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OBSERVATÓRIO | Isabelle Neves

Da Discriminação Legalizada à Resistência: O Desafio dos Direitos LGBTQIA+ em Uganda

        Em meio a debates globais sobre direitos humanos e igualdade, a homofobia de estado em Uganda emerge como um exemplo alarmante de discriminação legalizada. Esta nação africana vem sendo palco de políticas e leis que não apenas marginalizam, mas também promovem ativamente a violência e a exclusão da comunidade LGBTQIAP+ no território. Neste contexto, é essencial analisar os desafios legislativos enfrentados pela comunidade em Uganda e destacar a importância contínua da luta pelos direitos humanos e pela igualdade em todas as esferas da sociedade.


        Acerca dessa lógica, pode-se avaliar que a homofobia de estado em Uganda reflete não apenas a persistência de preconceitos enraizados na sociedade, como também, ecoa a herança  deixada pelo império britânico. Uma vez que, durante o período colonial, a imposição de leis e valores ocidentais muitas vezes resultou na criminalização de práticas e identidades que não se alinhavam com as normas dominantes da época.


    Garrido (2016) discute a influência das leis de sodomia nas legislações, como exemplificado pelo Código Penal de 1950. Essas leis visavam criminalizar os atos sexuais considerados "contra-natura" ou "contrários à ordem natural", visando limitar a sexualidade humana à reprodução e eliminar comportamentos percebidos como desviantes ou sem propósito. No entanto, a relação dessas legislações com a homossexualidade não era clara.


     Entretanto, no início da década de  2000, houve um aumento significativo do movimento anti-LGBTQIA+, e no ano de 2009 houve a apresentação da primeira versão da  Lei Anti-Homossexualidade ao parlamento - este projeto de lei previa, numa fase primordial, a pena de morte para quem cometesse o crime de “homossexualidade agravada” (Garrido, 2016). Como também, buscava criminalizar qualquer forma de expressão ou apoio à comunidade, o que incluia  a proibição de organizações que defendessem os direitos LGBTQIA+ e a imposição de penas de prisão para quem fosse considerado culpado de promover ou praticar a homossexualidade.


      Apesar de muitas críticas e pressão internacional, o projeto foi aprovado em dezembro de 2013, promulgado pelo presidente Museveni em fevereiro de 2014 e revogado pelo Tribunal Constitucional do Uganda em agosto desse mesmo ano (International Federation for Human Rights, 2014). Logo após a revogação, houve um fortalecimento e um aumento da visibilidade de grupos e organizações pró-direitos LGBTQIA+ no país.

       Esses grupos desempenham um papel fundamental na defesa dos direitos humanos, como a Spectrum Uganda, que se concentram em fornecer serviços de saúde, apoio psicossocial e programas educacionais e a  Uganda Pride que  trabalha para criar espaços seguros, promover a conscientização e mobilizar a sociedade civil em prol da inclusão e do respeito.


      Desde então, nos últimos anos, legisladores populistas em Uganda têm repetidamente apresentado projetos de lei semelhantes à Lei Anti-Homossexualidade de 2009. Esses projetos são muitas vezes financiados por grupos religiosos  ocidentais, como grupo estadunidense,  A Family Watch International, uma das financiadoras e organizadoras da  conferência interparlamentar sobre valores familiares em Kampala  realizada em setembro de 2019. Mais de 20 países africanos participaram desta reunião, incluindo líderes religiosos, ativistas juvenis e parlamentares, e teve como objetivo discutir questões relacionadas à família, valores tradicionais e os direitos LGBTQIA+.


    O governo de Museveni, ao longo dos seus 28 anos no cargo, suprimiu cada vez mais  a liberdade de reunião, expressão e associação e ameaçou grupos da sociedade civil que trabalham numa série de questões, incluindo corrupção, terras, petróleo e boa governação. (Human Rights Watch, 2014). Além disso, o parlamento ugandês desenvolveu formas para silenciar as organizações não-governamentais que auxiliam a comunidade. Como, por exemplo, o gabinete para organizações não-governamentais suspendeu as atividades do grupo ativista Minorias Sexuais do Uganda, alegando que “a instituição promovia a homossexualidade”. ( STEPHEN KAFEERO,2023).


Com isso, O Parlamento do Uganda aprovou a Lei Anti-Homossexualidade em março de 2023, criminalizando a conduta consensual entre pessoas do mesmo sexo com penas que podem ir até à prisão perpétua, tentativas de actos homossexuais com penas de 10 anos de prisão e pena de morte para os condenados por “homossexualidade agravada” (Human Rights Watch, 2023) o que causou uma indignação social e internacional, que resultou em uma luta dos ativistas ugandeses para solicitarem processos judiciais que contestem a constitucionalidade da lei, uma das mais severas do mundo que restringe os direitos da comunidade LGBTQIA+. 


Conforme o relatório da Human Rights Watch de 2024,  o Supremo Tribunal examina atualmente petições de pessoas humanas: ativistas dos direitos humanos, jornalistas, acadêmicos e líderes religiosos, que desafiam a lei repressiva e controversa. Diante desse cenário, a resistência e a luta pelos direitos LGBTQIA+ em Uganda ganham ainda mais importância e urgência.


A mobilização da sociedade civil, o apoio internacional e a busca por soluções legais são fundamentais para desafiar essa legislação discriminatória e garantir que todos os cidadãos de Uganda tenham a liberdade e a igualdade que merecem, independentemente da sua orientação sexual ou identidade de gênero. Visto que manter essas amarras da herança colonial é, conforme o pensamento da ativista, “... invalidar todo o trabalho de defesa de direitos que tem sido feito durante anos e dá à Lei Anti-Homossexualidade e a todos os homofóbicos mais poder sobre as vidas, os corpos e os direitos das pessoas” (Human Rights Watch,2024)


Dessa forma, é fundamental que a comunidade internacional continue a apoiar e a solidarizar-se com os ativistas e defensores dos direitos LGBTQIA+ em Uganda, fornecendo recursos, visibilidade e pressão política para garantir um futuro mais justo e igualitário para todos. 


 

REFERÊNCIAS: 


GARRIDO, Rui. «Ativismo LGBT num Campo Político Hostil – Uma leitura dos movimentos ativistas no Uganda», Cadernos de Estudos Africanos [Online], 31 | 2016, consultado o 05 abril2024.URL:http://journals.openedition.org/cea/2031;DOI:https://doi.org/10.4000/cea.2031 


GARRIDO, Rui. «Potencialidades e Ameaças do Ativismo Jurídico Transnacional no Ativismo LGBTI no Continente Africano», Cadernos de Estudos Africanos [Online], 40 | 2020, acesso em 06 de abril de 2024. URL: http://journals.openedition.org/cea/5410 ; DOI: https:// doi.org/10.4000/cea.5410 


Human Rights Watch. . Uganda: Anti-Homosexuality Act’s heavy toll. Acesso em 06  de abril,2024<http://www.hrw.org/news/2014/05/14/uganda-anti-homosexuality-act-sheavy-toll>

 International Federation for Human Rights.  Uganda: The Anti-Homosexuality Act struck down by the Constitutional Court. Acesso em 06 de abril de 2024, https://  <www.fidh.org/International-Federation-for-Human-Rights/Africa/uganda/15885-uganda-theanti-homosexuality-act-struck-down-by-the-constitutional-court>  


KOJOUÉ, Larissa. Ugandan Appeals Court Shutters LGBT Rights Group. Decision Threatens Civic Space, Reinforces State-Sponsored Homophobia, Human Rights Watch Human Rights Watch, 11 dez. 2023. Disponível em: https://www.hrw.org/news/2023/12/11/ugandans-challenge-anti-homosexuality-act. Acesso em: 5 abr. 2024. 


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