Por: Talita Santos
O Instituto Trata Brasil no mês de Março divulgou um estudo avaliando os indicadores de saneamento básico dos 100 maiores municípios do Brasil. O estudo mostra que em torno de 35 milhões de brasileiros não possuem acesso à água tratada no país. Além de 100 milhões de cidadãos não terem coleta de esgoto e, que somente 50% do esgoto é tratado em todo o país. Logo, evidenciando que existem mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento sendo despejadas no meio ambiente diariamente (TRATA BRASIL, 2022).
Durante a exposição dos dados nesse estudo é possível notar a assimetria existente na acessibilidade à água potável no país, em que cidades do Sul e Sudeste, com exceção do Rio de Janeiro, ocupam as primeiras posições do ranking, enquanto as cidades do Norte e Nordeste são a grande maioria com os piores índices. A Presidente Executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, diz que essa diferença está relacionada ao estabelecimento de políticas públicas que incentivam o saneamento, pois enquanto o Sul e Sudeste possuem um forte investimento para o cumprimento das metas em relação a uma melhora no quesito de distribuição de água potável e saneamento básico, os responsáveis por esse setor no Norte e Nordeste foram em grande parte sucateados, não possuindo investimentos adequados. Logo, nota-se que para uma melhora nos serviços e indicadores é necessário que haja maiores investimentos nesse âmbito, entretanto, segundo Pretto, entre as melhores cidades, o investimento é de R$135,24 por pessoa, enquanto entre as piores é de R$48,90 (TRATA BRASIL, 2022).
Com isso, essa diferenciação nos investimentos, evidencia a distância que o Brasil possui em atingir as metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6 da ONU, que tem como foco garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento básico para todos. Através do estudo apresentado pelo Trata Brasil é possível notar que esse objetivo está longe de ser cumprido. Sendo assim, o que torna ainda mais difícil essa divisão equitativa na distribuição dos investimentos, é o fato de estar ligado diretamente a razão de que cidades com maior fluxo econômico e populacional recebem as melhores condições nesse quesito. Dessa forma, com o crescente fluxo migracional para essas regiões o município tem a necessidade de um maior investimento, no intuito de uma maior atração em mão de obra qualificada que emigram de zonas com poucos investimentos, assim como no capital físico de empresas, procurando melhores condições ambientais para se instalarem em que ajudará na atração dos seus públicos. Atuando assim, no aumento da falta de investimentos em saneamento básico e a preocupação na distribuição de água potável em cidades que possuem poucos recursos atrativos para essas empresas.
Para tanto, analisando o recorte sobre o ODS 6 para o estado da Bahia, mais especificamente para a sua capital Salvador — que na posição do ranking do Trata Brasil ficou no 39º lugar — não é difícil perceber que a meta 6.3 que versa sobre em que até 2030, exista uma melhora na qualidade da água, reduzindo a poluição, eliminando despejo e minimizando a liberação de produtos químicos e materiais perigosos, reduzindo à metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentando substancialmente a reciclagem e reutilização segura globalmente, não está sendo cumprida. No Subúrbio Ferroviário de Salvador, ao longo da Avenida Afrânio Peixoto, é visto um córrego de esgoto não tratado tanto na região conhecida como Baixa do Fiscal, quanto na região do Lobato no qual está localizado o Parque São Bartolomeu, um dos maiores remanescentes de mata atlântica em área urbana, do país. Além disso, integra a Bacia do Rio do Cobre (São Bartolomeu), que inclui uma represa, cascatas, assim como suas três cachoeiras, nomeadas de Oxumaré, Oxum e Nanã em homenagem aos orixás. Entretanto, segundo avaliações no Google Maps, jorram água de vala no local que, consequentemente, irá desaguar na Maré Beira Mangue — onde uma parte da população que reside utiliza-se da pesca para a sua sobrevivência. Logo, a falta de um saneamento básico na região traz consequências aos moradores tanto pelo fato da convivência com o esgoto a céu aberto perto das suas casas, correndo o risco de contrair doenças que são transmitidas pelo contato com a água, animais e insetos, quanto aos pescadores da região. Essa situação de esgoto sendo desaguado no mar, não acontece somente na região do subúrbio de Salvador, como também pode ser visto na orla do Parque Costa Azul, onde há constantes reclamações dos moradores e de transeuntes sobre mau cheiro e proliferação de ratos (AVERA, 2021).
Assim, através das informações apresentadas acima, já é observado que a meta 6.6 pelo menos na cidade de Salvador, não conseguiu atingir o seu objetivo já que a meta seria que até 2020, houvesse uma proteção e restauração dos ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos. Portanto, para isso seria necessário que houvesse políticas públicas com investimentos que garantissem o andamento desse setor, assim como municípios com metas a serem cumpridas pelas concessionárias e fiscalizadas por agências reguladoras responsáveis.
Ademais, a meta 6.1 aponta que até 2030, deveria ser atingido um alcance de acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos. Faltando menos de 8 anos para 2030 o Brasil precisaria agir imediatamente para essa mudança já que a obtenção dos resultados esperados nessa meta não se mostrariam de um dia para o outro. Segundo uma pesquisa do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (2020), ainda existem 16% dos brasileiros que não são atendidos com abastecimento de água tratada, sendo então quase 35 milhões de brasileiros sem o acesso a este serviço básico. Além disso, na Assembleia Geral da ONU de 2010, foi reconhecido o direito humano à água, entretanto ainda não existe um caráter vinculativo com a legislação interna no Brasil. Ou seja, o Brasil apesar de reconhecer que a água é um direito humano, legalmente no país ainda não se aplica esse direito. Atualmente, consoante com o site Politize (2021), há em tramitação no Congresso Nacional e no Senado Federal Projetos de Emenda à Constituição que visam regulamentar esse direito. Enquanto isso, populações do Sudeste e Nordeste sofrem com a falta de água potável em muitas das suas regiões. Ademais, existe uma carência em dados concretos disponibilizados nos indicadores pelo IPEA sobre o atual cenário brasileiro diante o ODS 06, já que estes se encontram desatualizados o que dificulta uma maior avaliação dos seus indicadores.
Logo, através da visão de que é preciso trazer políticas públicas eficientes para os municípios que possuem baixo investimento e/ou que detêm uma gerência ineficiente para o alcance dessas metas, é necessário então que os governantes foquem no objetivo da meta 6.a que, discute sobre como a ampliação da cooperação internacional e o apoio à capacitação para os países em desenvolvimento em atividades e programas relacionados à água e saneamento, pode ser um ponto crucial com um diferencial enorme para esses municípios. A exemplo disso, temos em Salvador uma cooperação que está sendo feita entre a EMBASA, instituição local responsável pelo serviço de saneamento básico da capital do estado da Bahia, e o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura com o objetivo de uma universalização e aperfeiçoamento da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em áreas prioritárias do estado da Bahia, visando garantir o melhor acesso ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário da população baiana através da introdução de tecnologias inovadoras, capacitação e troca de experiência técnica. Para tanto, em breve estará disponível no mapa dinâmico do CECIDES que se encontra no blog do NURI, não somente cooperações voltadas para o ODS 6, como também diversas cooperações internacionais técnicas e financeiras no estado da Bahia voltadas para os demais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
REFERÊNCIAS
ÁGUA. Trata Brasil. Disponível em:<https://tratabrasil.org.br/pt/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/agua>. Acesso em: 14 de Mai. de 2022.
BACELAR, Jonildo. Parque São Bartolomeu, Salvador. Bahia Turismo, 2014. Disponível em:<http://www.bahia-turismo.com/salvador/parques/sao-bartolomeu.htm>. Acesso em: 16 de Mai. de 2022.
BARBON, Júlia. Cidades com bom saneamento investem 3 vezes mais, mostra ranking. Folha de São Paulo, 2022. Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/03/cidades-com-bom-saneamento-investem-3-vezes-mais-mostra-ranking.shtml>. Acesso em: 16 de Mai. de 2022.
BRASIL, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. ODS 6- Água Potável e Saneamento. Disponível em:<https://www.ipea.gov.br/ods/ods6.html>. Acesso em: 14 de Mai. de 2022.
LÜDER, Amanda. Quase 40% da água potável no Brasil é desperdiçada, aponta levantamento do Instituto Trata Brasil. G1, 2021. Disponível em:<https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/05/31/quase-40percent-da-agua-potavel-no-brasil-e-desperdicada-aponta-levantamento-do-instituto-trata-brasil.ghtml>. Acesso em: 14 de Mai. de 2022.
MAZARO, Gabriel. Água é um Direito Humano?. Politize, 2021. Disponível em:<https://www.politize.com.br/agua-direito-humano/>. Acesso em: 16 de Mai. de 2022.
Poluição do Rio Camarajipe causa mau cheiro e proliferação de ratos no Parque Costa Azul. AVERA, 2021. Disponível em:<https://www.noticiasavera.com.br/poluicao-do-rio-camarajipe-causa-mau-cheiro-e-proliferacao-de-ratos-no-parque-costa-azul/>. Acesso em: 16 de Mai. de 2022.
PONTES, Nádia. Mesmo com crise hídrica, Brasil perde 40% da água tratada. DW, 2022. Disponível em:<https://www.dw.com/pt-br/mesmo-com-crise-h%C3%ADdrica-brasil-perde-40-da-%C3%A1gua-tratada/a-61208282>. Acesso em 16 de Mai. de 2022.
Ranking do saneamento Instituto Trata Brasil 2022 (SNIS 2020). Trata Brasil, 2022. Disponível em:<https://tratabrasil.org.br/images/estudos/Ranking_do_Saneamento_2022/Relat%C3%B3rio_do_RS_2022.pdf> Acesso em: 16 de Mai. de 2022.
VELASCO, Clara. Ranking do saneamento básico: veja quais são as grandes cidades com os melhores e os piores serviços do país. G1, 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/03/22/ranking-do-saneamento-basico-veja-quais-sao-as-grandes-cidades-com-os-melhores-e-os-piores-servicos-do-pais.ghtml >. Acesso em: 14 de Mai. de 2022.
Maravilhosoo, abordou de forma incrível essa problemática!
Muito bom!!! 👏🏻👏🏻👏🏻
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