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Ester de Aguiar - OBSERVATÓRIO

Ações da Comunidade Internacional pelo Desarmamento Infantil



Os impactos que conflitos armados podem gerar nas sociedades os quais se estabelecem estão entre instabilidade política, econômica e social, que repercutem de maneira invasiva no Estado e população. Em âmbito social, há os crimes executados contra menores de 18 anos, que tornam-se alvo em ambientes de guerra, como por exemplo, o armamento infantil que leva a criação de milhares de crianças-soldado. A globalização, responsável pelo aumento de desigualdades sociais, contribui para o incentivo no recrutamento de crianças e adolescentes, por organizações criminosas, forças ou grupos armados, sendo utilizadas como combustível descartável em tais conflitos.

Para Milton Santos, os elementos que repercutem estas disparidades sociais são derivados da "[...] perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas." (SANTOS, 2012, p.10). A globalização perversa atrelada a pobreza, fome e poucas oportunidades levam ao envolvimento de crianças nos embates bélicos e como resultado, a luta pelo desarmamento infantil.

O histórico de crianças envolvidas em ambientes de guerra mostram que estas sofrem com inúmeros impactos que não permitem assegurar as necessidades e o desenvolvimento de suas vidas. Foi o que levou ao britânico Eglantyne Jebb constatar que, dentre as faixas etárias, as crianças seriam as que mais sofrem consequências nestes períodos. Com ajuda dos inúmeros textos escritos por Jebb, a Sociedade das Nações reuniu as declarações e deu origem em 1924, à Declaração de Genebra sobre os Direitos das Crianças, onde garantia que

"[...] todas as pessoas devem às crianças: meios para seu desenvolvimento; ajuda especial em momentos de necessidade; prioridade no socorro e assistência; liberdade econômica e proteção contra exploração; e uma educação que instile consciência e dever social." (UNICEF)

Nascia assim a luta pelos direitos das crianças e adolescentes, com indispensabilidade de que estes fossem assegurados por todas as nações. Em 1946, a Assembleia das Nações Unidas criou o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), para as necessidades emergenciais das crianças nos territórios da Europa e China. Após alguns anos de atuação o UNICEF torna-se parte permanente da Organização das Nações Unidas (ONU), exercendo projetos voltados para crianças e adolescentes a nível global.

Desta forma a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1989, é uma conquista dos Direitos Humanos ao trazer a garantia e estabelecer os padrões para proteção dos direitos das crianças, as reconhecendo como atores civis, culturais, econômicos, políticos e sociais. Portanto, a Convenção tem fundamentação em quatro princípios: 1) Não discriminação, 2) a prioridade para o melhor interesse da criança, 3) o direito à vida, à sobrevivencia e ao desenvolvimento, e 4) ao respeito pelas opiniões da criança . (UNICEF, 2019)

Na mesma época, a ONU seguiu participando com o apoio à implementação de programas em prol do Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) nos países emergentes de conflitos, operando em conjunto aos Estados Membros com a cooperação de fundos, programas e agências, e operações de paz. Os padrões de integração do DDR tem como objetivo apoiar processos políticos, prevenir o aumento de conflitos, proteção de civis, igualdade de gênero, construção da segurança, entre outros; o que proporcionou englobar crianças vítimas dos conflitos como beneficiárias e participantes dos programas.

Mesmo apresentando essa temática como uma preocupação da Comunidade Internacional, diversos Estados seguiram em combates bélicos derivados de tensões religiosas, étnicas ou políticas, e crianças continuaram a serem recrutadas por meios como o sequestro e tortura para que tornem-se aliadas na guerra. Há também onde "Algumas delas “optam” por se unir a esses grupos como “forma de escapar da pobreza, da orfandade ou mesmo nutridas pelo sentimento de vingança''. Outras, porém, vão em busca de alimento, de suposta proteção ou segurança”. (BRITTO, 2019, p.192). Ocorre que, essas crianças e adolescentes além de usadas diretamente em combates, exercem outras funções, como carregadores de munição ou soldados feridos, olheiros, cozinheiros e escravos sexuais.

Foram adotados em 2000 na Convenção, dois outros protocolos, sendo estes, "[...] um que aumenta a proteção das crianças contra o envolvimento em conflitos armados, e outro sobre a venda de criancas, exploração sexual e pornografia infantil, que incluem recomendações sobre a criminalização dessas práticas." (UNICEF, 2019, p.15).

Foi em fevereiro do mesmo ano que houve a definição de "crianças-soldado" "[...] como qualquer pessoa menor de 18 anos que faça parte de uma força armada em qualquer capacidade e aqueles que acompanham tais grupos, exceto como membros da família, bem como meninas recrutadas para fins sexuais e casamento forçado." (GENERAL IDDRS, 2006, p.3, tradução nossa)

A ONG Human Rights Watch, em 2007, estimava a participação de mais de 250 mil crianças-soldados distribuídas pelo mundo todo, onde 100 mil encontrariam-se no continente africano nos territórios de Angola, Sudão do Sul, Serra Leoa, Moçambique, Somália, e também em países como Mianmar, Colômbia e Brasil. Nos casos da América Latina o tráfico de drogas seria o responsável pelo recrutamento, com a estimativa do envolvimento no Estado colombiano de mais de 3 mil e na cidade do Rio de Janeiro, entre a faixa de 10 a 12 anos correspondia a 6,5% em crianças-soldado.

Houveram avanços em prol do desarmamento infantil, com a implementação de programas de DDR em parceria com agências da ONU, em especial a UNICEF, no ano de 2000 mais de 115 mil crianças-soldado foram libertas e reintegradas, e em 2017 mais de 65 mil. É celebrado no dia 12 de fevereiro o "Red Hand Day", criado pela Anistia Internacional para atenção da Comunidade Internacional sobre o tema, e no dia 15 de abril o "Dia Internacional do Desarmamento Infantil". Atualmente com 105 Estados endossando os compromissos e campanhas como "Crianças, não soldados", a luta contra o desarmamento infantil segue buscando minimizar os efeitos do recrutamento de menores de 18 anos nos países com conflitos presentes.

Entretanto, os progressos apresentados pelos inúmeros esforços nessa batalha estão longe de erradicar esta prática, em virtude da violência estrutural. O secretário-geral da ONU, António Guterres, em seu relatório de 2020 para o Conselho de Segurança sobre crianças e conflitos armados "[...] mostra que violações foram cometidas contra 19,37 mil crianças em 21 conflitos. A maioria [...] cometida na Somália, República Democrática do Congo, no Afeganistão, na Síria e no Iêmen." (NICHOLS, 2021). Segundo o relatório, foram 2,67 mil assassinadas, 5,74 mil feridas em conflitos e mais de 8 mil utilizadas como crianças-soldados, o que traz a dura realidade de estar longe o fim desta conduta por meio de organizações criminosas, forças e grupos armados.

Nessa perspectiva, o ingresso de menores de 18 anos em meio aos conflitos armados, é consequência direta da globalização perversa apresentada por Santos, onde "A competitividade é uma espécie de guerra em que tudo vale e, desse modo, sua prática provoca um afrouxamento dos valores morais e um convite ao exercício da violência." (SANTOS, 2012, p.28). Desta forma, pode ser analisado que o armamento infantil é ocasionado pela competitividade entre Estados e as forças extremistas na busca de poder por meio dos embates bélicos, que atado à contínua desigualdade social apodera-se da vida de crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS:


BRITTO, Claudia Aguiar Silva; DE ALMEIDA, Camila Ferreira. Crianças-soldado, uma realidade atual em contexto internacional: A utilização de crianças e adolescentes em conflitos armados. Revista de Direito, Viçosa, V.11, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/revistadir/article/view/6380/pdf


FERREIRA, A.C. O recrutamento de menores por grupos ilegais na Colômbia. CEIRI News, 2020. Disponível em: https://ceiri.news/o-recrutamento-de-menores-por-grupos-ilegais-na-colombia/


FERREIRA, Eduardo Dias de Souza; FILHO, Oscar Silvestre. A proteção internacional dos direitos da criança e do adolescente e os reflexos do Estatuto do Desarmamento no Brasil. Enciclopédia Jurídica da PUCSP, Tomo Direitos Humanos, Edição 1, 2022. Disponível em:


Glossary: Terms and Definitions. General Integrated Disarmament, Demobilization and Reintegration (IDDR), 2006. Disponível em: https://www.unddr.org/modules/IDDRS-1.20-Glossary.pdf


História dos Direitos da Criança. UNICEF. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/historia-dos-direitos-da-crianca


Meninos-soldados. Super Interessante, 2007. Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/meninos-soldados/


NICHOLS, Michelle. ONU: mais de 8,5 mil crianças foram usadas como soldados em 2020. Agência Brasil, 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-06/onu-mais-de-8500-criancas-foram-usadas-como-soldados-em-2020


O drama das crianças soldado é debatido em conferência internacional em Paris. G1, 2007. Disponível em: https://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,AA1445829-5602,00-O+DRAMA+DAS+CRIANCAS+SOLDADOS+E+DEBATIDO+EM+CONFERENCIA+INTERNACIONAL+EM+PA.html


UNICEF: é preciso continuar a luta para acabar com o recrutamento de crianças. UNICEF, 2017. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2017/02/1577981-unicef-e-preciso-continuar-luta-para-acabar-com-recrutamento-de-criancas


ONU marca Dia Internacional contra o Uso de Crianças Soldado. ONU News, 2021. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/02/1741282


SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. Record, 2012. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/sugestao_leitura/sociologia/outra_globalizacao.pdf


30 anos de Convenção sobre os Direitos da Criança. UNICEF, Brasília, 2019. Disponível em:


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