lula encontrou-se com o então presidente estadunidense, Joe Biden, para discutir importantes questões da agenda bilateral e global.

Para a professora de Relações Internacionais, Tatiana Berringer, da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC), as escolhas de destinos iniciais de um novo presidente costumam ser indicativas de sua estratégia de política externa, visitando primeiramente Argentina e Uruguai, antes de partir para visitas fora da América do Sul. E quando o presidente Lula anunciou seus primeiros destinos, ele já expôs ao mundo o que planeja para seu governo.

No encontro que ocorreu na Casa Branca, sede do governo dos EUA, estiveram em pauta: a primordialidade no fortalecimento da democracia em ambos as nações e o estabelecimento de acordos ambientais para o combate à crise climática. Além disso, Lula também trouxe à tona novamente a ideia de o Brasil ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, demonstrando o interesse do Brasil em fazer parte ainda mais ativamente no cenário internacional.

A relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos é complexa e não se pode dizer que existe uma dependência direta. Ambas as nações se abastecem comercialmente: o Brasil exporta produtos agrícolas, minerais e manufaturados, enquanto importa tecnologia e produtos industriais. No entanto, os Estados Unidos não são o principal parceiro comercial do Brasil, que possui mais negócios com outros países da América Latina, como a Argentina, e sobretudo com a China.

Sendo assim, por que os últimos ocorridos e posicionamentos do Brasil parecem incomodar tanto o Governo Americano?

É necessário analisar a situação norte americana tomando como foco principal seu protecionismo, que como já definido anteriormente pelo BRICS, lá em 2018, "prejudica o crescimento mundial", afirmativa esta que se deu após a decisão de Washington de aumentar as tarifas sobre produtos importados, principalmente dos seus países aliados.

Em 24 de fevereiro de 2023 um porta-helicóptero e uma fragata iraniana solicitaram autorização à Marinha do Brasil para atracarem no Porto do Rio, no Rio de Janeiro. Isso se deu por serem navios de guerra e assim necessitarem solicitar a permissão. Poucos dias antes, Elizabeth Bagley, embaixadora norte-americana no Brasil, havia dito que os Estados Unidos acreditam que as embarcações não deveriam “atracar em qualquer lugar”.

Entretanto, o Governo Brasileiro autorizou a atracagem, que ocorreu do dia 26 de fevereiro ao dia 04 de março. Esta decisão não agradou o Governo Norte Americano.

Segundo o senador Ted Cruz, do partido Republicano do Texas, “A administração Biden é obrigada a impor sanções relevantes, reavaliar a cooperação do Brasil com os esforços antiterroristas dos EUA e reexaminar se o Brasil está mantendo medidas antiterroristas eficazes em seus portos. Se o governo não o fizer, o Congresso deve forçá-los a fazê-lo”, afirmando assim que o caso é de um desenvolvimento perigoso e uma ameaça direta à segurança dos americanos.

Ele advertiu que tanto o porto do Rio de Janeiro quanto empresas que prestarem serviços aos navios podem sofrer “sanções incapacitantes”.

“O presidente Biden chama o presidente brasileiro da Silva de amigo e disse que teve a honra de recebê-lo na Casa Branca, e o próprio da Silva é um chavista alinhado contra os Estados Unidos e nossos interesses, então ou esses riscos não foram transmitidos, ou os brasileiros não ligaram”, avaliou Cruz.

A embaixadora Bagley também deixou claro o posicionamento estadunidense quanto ao assunto. Disse, “esses navios, no passado, facilitaram o comércio ilícito e atividades terroristas e já tiveram sanções da ONU [Organização das Nações Unidas]. O Brasil é um país soberano, mas acreditamos fortemente que esses navios não deveriam atracar em qualquer lugar”, à revista época.

Nenhuma sanção foi aplicada ao Brasil devido à permissão concedida ao Irã. Todavia, o exercício da soberania brasileira foi posto em causa, como voltou a acontecer em abril de 2023 quando as preocupações cresceram a cerca da visita do presidente brasileiro à China, para participar da nomeação de Dilma Rousseff como presidenta do BRICS e também para uma conversa com o presidente chinês.

Acredito que uma boa resposta a pergunta realizada acima se dá de que, os Estados Unidos buscam manter a sua liderança global, em diversos setores, sejam eles político, econômico, industrial, comercial, militar, cultural, dentre outros.

Entretanto, a ascensão da China globalmente tem despertado uma série de reações por parte dos Estados Unidos. A geopolítica externa dos Estados Unidos, visando conter o máximo possível a expansão da China no mundo, para assim dominar quaisquer possíveis crises econômicas no seu futuro. Para que dessa forma exerça influência sobre a América do Sul, especialmente sobre o Brasil na questão do fornecimento da tecnologia chinesa - situação essa que gerou preocupação, já que o presidente Lula visitou a Huawei quando esteve na China, no último mês, afirmando que “nosso país está muito atrasado e eu acho que não é correto a gente não dar ao povo brasileiro a mesma oportunidade que outros países já têm” - e outros mercados.

Frequentemente, a geoestratégia econômica dos EUA é acompanhada da política militar em apoio às medidas do governo norte-americano. A segurança econômica, aí incluída a segurança energética, integra a política de segurança nacional. No âmbito internacional, o peso do dólar é fator de influência da economia global, afetando o fluxo de investimentos e do comércio internacional, entretanto com o processo de desdolarização apresentado nos últimos meses, a decisão do Brasil e da China de passarem a comercializar em suas próprias moedas, e o questionamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sua visita a Pequim acerca da dominância do dólar, defendendo então a criação de uma moeda dos Brics para que assim possam parar de utilizar o dólar como principal moeda comercial e até mesmo a ascensão do BRICS, que hoje conta com nove membros (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Uruguai e Egito) e já superou o PIB do G7, deixando assim a visão de irrelevância que tiveram por muito tempo no cenário internacional, e sendo desta forma uma verdadeira ameaça a economia norte americana que já vem bastante abalada e enfrentando um sério risco de recessão, como apontam economistas de todo o mundo. A moeda norte-americana é fator predominante nas rotas do fluxo internacional de capital e respectivamente de investimentos, deste modo, o andamento do cenário internacional faz com que os Estados Unidos se tornem ainda mais receosos com seus parceiros de longa data.




 

REFERÊNCIAS

Desdolarizar o mundo: o jogo geopolítico por trás das ações de Brasil e China. Disponível em: <https://www.headline.com.br/desdolarizar-o-mundo-o-jogo-geopolitico-por-tras-das-acoes-de-brasil-e-china-6ddb7bcc>. Acesso em: 24 maio. 2023.

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HAUBERT, M. Lula diz não se preocupar com reação dos EUA após ida à China. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/governo/lula-diz-nao-se-preocupar-com-reacao-dos-eua-apos-ida-a-china/>. Acesso em: 24 maio. 2023.

Lula chega a Xangai, primeira parada da visita à China. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/04/12/lula-chega-a-xangai-primeira-parada-da-visita-a-china.ghtml>. Acesso em: 24 maio. 2023.

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NERY, E. M. PIB dos EUA cresce abaixo das estimativas e indica forte desaceleração na economia norte-americana; veja análises. Disponível em: <https://www.suno.com.br/noticias/pib-estados-unidos-abril-2023-forte-desaceleracao-economia-analise/>. Acesso em: 24 maio. 2023.

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Imagem da capa por: Ricardo Stuckert/ PR. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/02/nacoes-ricas-financiar-paises-tem-florestas-lula-biden


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