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OBSERVATÓRIO

Ascensão e desafios da Nigéria: Uma análise histórica e contemporânea

Lucas Bastos Pinheiro de Souza


O lema nigeriano “paz e unidade” traz em sua identidade uma característica marcante nas negociações nigerianas: a diplomacia. Na África, o país tem uma longa história de liderança no continente, que a princípio, deu-se  logo após sua independência em 1960, na participação do movimento dos não-alinhados. Este movimento que para a Nigéria, ditaria sua tradição e postura diplomática na África. Entretanto, o país africano sempre lidou com obstáculos consideráveis em sua política externa, como sanções internacionais que o afetariam negativamente, a exemplo das sanções ao Níger aplicadas pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), – sendo este que será mais desenvolvido pelo presente texto mais à frente – ou o trabalho contínuo contra ações terroristas, como o sequestro de meninas cristãs pelo grupo terrorista Boko Haram. Contudo, esses não são o único sinal de dificuldades. No começo deste ano, foi divulgado que a nação africana caiu uma posição no ranking dos países com maior influência diplomática, estabelecendo-se, até o momento, em 4° lugar entre os países africanos, abaixo da África do Sul, como disponibiliza o Índice de Diplomacia Global disponibilizado pelo think-tank Instituto Lowy.

Dessa forma, para entender a Nigéria atual, é necessário um vislumbre em seu contexto histórico. O país havia se deteriorado após o término da Guerra Civil Nigeriana (1967-1970). Segundo o escritor, crítico literário e pai da literatura nigeriana Achebe (1983), “a utilização da poupança acumulada durante a guerra, o crescimento populacional devido ao retorno de civis e militares dos territórios ocupados e a emissão massiva de moeda causaram o excesso generalizado da demanda em relação à oferta”, fatores que contribuíram para um processo inflacionário constante. Além disso, por estar na posição derrotada, a antiga República do Biafra, que foi destruída pelas forças nigerianas, se viu obrigada a aceitar as imposições dos aliados como forma de punição. Entre elas estava a ocupação britânica no território que visava, sob a ótica dos britânicos, a desmilitarização e democratização do país africano. 

 

Ademais, a pujança diplomática e econômica da balança nigeriana nas décadas seguintes foi sucedida pelos investimentos robustos em educação, uma estratégia de diplomacia vigorosa e políticas externas orientadas pelo Estado. Em dezembro de 1970, as autoridades britânicas sugeriram uma diretriz para que a Nigéria adotasse uma política externa específica. No mês seguinte, em fevereiro, designaram um consultor especial para supervisionar e implementar um plano diplomático no país manifestado através do Plano Gowon (referência ao então chefe de estado Yakubu Gowon). O plano consistia na assistência financeira e técnica ao país devastado pela guerra, implementando o capital estrangeiro na nação. Dessa forma, este apoio foi crucial para reconstruir a infraestrutura e as indústrias nigerianas abaladas pela guerra civil. Simultaneamente, o governo nigeriano intensificou sua intervenção estatal através de políticas externas com o fim de direcionar o crescimento diplomático em caso de “falha de mercado". Neste sentido, pode ser usado como exemplo a relação Brasil x Nigéria, quando na época da ditadura militar a agenda internacional brasileira adotou o discurso anticolonial e logo ocorreu a inclusão da embaixada Nigeriana.  

Destarte, na segunda metade da década de 1990, a Nigéria destacou-se entre os países africanos por registrar uma das maiores taxas de crescimento populacional e econômico, juntamente com o Egito. Abaixo, pode ser visto, respectivamente, os gráficos do crescimento econômico e populacional do país nigeriano.



Dessa forma, o país da paz e unidade dividia o pódio das economias no continente africano, baseada no setor primário, pela produção de petróleo, o que aumentou seu nível de influência. Isso contrastava com as condições de vinte anos atrás, quando o país enfrentou uma “devastação econômica e uma aceleração inflacionária, atingindo taxas anuais de até três dígitos’’ (ACHEBE, 1983).

Por conseguinte, visando um suporte estatal para a política externa nigeriana, o governo implementou reformas que redistribuíam o poder entre as regiões, aumentando a produtividade no setor diplomático. Seus investimentos maciços em educação também desempenharam um papel fundamental, ajudando a modernizar a diplomacia nigeriana e capacitar uma força de trabalho altamente qualificada. O foco na diplomacia e na produção de acordos de alta qualidade contribuiu para o rápido crescimento das relações exteriores da Nigéria e o aumento da influência estrangeira. Durante as décadas de 1980 a 2010, a Nigéria experimentou taxas de crescimento do PIB significativas: 4,2% em 1980, 11,78% em 1990, 5% em 2000 e 8,01% em 2010, superando muitas das diplomacias ocidentais e se tornando a segunda maior influência da África.


Os impactos macroeconômicos da “Doença Holandesa” e a experiência da Nigéria no início do século XXI ilustram as complexidades associadas à dependência de recursos naturais. A “Doença Holandesa”, um fenômeno macroeconômico, ocorre quando a entrada de capital estrangeiro, como resultado da exportação de recursos naturais, leva à apreciação cambial e ao declínio dos setores manufatureiro e agrícola. Isso acontece porque o aumento da riqueza nacional e o poder de compra elevam a demanda por bens de consumo e serviços, tornando as importações mais atraentes e minando a competitividade internacional dos produtos domésticos.

Na Nigéria, o crescimento econômico foi impulsionado pelo setor de petróleo e gás, mas também houve um aumento significativo no setor de serviços. Apesar de o petróleo e o gás representarem apenas 11% do PIB, a economia permaneceu vulnerável às constantes mudanças dos preços do petróleo. A agricultura, contribuindo com cerca de 23% do PIB, destacou a necessidade de diversificação econômica para evitar os riscos associados à “Doença Holandesa”.

A experiência nigeriana reflete os desafios de traduzir a riqueza gerada pelo petróleo em desenvolvimento humano sustentável. Durante esse período, o governo implementou várias políticas econômicas para enfrentar os desafios estruturais,  como as reformas bancárias e o National Economic Empowerment and Development Strategy (NEEDS), que visavam estabilizar o setor financeiro, promover o crescimento econômico, combater a corrupção e a melhora na infraestrutura de serviços. No entanto, a má administração dos recursos do petróleo, a desigualdade social, normas e preconceitos de gênero que dificultavam mulheres em cargos de alto escalão e a corrupção sistêmica, etc, dificultaram esse processo. 

Em resumo, a ‘Doença Holandesa’ e a experiência da Nigéria destacam a importância de uma gestão econômica prudente e da diversificação econômica para mitigar os impactos negativos da dependência de recursos naturais e garantir um desenvolvimento humano mais equitativo.

Em contrapartida, trazendo uma temporalidade atual, as perspectivas sobre o crescimento promissor da Nigéria durante o último ano, o documentário da BBC News Brasil “A influência e os desafios da Nigéria, que ganha cada vez mais protagonismo” baseia uma das grandes forças do país africano atualmente sendo o crescimento de sua população. Também, o povo nigeriano é majoritariamente jovem. Personalidades nacionais como Chimamanda Ngozi Adichie – escritora, palestrante do TedX é uma das principais influenciadoras da literatura africana, nos dá um exemplo de como a população de uma nação pode ser a extensão da política externa de um país. Como produção cultural, produtora de mais de 2500 filmes por ano de acordo com o documentário da BBC News Brasil, a indústria cinematográfica nigeriana, mais conhecida como Nollywood, vem bastante forte e está apenas atrás das indústrias audiovisuais indianas na quantidade em produção de filmes.

Além disso, o país também enfrentou desafios em sua política externa. As sanções internacionais impostas ao Níger pela CEDEAO após o golpe de Estado ocorrido em julho de 2023 afetaram negativamente a economia nigeriana e limitaram sua capacidade de negociar acordos comerciais favoráveis com outros países. Dessa forma, a Nigéria suspendeu transações comerciais e congelou as transações de serviços, destacando-se o setor de energia, o qual 70% da energia elétrica consumida no território nigerino era provida da Nigéria. Continuamente, resultou-se em uma diminuição da influência diplomática da Nigéria no cenário internacional. No entanto, apesar desses desafios, o país tem buscado diversificar sua economia, investindo em setores como tecnologia e manufatura, para reduzir sua dependência do petróleo. Também, a Nigéria tem buscado fortalecer suas relações diplomáticas com outros países africanos e com a comunidade internacional em geral. A exemplo, durante uma visita à Rússia, o ministro das Relações Exteriores da Nigéria referiu que o país tenciona seguir uma política independente e que deseja vir a integrar o BRICS.

Em conclusão, a política externa da Nigéria tem enfrentado desafios significativos nos últimos anos. No entanto, o país tem mostrado resiliência e determinação para superar esses obstáculos. Com investimentos contínuos em educação, tecnologia e infraestrutura, juntamente com uma política externa estratégica, a Nigéria tem o potencial de superar esses desafios e emergir como uma potência econômica no cenário internacional. Ainda assim, é necessário um esforço contínuo, focado e democrático para garantir que a Nigéria possa alcançar seu pleno potencial.

 

Referências:

 

1.     Youtube. A influência e os desafios da Nigéria, que ganha cada vez mais protagonismo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=D-NsYIv-V0c>. Acesso em: 08 mai. 2024.

2.  Soares, J. (2023). A política externa nigeriana no século XXI. Lagos: University of Lagos Press.

3.  Nigéria: A Nação Mais Populosa Da África. BBC News Brasil, 2 Mar. 2023. Disponível em: <www.bbc.com/portuguese/internacional-56583609>. Acesso em: 10 mai. 2024.

4.  Achebe, C. (1983) The Trouble with Nigeria. Fourth Dimension Publishers, Enugu.

5.  Lowy institute Global Diplomacy Index 2024. Disponível em: <https://globaldiplomacyindex.lowyinstitute.org>. Acesso em: 15 mai. 2024.

6.  Nigeria Economic Growth 1960-2024. Disponível em: <https://www.macrotrends.net/global-metrics/countries/NGA/nigeria/economic-growth-rate>. Acesso em: 15 mai. 2024.

7.  COSTA, I. A. D. C. DA. A vulnerabilidade da economia da Nigéria : petróleo, crescimento econômico e subdesenvolvimento humano. Disponível em: <https://bdm.unb.br/handle/10483/6786>. Acesso em: 12 jun. 2024.

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