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Cecília Diniz | Observatório Político Internacional

A preocupante união entre o extremismo de direita entre jovens e os atentados às escolas no Brasil.

No dia 25 de novembro, uma sexta-feira comum, o Brasil deparou-se com a notícia de um ataque escolar em Aracruz (ES), que culminou na morte de quatro pessoas e deixou mais de 10 feridos. O atirador entrou ostentando uma suástica - símbolo do nazismo - no braço. O motivo do acontecido foi inconclusivo, mas o que se pode dizer com precisão é que os acometimentos se mostram cada vez mais regulares, algo que não era comum ao país. Segundo levantamento realizado pelo Poder360, ao todo, 39 pessoas foram assassinadas em atentados em instituições de ensino brasileiras desde 2011, sendo 16 somente nos últimos três anos. Na maioria dos casos, os assassinos tinham alguma ligação com grupos de extrema direita.

Em concordância com Alberto Pfeifer Filho, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, e Talita de Carvalho, jornalista da Politize!, o extremismo de direita é um conjunto de ideologias políticas que geralmente inclui a defesa de valores conservadores e ultranacionalistas. Os extremistas frequentemente advogam por políticas que favorecem “a segurança e a ordem”, como o fortalecimento das fronteiras nacionais, a oposição ao multiculturalismo e à imigração em massa, e a defesa da dominação cultural de grupos étnicos ou religiosos específicos (etnocentrismo e racismo). Muitas vezes, utilizando da violência para alcançar seus objetivos, incluindo ataques a minorias étnicas, religiosas e outras populações marginalizadas. É importante destacar que o extremismo de direita não deve ser confundido com as visões políticas conservadoras mais moderadas, que geralmente não incluem a violência ou a discriminação contra grupos específicos de pessoas.

Um ponto fundamental para compreender o extremismo de direita é que a ideia de supremacia branca e masculina é um elemento constitutivo desses grupos, movimentos e regimes. O movimento contemporâneo se pauta pelos exemplos de extremismo existentes durante o século XX, como o nazismo e o fascismo italiano, sendo denominados neonazismo ou neofascismo. Consoante o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”:


A ideia de supremacia é constitutiva dessas diferentes expressões do fascismo, tanto no nazismo, quanto no integralismo no Brasil e de outros movimentos que agregam cunhos separatistas - como por exemplo “O Sul é meu País” -, bem como em todos os movimentos que neles se inspiram ou que reivindicam seu legado. No contexto brasileiro também é importante apontar a existência de grupos neointegralistas como a Frente Integralista Brasileira (FIB), Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrela (ACCALE), e Nova Resistência; movimentos separatistas como "O Sul é o meu país" e análogos, destacando a atuação desses grupos no ecossistema virtual da extrema-direita brasileira. (PELLANDA, 2022, p. 3).

Para o Correio Braziliense, há um “rito de crime”, observado nos atentados e, apesar de apresentarem diferentes contextos, uma característica se mostrava coletiva: o extremismo. Em comum, foram identificados fatores como a glorificação dos atacantes, os discursos de ódio, fanatismo e alienação. De acordo com Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo (USP) e co-escritor do relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, “A radiografia desses grupos é masculinista, de ódio às mulheres, ódio às pessoas negras e LGBTQIA+. De forma complementar temos um fato que é a glorificação dos atacantes”. A misoginia demonstrada por esses grupos é congruente aos ditos “incels”, celibatários involuntários que odeiam mulheres. Esses indivíduos que costumam se reunir em comunidades online, demonstram características mais extremas do que apenas xingar mulheres. Segundo Jonathan Griffin, jornalista da BBC, ao menos cinco autores de assassinatos em massa (dois nos Estados Unidos, dois no Reino Unido e um no Canadá), tinham ligação com os “incels” e seus foruns. “Vi em uma conversa em um fórum alguém dizer que queria tirar a própria vida e vários comentários o incitaram a cometer atos bem mais extremos. Alguém disse: "NÃO seja egoísta. Vá a uma escola primária e mate algumas crianças antes de cometer suicídio. Por favor!?!". Especialistas ainda citam que os jovens que acabam sofrendo algum tipo de violência nas escolas se mostram mais vulneráveis e suscetíveis a serem conscritos e inseridos nesses grupos coordenados por adultos. O recrutamento apesar de poder acontecer diretamente no ambiente escolar, está normalmente atrelado a comunidades online em redes sociais comuns, como Twitter e Reddit.

A alienação que se mostra efetiva nesses grupos é um tema recorrente em inúmeros debates e obras cinematográficas, inclusive no filme "A Onda", dirigido por Dennis Gansel. A história apresenta um professor que, ao tentar ensinar aos seus alunos sobre autocracia, acaba criando um movimento autoritário em sua sala de aula. A partir daí, os estudantes começam a se sentir parte de algo maior, perdendo gradativamente a noção de suas individualidades e se apartando em relação ao mundo exterior. Através do comportamento dos alunos, é possível perceber como a alienação pode ser uma consequência da adoção de ideologias extremistas, que limitam a capacidade crítica e reflexiva das pessoas.

Harmonizando com a onda conservadora que voltou a ascender após alguns anos, o governo de direita do ex-presidente Jair Bolsonaro foi instaurado de 2019 à 2022, coincidentemente, esse período mostrou um significativo aumento dos ataques. A escalada do ultraconservadorismo/extremismo de direita no país e a falta de controle e/ou criminalização desses discursos e práticas, bem como de sua difusão através de meios digitais se mostrou cada vez maior. Apesar de não se dizer abertamente nazista, Bolsonaro flertou com a ideologia em diversas ocasiões, com direito a uma carta com teor neonazista em um site quando ainda era deputado, em 2004. A carta foi encontrada pela “caçadora de nazistas” e uma das maiores pesquisadoras sobre os movimentos supremacistas brasileiros e ativista pelos direitos humanos, a falecida antropóloga Adriana Dias. Além disso, o ex-presidente apresenta uma óbvia aversão a muitas minorias, como os indígenas e as mulheres. Ademais, o acesso à armas de fogo no ex-governo se mostrou mais simples. Conforme anunciado no Jornal Nacional, no dia 13/04/2021, quatro - em 17 decretos - de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas de fogo entram em vigor. De acordo com Jefferson Barbosa, cientista social e professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, “O extremismo político é a degeneração das instituições democráticas”. Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, analisa: "Se a gente pensar que o Bolsonaro é um ‘Trump dos Trópicos’, a gente não está pensando nas consequências, no Brasil, onde a democracia é muito mais frágil. As consequências de uma extrema-direita aqui são muito mais violentas. O que acontece no Brasil em termos de gênero, perseguição de professores, o que está acontecendo na Amazônia, é incomparável. Talvez o Brasil seja o caso mais radical hoje da extrema-direita no mundo”.

Em conclusão, é importante salientar e escancarar o elo que há entre ataques em escolas e instituições de ensino nos últimos anos e a crescente onda do extremismo de extrema direita no Brasil e no mundo, já que se mostra ineficaz um estudo ou solução que separe as duas pautas. Como escrito pelos teóricos responsáveis pelo relatório e por Catarina de Almeida, integrante da Rede da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação, para que o devido combate aconteça, é preciso uma abordagem multidisciplinar, que inclua a educação sobre a importância do respeito à diversidade e o combate à disseminação de discursos de ódio, além de uma maior sapiência nos eventos históricos e sociológicos que buscam elucidar a raiz do problema, o que a redução da grade curricular de disciplinas de ciências humanas, que fomentam o debate de temas voltados ao desenvolvimento humano, é preocupante. Além disso, é importante que o governo e a sociedade civil trabalhem juntos para identificar e desmantelar grupos extremistas antes que eles possam causar mais danos à sociedade, incluindo os de cunho separatistas como “O Sul é o meu País”, o que se mostra ímprobo frente a políticos com discursos que alastram e impelem esse tipo de conduta.



 


REFERÊNCIAS


PELLANDA, Andressa; SANTOS, C. A.; DADICO, C. M.; CARA, Daniel; MADI, F. R.; ORSATI, F. T.; MEATO, Juliana; OLIVEIRA, Letícia; ARONOVICH, Lola; FRANCA, Luka; FROSSARD, Marcele; SILVEIRA, P. C. O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental, p. 1-51, 11 dez. 2022. Disponível em: https://nucleo.jor.br/content/files/2022/12/gt_extremismo_escolas.pdf. Acesso em: 8 abr. 2023.


ANDRADE, Tainá. Extremismo de direita é fator de atração para atentados em escolas, apontam estudiosos. Correio Braziliense, 7 abr. 2023. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/04/amp/5085678-extremismo-de-direita-e-fator-de-atracao-para-atentados-em-escolas-apontam-estudiosos.html. Acesso em: 9 abr. 2023.


VELOSO, Natália; PIMENTEL, Juliana. Brasil teve 5 ataques com mortes em escolas em 2022 e 2023. Poder360, 5 abr. 2023. Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/brasil-teve-5-ataques-com-mortes-em-escolas-em-2022-e-2023/. Acesso em: 10 abr. 2023.


ALCÂNTARA, Thalys. Como no ES, filho de PM ligado a nazismo já atacou escola em Goiânia. Metrópoles, 28 nov. 2022. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/antes-de-aracruz-filho-de-pm-ligado-a-nazismo-atacou-escola-em-goias. Acesso em: 10 abr. 2023.


QUATRO decretos de Bolsonaro que facilitam acesso a armas de fogo entram em vigor. Jornal Nacional, 13 abr. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/04/13/quatro-decretos-de-bolsonaro-que-facilitam-acesso-a-armas-de-fogo-entram-em-vigor.ghtml. Acesso em: 10 abr. 2023.


DE CARVALHO, Talita. O que é extrema direita?. Politize!, 1 out. 2018. Disponível em: https://www.politize.com.br/extrema-direita-o-que-e/. Acesso em: 17 abr. 2023.


VESSONI, Aline. “Os grupos de extrema direita estão perdendo o pudor de usarem a violência”. Jornal da Unesp, 12 jan. 2023. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/01/11/os-grupos-de-extrema-direita-estao-perdendo-o-pudor-de-usarem-a-violencia/. Acesso em: 17 abr. 2023.


GRIFFIN, Jonathan. O mundo sombrio dos ‘incels‘, celibatários involuntários que odeiam mulheres. BBC, 22 ago. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-58300599. Acesso em: 19 abr. 2023.


VELLEDA, Luciano. ‘Talvez o Brasil seja hoje o caso mais radical da extrema-direita no mundo’. Entrevista com Rosana Pinheiro-Machado. Instituto Humanitas Unisinos, 28 out. 2022. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/623417-talvez-o-brasil-seja-hoje-o-caso-mais-radical-da-extrema-direita-no-mundo-entrevista-com-rosana-pinheiro-machado. Acesso em: 19 abr. 2023.


BECHARA, Victoria. Com extrema direita em alta, Brasil perde sua maior ‘caçadora de nazistas’. Veja abril, 30 jan. 2023. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/com-extrema-direita-em-alta-brasil-perde-sua-maior-cacadora-de-nazistas/. Acesso em: 19 abr. 2023.


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1 Comment


Demetrio Sa Teles Araujo
Demetrio Sa Teles Araujo
Apr 20, 2023

É complexo, necessário a discussão a respeito desses atentados, parabéns pelo texto!

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