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Henrique Rosas - OBSERVATÓRIO

China e a “Diplomacia da Vacina”




O presente texto busca discutir os conceitos de “Diplomacia da Vacina” e cooperação internacional, sob uma ótica realista das relações internacionais, com um enfoque na atuação da República Popular da China.

A Diplomacia da Vacina pode ser definida pelo “uso de vacinas por um país para aperfeiçoar suas relações diplomáticas e influência em outros países”¹. Essa ferramenta vem sendo utilizada por alguns Estados desenvolvidos como uma expressão de soft power, com a expectativa de ampliar a suas alianças e fortalecer o alinhamento político de outros países (em especial, países emergentes) com seus respectivos interesses nacionais, estratégia essa que vem sendo largamente utilizada pela política externa chinesa, como uma continuação da “diplomacia da máscara” (situação similar, quando a China doou equipamentos médicos e insumos de produção de itens hospitalares para vários países, estando o Brasil incluso nessa lista).

Além da China, outros países e organizações internacionais se utilizam dessa medida estratégica para concretizar seus respectivos interesses, com os exemplos da Covax Facility, um consórcio internacional de vacinas criado pela OMS, que alega ter como fim a distribuição justa e igualitária dos imunizantes, e do acordo firmado entre os países que compõem o Quad (Quadrilateral Security Dialogue, um fórum estratégico informal do Estados Unidos com a Índia, Austrália e Japão, seus maiores parceiros do Indo-Pacífico), que visa a distribuição de até 1 bilhão de doses da vacina contra o Covid-19 no Sudeste Asiático, zona de crescente influência chinesa, com um dos maiores potenciais de crescimento econômico do mundo.

Dentre outros países e organizações relevantes para o debate que acabaram não sendo citados (como a União Europeia, o Reino Unido e a Rússia), o destaque da República Popular da China se dá pela dimensão de seu uso da diplomacia da vacina. Além de já se fazer presente estrategicamente em todos os continentes, o número absoluto de doses exportadas (vendidas ou doadas) pela China é maior do que a produção doméstica de alguns dos países citados. Até o final de março de 2021, a China já havia exportado 109 milhões de doses da vacina contra o Covid-19. Para fins comparativos, segundo o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, o mundo conta com 141 milhões de casos confirmados de Covid-19.

Figura 01 – Número de doses de vacinas produzidas e exportadas:



Essa política externa de auxílio e cooperação internacional pode ser analisada a partir da visão realista das relações internacionais. Os realistas, de modo geral, interpretam o fenômeno da cooperação internacional como um mero reflexo do princípio da autoajuda, que pode ser resumido - como seu nome implica - pela lógica seguida pelos Estados de agir somente conforme seus próprios interesses, com uma perspectiva de manutenção de sua segurança ou a concretização de seus objetivos perante o sistema internacional. Somente a autoajuda conduz um Estado a seus interesses. Parafraseando ludicamente o líder proto-rabínico babilônico Hilel, o Ancião, que diz: “Se eu não for por mim, quem o será?”

Esse princípio, para os realistas, é tido como axioma para a análise das ações dos Estados no sistema internacional. Assim, o fenômeno da cooperação internacional pode ser compreendido a partir da ideia de que essa cooperação só existe quando o ganho é mútuo, algo que não necessariamente implica em um ganho igual para as partes que participam dessa ação cooperativa, já que, no fim, o objetivo sempre será o benefício particular.

No caso concreto estudado, pode-se entender que o poder relativo adquirido pela China será maior do que os custos despendidos por esse país para a distribuição das vacinas. Seja pela reparação de sua imagem nas comunidades domésticas e internacional, desgastada pelo país ter sido o primeiro epicentro e a suposta origem do Covid-19 (além da possível ocultação de dados sobre o efeito do vírus no princípio da referida pandemia), seja pelo reaquecimento dos mercados consumidores ao redor do mundo (desacelerados, mais uma vez, como consequência do espalhamento do vírus), ou até mesmo a barganha pelo alinhamento político em questões de suma importância para a política externa do país, várias são as possíveis razões que justificam, sob uma ótica realista, a prospecção da República Popular da China na busca pela cooperação internacional para produção e distribuição de insumos e doses de vacinas.

O último motivo elencado pode ser materializado por uma manifestação do Ministério das Relações Exteriores do Paraguai, que denunciou o recebimento de uma proposta de acesso às vacinas chinesas contra a Covid-19, sob a condição de romper as relações diplomáticas com Taiwan. O Ministério comunicou que os negociadores “não tinham status oficial, legitimidade ou vínculos comprovados” com o governo da República Popular da China, mas, continuamente, Taiwan acusa o rival político de tentar “seduzir” o governo paraguaio para a mudança na posição do reconhecimento de legitimidade da “verdadeira China”, sendo esse somente um exemplo, entre vários, do uso político da vacina no sistema internacional.

Vale salientar que o Paraguai é um dos últimos 16 Estados-membros das Nações Unidas que ainda reconhecem oficialmente a República da China (Taiwan), e hoje o país se vê aterrado por uma crise política e econômica, potencializada pela má-gestão do governo de Mario Abdo Benítez para com os efeitos da pandemia no país, que, até o dia de 18 de março de 2021, vacinou aproximadamente 38 mil cidadãos, número que representa somente 0,55% da população paraguaia.

Com isso, verifica-se a emergência da Diplomacia da Vacina como uma ferramenta estratégica de imprescindível importância no contexto internacional contemporâneo, sendo a República Popular da China, para completo desgosto de seus concorrentes, seu maior expoente, protagonizando a retomada política e econômica pós-Covid.



REFERÊNCIAS:

ARAGÃO, Tiago. A diplomacia da vacina e o Brasil. Einvestidor, 2021. Disponível em: <https://einvestidor.estadao.com.br/colunas/thiago-de-aragao/vacina-brasil-diplomacia>. Acesso em 17 de abr. de 2021.


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EUA, Índia, Japão e Austrália fazem pacto por vacinas para Ásia. R7 Internacional, 2021. Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/eua-india-japao-e-australia-fazem-pacto-por-vacinas-para-asia-12032021>. Acesso em 17 de abr. de 2021.


JENNINGS, Michael. Vaccine diplomacy: how some countries are using covid to enhance their soft power. The Conversation, 2021. Disponível em: <https://theconversation.com/vaccine-diplomacy-how-some-countries-are-using-covid-to-enhance-their-soft-power-155697>. Acesso em 18 de abr. de 2021.


KARÁSKOVÁ, Ivana; BLABLOVÁ, Verokina. The Logic of China’s Vaccine Diplomacy. The Diplomat, 2021. Disponível em: <https://thediplomat.com/2021/03/the-logic-of-chinas-vaccine-diplomacy/>. Acesso em 18 de abr. de 2021.


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MARTINS, Karine. Covax Facility: Como funciona o consórcio global de vacinas. Politize, 2021. Disponível em: <https://www.politize.com.br/covax-facility/>. Acesso em 16 de abr. de 2021.


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Paraguai diz ter recebido oferta de vacina chinesa em troca de romper com Taiwan. Valor Econômico, 2021. Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/03/24/paraguai-diz-ter-recebido-oferta-de-vacina-chinesa-em-troca-de-romper-com-taiwan.ghtml>. Acesso em 17 de abr. de 2021.


Vacinômetro do Brasil e do mundo contra a Covid-19. O Globo, 2021. Disponível em: <https://infograficos.oglobo.globo.com/sociedade/vacinometro-covid-19.html>. Acesso em 17 de abr. de 2021.


¹ - Wikipedia contributors. Vaccine diplomacy. Wikipedia, The Free Encyclopedia, 2021. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Vaccine_diplomacy&oldid=1018603687>. Acesso em 18 de abr. de 2021.









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