Juliana Cidreira
A violência sexual foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2002 como “todo ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou insinuações sexuais indesejadas” e com isso, pode-se analisar esse tipo de violência dentro do esporte, especificamente dentro do esporte feminino brasileiro. Algumas pesquisas mostram esse tipo de violência no Brasil, como a realizada pela ONU Mulheres em 2021, que apresenta inclusive que na maioria dos casos, o abuso acontece por parte de pessoas próximas. Um das maiores comprovações é o caso da ex-nadadora Joanna Maranhão, que revela o abuso sexual sofrido por parte do seu treinador de natação quando ela tinha 9 anos. A ex-atleta afirma que dentro do esporte experimentou “as melhores e as piores experiências” da vida e por isso tornou-se uma voz ativa nos debates sobre essa violência no esporte feminino.
Além da própria experiência, Joanna utiliza estudos sobre a maneira como as atletas sofrem nas relações interpessoais e que no Brasil a problemática é um pouco mais complexa de ser resolvida, já que o país dispõe de uma extensa dimensão. Ela afirma ainda, que o Estado não está isento de resolver essas problemáticas. O país, portanto, deveria estar auxiliando e fazendo a manutenção de casos desses abusos no território brasileiro, porém, muitas vezes os casos só ganham grandes proporções após gerar impactos na mídia e surgir a pressão de partes da população. Ou seja, à medida que notícias frequentes são produzidas denunciando escândalos sexuais no ramo do esporte feminino, abrindo espaço para a citação de chantagens, difamações, desvalidação da sexualidade das jogadoras, práticas homofóbicas e racistas, salários desiguais e principalmente a violência sexual, entende-se a necessidade de analisar e debater sobre os diversos casos denunciados pela mídia no Brasil. Considerando a existência de casos não denunciados, e entendendo a justiça brasileira como responsável por averiguar e julgar os casos de violência no país, convém argumentar quais seriam possíveis justificativas para esses comportamentos misóginos?
Entende-se que essa repulsão quanto às mulheres no esporte parte da desigualdade de gênero, uma desigualdade que é gerada pelo pensamento machista e pela negligência na punição dos agressores, acarretando o comportamento hostil dentro do mundo dos esportes, fazendo com que as mulheres se sintam inseguras ou desrespeitadas, além de criar a necessidade de uma extensa luta por igualdade em suas modalidades. Ademais, como citado, diversos casos não são divulgados, esse fenômeno ocorre uma vez que as mulheres se sentem coagidas, por medo de uma ação devastadora do agressor, além do medo de perderem credibilidade em suas modalidades. Pode-se citar também como um aspecto dessa falta de denúncia o fato de muitos casos não serem devidamente solucionados, assim como a desconfiança de outras partes da população quanto ao abuso sofrido, sendo o apoio da população um tópico de extrema importância para a sociedade de forma a aumentar os índices de punições e a garantir a segurança dentro do esporte.
Desse modo, muito dessa descrença parte da estrutura social que impacta diretamente no pensamento equivocado da população, gerando então uma organização excludente e que invalida o esporte feminino em vista dessa desigualdade de gênero. Essa invalidação gera abusos, sendo-os sexuais ou não, e está presente em distintas modalidades desportivas. A antropóloga Debora Diniz e a advogada Sinara Gumieri trazem em um debate sobre a violência contra as mulheres, que a medida que as pessoas mais vulneráveis vão ganhando os seus direitos, mais a sociedade vai se tornando igualitária. Consequentemente, com a construção de um corpo social sem os ideais machistas e sem a cultura da violência, a sociedade passa a ser menos desigual e enfraquece esse pensamento machista de um modo geral.
Quanto mais pessoas vulneráveis à violência forem reconhecidas em seus direitos violados, mais justa será nossa sociedade. A violência é sempre uma forma de opressão aos corpos.
Portanto, partes da sociedade brasileira com o auxílio de ativistas como Joanna Maranhão e o apoio de organizações como a ONU Mulheres, tentam reverter essa situação de violência dentro dos esportes através de pesquisas, apoios às vítimas e atividades que promovem a construção de uma sociedade mais igualitária e menos misógina para possibilitar um desenvolvimento esportivo seguro. Além disso, ao combater as desigualdades, essa coletividade tenta assegurar um dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), o ODS 5.2, que representa a igualdade de gênero. Sendo assim, ao falar de violência nos esportes na perspectiva do Brasil, entende-se a violência sexual de uma forma generalizada, não apenas em modalidades específicas como o futebol e a natação. Pensando nisso, essa cultura da violência só será modificada com uma eficiente mudança na estrutura social com o evidente suporte da população através de apoio às vítimas, fiscalização e julgamento eficiente. Cabe à justiça brasileira apresentar uma regulamentação mais rígida de maneira a garantir o amparo às jogadoras, com o auxílio de políticas públicas para assegurar a igualdade de gênero.
Dessa forma, de modo que erroneamente os homens e as mulheres ainda ocupam lugares distintos dentro da sociedade, no meio do esporte não poderia ser diferente. Portanto, enquanto o fato social da diferença de gênero existir, continuará havendo uma invalidação da capacidade feminina e os casos de violências sexuais continuarão acontecendo. Porém, com as atuais repercussões, interpreta-se que aos poucos a luta contra a violência de gênero vem crescendo, formando então uma sociedade mais igualitária. Dessa maneira, é de extrema importância continuar trabalhando para dar uma nova perspectiva para essa mudança social que é estritamente necessária para garantir direitos e minimizar problemas atuais de violência sexual dentro dos esportes, sendo-os nacionais ou internacionais.
Referências:
BLOWER, Ana Paula. Assédio nos esportes: falta de dados e cultura machista escondem agressões sofridas por atletas. Dez. 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/celina/assedio/assedio-nos-esportes-falta-de-dados-cultura-machista-escondem-agressoes-sofridas-por-atletas-25302536. Acesso em: 30 outubro de 2023.
OPAS. Neste Dia Laranja, OPAS/OMS aborda violência sexual e suas consequências para as vítimas. JUL. 2018. Disponível em: <https://www.paho.org/pt/noticias/25-7-2018-neste-dia-laranja-opasoms-aborda-violencia-sexual-e-suas-consequencias-para#:~:text=A%20viol%C3%AAncia%20sexual%20%C3%A9%20definida,com%20a%20v%C3%ADtima%2C%20em%20qualquer>. Acesso em: 7 de novembro 2023.
DINIZ, GUMIERI. Violência contra as mulheres – um comentário, por Debora Diniz e Sinara Gumieri. JUL. 2013. Disponível em: <https://www.compromissoeatitude.org.br/violencia-contra-as-mulheres-um-comentario-por-debora-diniz-e-sinara-gumieri/>. Acesso em: 21 de novembro de 2023
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