A região denominada de Indo-Pacífico corresponde ao espaço geográfico que contempla os dois oceanos, Índico e Pacífico, que vai desde a Índia até o litoral chinês abrangendo o Mar do Sul da China e o entorno da Oceania. Nesta região, que é rica em recursos naturais e marítimos como a pesca, o gás natural e o petróleo, também apresenta grande parte das rotas comerciais marítimas do mundo sendo responsável por 70% do comércio global de bens e serviços, e apresentando mais de 60% dos fluxos de investimento estrangeiro (JARDIM, 2021), elevando ainda mais a importância do território.
Fonte: Importance of India and Indo-Pacific region in 2021.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4usyKU8QalQ
A crescente econômica da China desde 2020, ano da pandemia do Covid-19, alertou os demais países para a possibilidade de uma nova ordem econômica mundial que busca uma nova ordem política, aos passos largos que o comércio chinês vem expandindo-se para o Oriente. Além do avanço comercial, o governo chinês segue alinhando suas políticas com seus interesses econômicos buscando a reivindicação da definição das fronteiras marítimas, da soberania das ilhas em Paracel, Spratly e pelo Baixio Scarborough, e a definição de jurisdição sobre as Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) dos Estados.
Desta forma, a China busca a soberania na região do Indo-Pacífico devido a sua presença territorial nestas águas no passado alegando o seu direito histórico, que baseia-se em ocupações militares em ilhas e em registro de antigos pescadores utilizando a Nine-Dash Line[1], que é a linha demarcatória utilizada pelo governo do país inicialmente para definir seu território marítimo, que ao longo dos anos vem construindo ilhas artificiais que tornaram-se bases aéreas, como meio de ocupar o território reivindicado (BBC, 2021). Portanto, a região apresenta-se como um forte ponto estratégico por fatores em controle de trânsito na área comercial e com a militarização reforçando as forças naval e aérea chinesa possibilitando quase em totalidade sua presença operacional no território.
Fonte: BBC News, Why is the South China Sea contentious?.
Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-asia-pacific-13748349
Como resultado do progressivo desenvolvimento da China, os Estados Unidos (EUA) e as outras potências que encontram-se à frente da atual ordem mundial em prol da manutenção de seus interesses e defesa de sua soberania deram início a tentativas para a contenção deste novo cenário com o protagonismo chinês. Tendo em vista que, "Pequim e Washington têm se movimentado a fim de assegurar vantagem nas disputas pela influência em uma região que tem deslocado para o leste o “motor do crescimento econômico global.” (JARDIM, p.2, 2023), e que seguem na disputa pelo título de maior potência global.
Após a saída dos EUA do Afeganistão, finalizada em 30 de setembro de 2021, fez com que os mesmos perdessem a influência territorial e suas bases militares na região, movendo a busca em fortalecer suas relações com seus aliados na Ásia com a finalidade em manter a potência da regional chinesa longe dos interesses geopolíticos e geoestratégicos de Washington. (TOMÉ, 2021)
O especialista em política externa da Brookings Institution, Ryan Hass, expressou que "America's standing in Asia is a function of its shared interests with its partners in balancing China's rise and in preserving the long peace that has underpinned the region’s rapid development, [...]" (FRANCE 24H, 2021)[2], apontando assim a urgência da manutenção dos interesses norte-americanos e sua presença no território.
Por conseguinte, o governo dos EUA com a presidência de Joe Biden, procurando atuar por meio do "smart power"[3] buscou a aproximação com Estados influentes na região e que não possuíssem alinhamentos com o governo chinês de Xi Jinping, como tentativa de fortalecer e criar acordos militares e econômicos.
Foi então que em 15 de setembro de 2021, foi anunciada uma parceria de segurança trilateral composta por Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, denominada AUKUS, que como significado sua sigla corresponde a um jogo de palavras com as abreviações dos nomes dos países em inglês (AU, UK e US).
O pacto militar que foi negociado em segredo entre as três potências, tem como objetivos a cibersegurança, inteligência artificial, tecnologia quântica além de proporcionar a construção de 8 submarinos de propulsão nuclear para a Austrália previstos para o ano de 2040. O governo australiano estima que o projeto referente ao pacto militar chegará a custar em torno de US$ 40 bilhões nos primeiros 10 anos e terá a criação de 20 mil empregos. (EXAME, 2023)
Fonte: AUKUS: Motivações, significados e controvérsias. Disponível em: https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/5538/3/Janus%202022%201.25%20Luis%20Tomé%20II.pdf
Como justificativa para a realização da parceria, segundo o ex-primeiro-ministro australiano Scott Morrison, seria resultado do aumento significativo dos desafios presentes em relação à segurança na região do Indo-Pacífico, tornando assim necessária a cooperação de defesa e segurança, aumento da capacidade e interoperabilidade entre os três países. Todavia, os países membros apresentam interesses que vão além desta justificativa.
Para a Austrália, a AUKUS apresenta uma escalada confrontacional a China e o alinhamento estratégico com Washington, tendo em vista o afastamento das relações com Pequim, após em 2020 o país ter solicitado a Organização Mundial de Saúde (OMS) uma investigação independente para identificar as origens da pandemia do Covid-19, que levou a sanções econômicas e Morrison receoso com as investidas chinesas
"[…] elevou o orçamento de Defesa para 2.1% do PIB, em 2021 (significando um aumento de 15% comparativamente a 2020) e acelerou o programa de modernização das capacidades navais australianas." (TOMÉ, p. 74, 2021)
Em consequência de sua adesão ao AUKUS, a Austrália acabou desfazendo-se do acordo firmado com a França em 2016, que garantia o desenvolvimento de 12 submarinos franco-australianos de classe Attack movidos a diesel-SSK com o valor equivalente a € 56 bilhões, dando fim a parceria estratégica e estreitando seu relacionamento com o governo francês. (JARDIM, 2021) Entretanto, mesmo sendo uma quantidade menor de submarinos os 8 de propulsão nuclear são
"[...] muito mais avançados tecnologicamente e podem permanecer submersos e “invisíveis” durante bastante mais tempo e percorrer maiores distâncias e mais rapidamente, ainda para mais equipados com mísseis de longo-alcance americanos." (TOMÉ, p.75, 2021)
Já a adesão da parceria militar por parte do Reino Unido, demonstra a readaptação de estratégia em que o Estado passa com a situação pós-Brexit e do posicionamento do governo do ex-primeiro-ministro Boris Johnson em tornar-se o parceiro europeu de maior influência no Indo-Pacífico, com o reforço do alinhamento com o governo norte-americano e ao identificar que são o
" [...] maior aliado e parceiro privilegiado na defesa, inteligência e segurança, aponta a China como competidor estratégico e refere o Indo-Pacífico como crítico para a nossa economia, a nossa segurança e a nossa ambição global de apoiar sociedades abertas." (TOMÉ, p. 74, 2021)
Deste modo, com a AUKUS sendo considerada o maior acordo de segurança entre as três nações envolvidas desde a Segunda Guerra Mundial (BBC, 2021) nota-se que os interesses entre os países apresentam fatores de segurança e defesa, mas há também a presença dos interesses econômicos que principalmente partem de Washington.
Para os EUA, o pacto militar faz parte da estratégia de contenção aos avanços chineses, com a idealização das rotas comerciais do Indo-pacífico como "livre e aberto" e assim dando ênfase nas parcerias firmadas pelo governo norte-americano na crescente bipolaridade competitiva com a China. É possível compreender ainda que há outros três propósitos por parte dos EUA com a AUKUS, sendo estes 1) o contrapeso ao crescente poderio naval da China e à pressão que esta apresenta para alterar o status quo, deixando a mensagem subliminar a Pequim de que a transferência de tecnologia para a Austrália poderá ser replicada para outros Estados da região, 2) favorecer a indústria armamentista americana, e 3) nas palavras do presidente Joe Biden, " [...] ligar de novas formas os aliados e parceiros existentes da América, considerando que não existe divisão regional que separe os interesses dos nossos parceiros do Atlântico e do Pacífico." (TOMÉ, 2021)
Em conjunto a estes aspectos, pode-se analisar que a AUKUS é um dos exemplos que demonstram a centralidade dos interesses chinês à frente das estratégias norte-americanas com a finalidade de contenção dos avanços feitos por parte da potência asiática que manifestou-se após a confirmação do pacto militar. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian, afirmou que "[...] prejudica seriamente a paz e a estabilidade regionais e intensifica a corrida armamentista"[4] (tradução nossa, BBC, 2021) e a embaixada chinesa em Washington acusa os países envolvidos de uma "[...] mentalidade da Guerra Fria e preconceito ideológico." [5] (tradução nossa, BBC, 2021).
Como retórica, em 16 de setembro de 2021, a China formalizou a sua candidatura ao Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership[6] (CPTPP), um dos maiores pactos comerciais existentes na zona do oceano Pacífico tendo como membros 11 países entre eles Japão, México, Canadá, Austrália, Chile e Peru.
A China também encontra-se no Regional Comprehensive Economic Partnership[7] (RCEP), que é o tratado de livre-comércio que contém os dez Estados da Associação de Nações do Sudeste Asiático e outros cinco parceiros, como Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul. Nota-se que nenhum dos acordos econômicos possuem os EUA como membro o que reforça que a proposta chinesa seria de cooperação econômica regional, diferenciando-se das propostas de Washington, que detém como preocupação prioritária a manutenção da hegemonia militar no território. (SÓCRATES, 2021)
Contudo, uma série de eventos ocorridos no início de fevereiro de 2023 com a queda de um balão de espionagem chinês em território americano em conjunto à revelação de que Pequim considera armar a Rússia, proporcionou avanços a AUKUS. Identificando a crescente nas tensões com a China, a Austrália receberá o primeiro de pelo menos três dos submarinos de propulsão nuclear até o início da próxima década, e os submarinos norte-americanos terão o porto australiano como parte de sua rota. (DIAMOND, LIPTAK, 2023)
Com previsão para 2032, os três submarinos de classe Virginia que são projetados para conter diversas armas diferentes, como mísseis de cruzeiro e torpedos, também transportará forças de operações especiais e realizará missões de reconhecimento e inteligência. Posteriormente, na década de 2040 os demais submarinos serão projetados pelo Reino Unido, contendo a tecnologia dos EUA, colaborando para o desenvolvimento da capacidade militar australiana. (DIAMOND, LIPTAK, 2023)
Nessa perspectiva, devido aos precedentes históricos e os atuais eventos que competem os Estados membros da AUKUS e a potência regional asiática, entende-se que o tabuleiro geopolítico e geoestratégico do cinturão do Indo-Pacífico apresenta a tendência de movimentar-se com recursos militares e financeiros como tentativa aos avanços chineses. À vista disto, é possível analisar que o acordo militar ressalta a abordagem geopolítica na região marítima do Indo-Pacífico pelos esforços estratégicos dos EUA em manter a sua presença, ampliando a possibilidade de um reequilíbrio de poder entre Pequim e Washington.
REFERÊNCIAS:
AUKUS: o que é o pacto militar anunciado por EUA, Reino Unido e Austrália. BCC News Brasil, 16 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58582195 Acesso em: 12 de abril de 2023.
AUKUS: UK, US and Australia launch pact to counter China. BCC News, 16 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-58564837 Acesso em: 23 de abril de 2023.
China e Rússia criticam pacto militar entre EUA, Reino Unido e Austrália. Exame, 14 de março de 2023. Disponível em: https://exame.com/mundo/china-e-russia-criticam-pacto-militar-entre-eua-australia-e-reino-unido/amp/ Acesso em: 23 de abril de 2023.
China officially applies to join the Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership (CPTPP). MINISTRY OF COMMERCE PEOPLE'S REPUBLIC OF CHINA, 18 de setembro de 2021. Disponível em: http://english.mofcom.gov.cn/article/newsrelease/significantnews/202109/20210903201113.shtml Acesso em: 12 de abril de 2023.
DIAMOND, Jeremy, LIPTAK, Kevin. EUA, Reino Unido e Austrália fecham acordo sobre submarinos para conter China; Pequim condena. CNN News Brasil, 14 de março de 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eua-reino-unido-e-australia-fecham-acordo-sobre-submarinos-para-conter-china-pequim-condena/ Acesso em: 23 de abril de 2023.
FRANCE 24H. Turning from Afghanistan, the US sets focus on China. 2021. Disponível em: https://www.france24.com/en/live-news/20210901-turning-from-afghanistan-the-us-sets-focus-on-china Acesso em: 12 de abril de 2023.
JARDIM, Barbara de Figueiredo Lima, JARDIM, Jonathas da Costa. O arranjo geopolítico do cinturão do Indo Pacífico: QAD e AUKUS. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021. Disponível em: http://ompv.eceme.eb.mil.br/images/geop/geocapac/arr.pdf Acesso em: 12 de abril de 2023.
KURZ, Ester G. O Mar do Sul da China: Reivindicações de soberania e o interesse chinês. Pelotas MUN, 4 de setembro de 2021. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/pelotasmun/2021/09/04/o-mar-do-sul-da-china-reinvindicacoes-de-soberania-e-o-interesse-chines/ Acesso em: 23 de abril de 2023.
MARTINS, Andreia. EUA, Reino Unido e Austrália anunciam novo pacto para conter a China. Agência Brasil, 16 de setembro de 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-09/eua-reino-unido-e-australia-anunciam-novo-pacto-para-conter-china?amp Acesso em: 12 de abril de 2023.
PADINGER, Germán. Entenda o que é AUKUS, pacto de segurança entre Austrália, Reino Unido e EUA. CNN Brasil, 15 de março de 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-o-aukus-pacto-de-seguranca-entre-a-australia-reino-unido-e-eua/amp/ Acesso em: 23 de abril de 2023.
PROENÇA, Adilson S. Geopolítica do Mar da China Meridional. Medium, 25 de dezembro de 2019. Disponível em: https://adilsonsantosproena.medium.com/geopol%C3%ADtica-do-mar-da-china-meridional-1399244d9070 Acesso em: 12 de abril de 2023.
RAJAGOPALAN, Rajeswari Pillai. O que é AUKUS, bloco que reúne Austrália, Reino Unido e EUA. Diplomacia Business, 27 de setembro de 2021. Disponível em:
SÓCRATES, José. Indo-Pacífico, o novo palco da Guerra Fria. Carta Capital, 25 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/indo-pacifico-o-novo-palco-da-guerra-fria/ Acesso em: 12 de abril de 2023.
SUNDARARAMAN, Shankari. Corredor econômico Indo-Pacífico: uma visão em andamento: discurso do Ministro das Relações Exteriores Marty Natalegawa ,Uma Perspectiva Indonesia do Indo-Pacífico. CSIS Washington DC, maio de 2013. Disponível em: http://csis.org/files/attachments/130516_MartyNataleg awa_Speech.pdf Acesso em: 12 de abril de 2023.
TOMÉ, Luis. AUKUS: Motivações, significados e controvérsias. Janus, 2022. Disponível em: https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/5538/3/Janus%202022%201.25%20Luis%20Tomé%20II.pdf Acesso em: 23 de abril de 2023.
Why is the South China Sea contentious?. BBC News, 12 de julho de 2016. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-asia-pacific-13748349 Acesso em: 12 de abril de 2023.
[1] Linha das nove raias (tradução nossa).
[2] "A posição da América na Ásia é uma função de seus interesses compartilhados com seus parceiros em equilibrar a ascensão da China e em preservar a longa paz que sustentou o rápido desenvolvimento da região [...]". (FRANCE 24H, 2021,tradução nossa)
[3] Segundo Joseph Nye, Smart Power é a combinação entre Hard e Soft Power, em essencial envolvendo força militar e os meios diplomáticos, exercendo a influência, projeção de poder e persuasão.
[4] "[...] seriously undermines regional peace and stability and intensifies the arms race." (BBC, 2021)
[5] "[...] Cold War mentality and ideological prejudice." (BBC, 2021)
[6] Acordo Abrangente e Progressivo para Parceria Transpacífica. (tradução nossa)
[7] Parceria Econômica Regional Abrangente. (tradução nossa)
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