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OBSERVATÓRIO

Cooperação Internacional na UNEA-6: Avanços e Desafios na Implementação Global de Acordos Ambientais Multilaterais

Roberta Lacerda Moura


Durante a Sexta Sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente (UNEA-6), Radhika Ochalik, diretora do Escritório de Assuntos de Governança do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), emitiu uma afirmação crucial: "Nenhum país pode enfrentar a tripla crise planetária sozinho". Essa declaração ressoou fortemente, sublinhando um dos principais temas abordados no evento: a urgente necessidade de cooperação internacional para mitigar a tripla crise ambiental que engloba mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição (UNEP, 2024a). Nesse contexto, será destacado como a cooperação internacional desempenha um papel essencial no cumprimento de Acordos Ambientais Multilaterais (MEAs), fornecendo uma estrutura colaborativa para enfrentar os desafios ambientais globais de forma conjunta e eficaz, além de incluir os progressos e recessões perante a implementação das MEAs.


Fundada em 2012, a UNEA, produto decorrente de esforços internacionais, fomentada a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo, em 1972, realiza encontros bienais para estabelecer prioridades nas políticas ambientais e avançar na legislação internacional. Contando com a participação de todos os 193 Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU), se torna o principal fórum multilateral de deliberação sobre questões ambientais (UNEP, 2022a). 


A UNEA-6, iniciada em 26 de fevereiro de 2024, na capital do Quênia, contou com a participação de Chefes de Estado e mais de 7 mil representantes governamentais, da sociedade civil e do setor privado. Ademais, ocorreu no evento três áreas para construção de potenciais acordos (UNEP, 2024b). Essas seções incluem: poluição plástica, a recuperação verde e a gestão de resíduos químicos. Para o cumprimento dessas metas, a sessão deste ano encerrou com aprovação de 15 resoluções e 2 decisões ministeriais, enfatizando-se da utilização do multilateralismo como instrumento poderoso para a concepção de ações coletivas e mais inclusivas para aceleração da campanha global (UNEP, 2024b).  Como destacado pelo site da Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente (UNEA) em algumas resoluções:


-UNEP/EA.6/L.6 - Reforçar o papel e a viabilidade dos fóruns regionais dos ministros do ambiente e dos escritórios regionais do Programa das Nações Unidas para o Ambiente na concretização da cooperação multilateral na abordagem aos desafios ambientais.
-UNEP/EA.6/L.7 - Promoção de sinergias, cooperação ou colaboração para a implementação nacional de acordos ambientais multilaterais e outros instrumentos ambientais relevantes.
(...)
-UNEP/EA.6/L.9 - Promoção de ações nacionais para enfrentar os desafios ambientais globais através de uma maior cooperação entre a Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente e acordos ambientais multilaterais. (UNEP, 2024c, tradução nossa). 

A assembleia demonstrou que para o progresso ser alcançado pelos atores internacionais, é necessário a construção de Acordos Ambientais Multilaterais (MEAs). Isso pode ser observado no cronograma da conferência, no qual foi dedicado um dia inteiro para ressaltar a vitalidade desses acordos. Apesar da UNEA não conferir eficácia jurídica vinculativa, ela representa um fator interessante para o avanço de tratados ecológicos por meio da cooperação internacional (UNEP, 2024d).


Tendo em vista a importância do MEAs e o papel da UNEA na promoção desses acordos, é fundamental discutir a definição de cooperação internacional nesse contexto, uma vez que é por meio dela que os tratados são colocados em prática. Segundo Keohane (1984), cooperação internacional se conceitua como o ato no qual indivíduos ou instituições separadas, convergem em esforços direcionando a um único objetivo. Contudo, para a efetividade da cooperação, é pertinente que as ações dos atores sejam coordenadas politicamente sob processo de negociação dado que os atores operam dentro de um sistema anárquico, onde buscam promover seus interesses individuais. É imperativo que identifiquem áreas de convergência com o intuito de promover a uniformidade de interesses.


Esse processo de coordenação política é ilustrado por Lindblom (LINDBLOM, 1957 apud. KEOHANE, 1984)  como um procedimento em que as decisões são adaptadas em função de minimizar divergência entre os atores a partir do ajuste de interesse e preferências dos mesmos, buscando traçar o equilíbrio em seus objetivos. A presença e variedade de formas de cooperação, têm sido fundamental para entender o por quê os atores, sejam eles estatais ou não, optarem por cooperar, mesmo em um ambiente internacional caracterizado pela ausência de uma autoridade central (AXELROD; KEOHANE, 1985). 


A teoria da interdependência complexa, trabalhada pelos professores Keohane e Nye (1989), no livro “Poder e Interdependência”, enfatiza a interconexão entre as figuras internacionais por meio de fluxos econômicos, políticos e sociais. Tendo em vista que, no contexto de um sistema internacional anárquico, caracterizado pela ausência de um poder supranacional e pelo consequente surgimento de rivalidades e desconfianças entre os entes estatais, se mostra a urgência da criação de instituições internacionais, porquanto, sua utilização emerge como um meio eficaz para fomentar a cooperação. Estas instituições desempenham um papel crucial ao proporcionar uma estrutura mais transparente e previsível para a interação entre os Estados, assim fortalecendo o incentivo à colaboração global. (KEOHANE; NYE, 1989 apud ESTRE, 2011)


Decerto que, as instituições internacionais e seus agentes constituem elementos essenciais de um regime internacional, que molda seus comportamentos e interações. Sendo esse sistema conceituado por Krasner (1983) como um conjunto de normas, princípios, regras e procedimentos de tomada de decisão, tornando-se subentendido ou expresso em que as expectativas dos atores se unem em uma estabelecida esfera. Contudo, é importante notar que tanto o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) quanto a UNEA não possuem força legal obrigatória. 


Embora essas instituições desempenham um papel crucial na promoção da cooperação internacional e no estabelecimento de um regime ambiental, suas decisões e recomendações dependem da adesão voluntária dos Estados-membros (UNEP, 2022). Essa dinâmica reflete a natureza do regime ambiental internacional e a efetividade de um acordo multilateral internacional, onde as normas e princípios são amplamente acordados e adotados, mas sua implementação efetiva permanece sujeita à vontade e compromisso dos Estados participantes (LEITE, 2011).


A UNEA e os acordos multilaterais ambientais são componentes fundamentais do regime ambiental global, abordando uma ampla gama de questões ambientais, incluindo mudanças climáticas. Viola (2004) classifica, por exemplo, o regime de mudanças climáticas como uma ramificação do regime ambiental, destacando temas como uso de energia, eficiência energética e a ameaça de mudança climática global. Esses temas são abordados tanto nas negociações da UNEA quanto nos acordos multilaterais ambientais. Conforme Viola (2004) retrata, as negociações e declarações resultantes das grandes conferências e tratados internacionais são os principais instrumentos dos regimes ambientais e climáticos, que promovem a cooperação global.


Os autores Axelrod e Keohane (1985) em Achieving Cooperation under Anarchy: Strategies and Institutions delineiam três elementos fundamentais para o entendimento sobre o sucesso ou fracasso de uma cooperação. Esses elementos consistem em: a mutualidade de interesse; influência no número de atores envolvidos no processo e a consideração na perspectiva temporal, representada pela “sombra do futuro”. Esses processos sob o olhar teórico nos permite entender sua influência no comportamento dos Estados dentro dos fóruns internacionais, como na UNEA.


Nessa perspectiva, a mutualidade de interesse é ilustrada pelos autores através do dilema do prisioneiro. Essa dinâmica, fundamentada na teoria dos jogos, evidencia que  os indivíduos que possuem interesses convergentes, por exemplo o desenvolvimento de uma resolução sobre a mitigação da crise planetária, abre espaço para a cooperação. Contudo, eles podem optar por não cooperar, mesmo quando isso seja vantajoso, devido a incerteza em relação às ações do outro e ao desejo de maximizar seus próprios ganhos relativos (AXELROD; KEOHANE, 1985). 


A percepção dos atores sobre seus próprios desejos pode influenciar profundamente sua compreensão do interesse do outro, o que pode impactar positivamente ou negativamente a viabilidade de uma cooperação mútua (AXELROD; KEOHANE, 1985). Esse cenário é visto na 5ª UNEA, em 2022, após aprovação de uma resolução para iniciar a negociação do primeiro tratado global contra a poluição por plástico.


 Desde 2022 até o ano atual, o Comitê de Negociação Intergovernamental tem buscado realizar diversas reuniões, porém seu avanço tem sido lento, em razão das diferenças entre os países. Na atualidade, esse tratado ainda está em fase de discussão e espera-se que seja concluído no segundo semestre de 2024 (OBSERVADOR, 2024).  Logo, ao adentrar questões ambientais, é fundamental entender que os Estados buscarão sempre priorizar suas próprias inclinações em relação aos interesses coletivos. Isso pode resultar em desafios na implementação efetiva dos acordos ambientais multilaterais na UNEA e em outros fóruns multilaterais.


Outro fator de potencialidade está no número de sujeitos inseridos no processo. Quando há muitos atores, a estimativa para a construção de um consenso é quase nula, em razão da multiplicidade de interesse, o que dificulta satisfazer todas as partes envolvidas (AXELROD; KEOHANE, 1985). Como uma das principais plataformas de deliberação sobre questões ambientais, a Assembleia reúne diversos atores, incluindo governos, setor privado, sociedade civil e organizações. À medida que os países buscam defender suas próprias prioridades e agendas, se torna desafiador encontrar caminhos similares para a criação de uma resolução. 


Em último elemento, sombra do futuro, conforme interage com a teoria da interdependência complexa, demonstra que no Dilema dos Prisioneiros, a consideração do futuro desempenha um papel crucial na promoção da cooperação. Quanto mais os retornos futuros são ponderados em relação às recompensas atuais, menor é o incentivo para se negar a colaborar no presente, uma vez que há  expectativa de retaliação por parte do outro sujeito no futuro (AXELROD; KEOHANE, 1985). Tendo em vista os problemas atuais, os participantes da UNEA-6 podem ser motivados a cooperar efetivamente se levarem em contas os efeitos futuros das decisões presentes.


Diante do que foi apresentado, os acordos ambientais multilaterais (MEAs) representam uma resposta coletiva e coordenada dos países a vista dos problemas globais. O PNUMA define os MEAs como instrumentos de governança e do direito ambiental que estabelecem compromissos e diretrizes para a proteção e gestão dos recursos naturais. Com isso, são definidos como tratados esparsos, aos quais os entes internacionais podem aderir, com o intuito de fomentar a cooperação e implementação de medidas conjuntas para abordar os desafios ambientais compartilhados(UNEP, 2022b). 


De acordo com um estudo realizado pela Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, mostrou que entre entre 1850 a 2020 foram relatados mais de 1.300 MEAs e mais de 2.200 acordos bilaterais sobre meio ambiente. Esses tratados englobam qualquer documento internacional em que as partes se comprometem legalmente a regular a interação entre as atividades humanas e o meio ecológico. Podendo receber diferentes designações que evidenciem os compromissos, como pactos, convênios, protocolos, convenções, entre outros. A  complexidade dessa rede de acordo é demonstrado pela diversidade de organizações envolvidas e pelo desafio de assegurar resultados eficientes (MITCHELL, 2022 ).  



Os avanços globais potencializados pelos acordos demonstram a sua eficiência quando alcançados em consenso e comprometimento entre os atores. Alguns benefícios dos MEAs são:  a promoção de uma cooperação, que fortalece os laços e gera um espaço de confiança estável no sistema internacional; o estabelecimento de padrões e regulamentações de proteção para o meio ambiente, onde previnem conflitos relacionados aos recursos naturais; redução da poluição em diversas áreas e desenvolvimento sustentável; como também assegurar que todos as nações tenham a oportunidade de participar de tomadas de decisões e se beneficiar da proteção ambiental, entre outros (UNEP, 2022a). 

  Um exemplo de sucesso dos MEAs está presente no Protocolo de Montreal sobre Substâncias que deterioram a Camada de Ozônio. Este protocolo, adotado globalmente, obteve sucesso ao reduzir a produção e o uso de clorofluorcarbonos e outras substâncias que prejudicam a camada de ozônio.  Como resultado, cerca de 99% dessas substâncias foram eliminadas, favorecendo a restauração da camada de ozônio(UNEP, 2021). 

Em contrapartida, como foi ressaltado anteriormente, os desafios ainda são presentes diante dos acordos ambientais multilaterais, sejam eles em razão da falta de coesão entre os atores, a pressão estabelecida dentro de um ambiente de incerteza, destacado a partir do conceito de mutualidade de interesse (JUNIOR, 2011 apud. CERQUEIRA, 1994). Como também, na ausência de um mecanismo obrigatório de sanção ou voto majoritário, resulta na falta de consentimento obrigatório por partes dos Estados soberanos em assinar ou ratificar um acordo, tampouco responsabilização através de sanções aos países que não cumprem com suas obrigações ambientais. Esta situação gera pouco incentivo para as nações no cumprimento voluntário dos seus deveres. Ademais, limitação e má distribuição de recursos financeiros, assim como execução inadequada dos acordos também são tratados como desafios  (JUNIOR, 2011 apud. CERQUEIRA, 1994). 


Em síntese, historicamente a Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente tem efetuado um importante papel ao buscar avançar na implementação de acordos ambientais multilaterais. Embora haja progresso na construção das resoluções e políticas ambientais, diversos desafios ainda persistem, demonstrando a complexibilidade que é a confluência de um objeto comum entre os Estados, em razão dos interesses divergentes. O encerramento da UNEA-6 marca um momento de reflexão sobre os desafios e conquistas. Como destacado pela chefe do PNUMA, Inger Andersen, “as negociações foram complexas mas os países perseveraram na busca por pontos de convergência, evidenciando um compromisso contínuo com o bem estar do planeta”. Portanto, é imprescindível que as nações continuem nas negociações e na cooperação internacional para encontrar soluções eficazes e que assegurem o bem estar das gerações próximas.


 

REFERÊNCIA


AXELROD, Robert e KEOHANE, Robert. Achieving Cooperation Under Anarchy: Strategies and Institutions. World Politics, vol.38, 1985. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4404414/mod_resource/content/1/Axelrod%20e%20Keohane%201985.pdf. Acesso em: 20 mar. 2024


CERQUEIRA, Cristina F. Montenegro de. Da interdependência ambiental à cooperação multilateral: um novo paradigma de relações internacionais em delineamento. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 1994. Disponível em: http://www.rlbea.unb.br/jspui/bitstream/10482/10048/3/2011_IsaiasMontanariJunior.pdf. Acesso em 23 mar. 2024


ESTRE, Felipe Bernardo. Poder, interdependência e desigualdade. 3° ENCONTRO NACIONAL ABRI 2011, v.3, 2011, São Paulo. Associação Brasileira de Relações Internacionais, Instituto de Relações Internacionais - USP, Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000122011000200007&lng=en&nrm=abn>. Acesso em: 20 Mar. 2024


KRASNER, Stephen D. (1983), Structural Causes and Regimes Consequences: Regimes as   Intervening Variables". Disponivel em: https://pos-graduacao.uepb.edu.br/ppgri/files/2016/02/Krasner-Structural-Causes-and-Regime-Consequencies-Regime-as-Intervening-Variables.pdf. Acesso em: 19 mar. 2024



KEOHANE, R. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton University Press, 1984. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5526008/course/section/6018534/%28Principal%29%20KEOHANE%20R.%20%281984%29.%20After%20hegemony%20cooperation%20and%20discord%20in%20the%20world%20political%20economy%281%29.pdf. Acesso: 19 mar. 2024.


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