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OBSERVATÓRIO | Isadora Leite

Desafios Climáticos Globais: Enchentes no Rio Grande do Sul e a Urgência de uma Resposta Coletiva Sustentável

À medida que o capitalismo exacerbado sucede cada vez mais em todo o globo, presenciamos as temperaturas globais aumentar, o desmatamento crescer e o consumo excessivo ocorrer. Em 2021, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) afirmou que, se os seres humanos não mudarem a forma como exploram os recursos terrestres,  resultaria em consequências preocupantes, como o aquecimento de 3,2°C no planeta até 2100. Resultados como esse tornam os padrões de precipitação cada vez mais extremos, pois de acordo com um estudo conjunto do Instituto de Física Atmosférica (IAP) da Academia Chinesa de Ciências (CAS) e o Met Office, o serviço meteorológico nacional do Reino Unido, a variabilidade da chuva globalmente ampliada manifesta o fato de que o aquecimento global está tornando nosso clima mais desigual. É possível identificar que a humanidade já enfrenta as consequências desse fato, ao assistirmos as enchentes devastadoras que assolam a região sul do Brasil desde maio de 2024. O fenômeno climático ocorrido no estado do Rio Grande do Sul não é apenas um evento isolado, mas sim um reflexo tangível das mudanças climáticas que estão transformando nosso planeta. Diante desse contexto desafiador, torna-se evidente a necessidade urgente de uma ação coletiva e coordenada não apenas para enfrentar os impactos devastadores, como também buscar ações que previnam que eventos como esse aconteçam.

         As enchentes recorrentes no estado gaúcho representam um desafio significativo para a região, pois não só resultam em perdas materiais, como também causam deslocamentos populacionais, danos à agricultura e à pecuária, interrupção de serviços básicos e riscos à saúde pública, devido à contaminação da água e propagação de doenças (FIOCRUZ, 2010). A história dessas enchentes remonta décadas, com registros de eventos catastróficos que causaram danos generalizados à infraestrutura, propriedades e vidas humanas (VALENTE, 2018). Em junho de 1941, fortes chuvas causaram inundações generalizadas em várias cidades, incluindo Porto Alegre, a capital do estado. De acordo com o CNN Brasil (2024), essa enchente resultou em danos significativos com 70 mil pessoas desabrigadas. Após a capital gaúcha ser duramente atingida pela inundação de 1941, surgiu a discussão sobre a necessidade de construir uma barreira para proteger a cidade contra futuras enchentes. Cerca de três décadas após o evento, em 1974, foi concluída a construção do que ficou conhecido como Muro da Mauá. Esta estrutura, localizada entre o cais Mauá e a avenida Mauá, no Centro Histórico de Porto Alegre, possui 3 metros de altura e estende-se por 2,6 quilômetros (CNN Brasil, 2024).


Acervo/Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo. Fotografia aérea da enchente de 1941 em Porto Alegre (RS). Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/chuva-em-porto-alegre-compare-fotos-das-enchentes-historicas-de-1941-e-de-2024/>. Acesso em: 08 de abril.


As enchentes devastadoras que assolaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024 deixaram um rastro de destruição sem precedentes. Os números são chocantes, e pelo menos 95 vidas foram perdidas, enquanto cerca de 159 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas, tornando-se desalojadas em meio à tragédia (BBC, 2024). A extensão do desastre é impressionante, afetando diretamente 401 dos 497 municípios gaúchos (BBC, 2024). A magnitude das inundações e dos danos resultantes coloca uma pressão sem precedentes nas autoridades locais e nos serviços de emergência, que estão mobilizados para tentar lidar com a crise e prestar assistência às comunidades afetadas. A situação é crítica, mas estudos já apontavam que esse evento climático poderia voltar a acontecer. Um relatório emitido pela Presidência da República através da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, "Brasil 2040: cenários e opções de adaptação à mudança climática", foi solicitado em 2014 durante o mandato de Dilma Rousseff, do PT, e apresentava conclusões alarmantes, incluindo o aumento das chuvas no Sul do país (SAE, 2015).


REUTERS. Casas inundadas perto do rio Taquari após fortes chuvas em Encantado, no RS. Fotografia de Diego Vara. Disponível em: <https://acontece.ens.edu.br/seguradoras-montam-operacao-de-guerra-para-resgatar-ilhados-no-rio-grande-do-sul/>. Acesso em:8 de abril.

         Diante disso, a complexidade dessa problemática que o estado do Rio Grande do Sul enfrenta, exige uma abordagem integrada e de longo prazo, que deve levar em consideração não apenas as questões técnicas, mas também as dimensões sociais, econômicas e ambientais envolvidas. A resposta eficaz a essas enchentes requer um compromisso contínuo com a gestão sustentável dos recursos naturais, o fortalecimento da resiliência das comunidades e a adoção de políticas de desenvolvimento que levem em conta a sustentabilidade.


Essas medidas não devem ser tomadas só regionalmente, e sim globalmente de maneira eficaz, pois nota-se que a enchente em combinação com outros fatores como o desmatamento, a urbanização desordenada, o consumo exacerbado, a impermeabilização do solo e as mudanças climáticas gerais tem demonstrado não só a frequência desses eventos, como também a intensidade que eles estão ocorrendo em todo o mundo (USP, 2019).

A cooperação entre as  nações se tornou uma norma amplamente aceita e promovida após os conflitos devastadores do século XX, conforme observado por Maciel (2009). O amadurecimento das ideias de diplomacia e multilateralismo foi impulsionado não apenas pela experiência das grandes guerras, mas também pela criação de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU desempenhou um papel crucial ao facilitar a cooperação internacional e a formação de regimes internacionais, fornecendo uma estrutura para a resolução de conflitos e questões globais (CCOPAB, 2024). Essa cooperação sistematizada e institucionalizada tem sido fundamental para a manutenção da ordem global e para a melhoria da resolução de problemas complexos, incluindo os desafios das mudanças climáticas (ONU, 2024). Sendo assim, é necessário impulsionar cada vez mais a cooperação internacional, visto que ela é crucial não apenas para enfrentar as consequências imediatas das enchentes, mas também para abordar as raízes profundas desses eventos extremos.

      O debate sobre o enfrentamento às mudanças climáticas começou a tomar forma em 1992, com a ratificação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Este marco estabeleceu metas para estabilizar a situação, com uma ênfase especial na responsabilidade dos países desenvolvidos (CETESB, 2020). Em 1997, surgiu o Protocolo de Quioto, que impôs objetivos vinculativos para a redução das emissões de gases de efeito estufa em mais de trinta nações desenvolvidas, como EUA, Suíça e Noruega. Embora o Brasil não estivesse legalmente obrigado a aderir a essas metas, o país se voluntariou, evidenciando o compromisso do governo em relação ao problema climático. (TILIO NETO, 2010).

   Ao passar dos anos, com o consenso internacional cada vez mais evidente sobre a urgência das mudanças climáticas, o Acordo de Paris que foi adotado durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em dezembro de 2015, na cidade de Paris, França, representa um grande avanço e resposta global sobre o assunto. O acordo estabelece metas ambiciosas para limitar o aumento da temperatura global e promover a transição para uma economia de baixo carbono. No entanto, apesar de sua importância simbólica e política, há críticas sobre sua eficácia prática e capacidade de alcançar seus objetivos. Uma das principais limitações do Acordo de Paris é sua natureza voluntária e não vinculativa. Embora os países tenham se comprometido a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, as metas estabelecidas pelos países signatários são determinadas nacionalmente e não são legalmente exigíveis. Isso levanta preocupações sobre a falta de responsabilização e fiscalização dos países que não cumprem suas promessas de redução de emissões (ONU, 2015)

   Outrossim, o Acordo de Paris enfrenta desafios significativos relacionados à implementação e financiamento das medidas de mitigação e adaptação, pois muitos países em desenvolvimento argumentam que os países desenvolvidos não estão cumprindo suas promessas de fornecer financiamento e transferência de tecnologia para apoiar os esforços de adaptação e mitigação nos países mais vulneráveis. Em suma, a falta de ações concretas e rápidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa pode comprometer seriamente a capacidade de cumprir as metas do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a níveis seguros. Portanto, enquanto o Acordo de Paris representa um passo importante na direção certa, é fundamental que os países também intensifiquem seus esforços e adotem medidas mais ambiciosas e eficazes para enfrentar a crise das mudanças climáticas (ONU, 2015).

   Adicionalmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) desempenha um papel central na busca pela cooperação internacional e na abordagem de desafios globais desde sua fundação em 1945. Reconhecendo a interconexão dos problemas que transcendem fronteiras nacionais, a ONU adotou em 2015 a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Essa agenda abrange 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), cada um delineando metas específicas que os países membros devem cumprir para promover a prosperidade global e proteger o planeta (UFMG, 2021). Em particular, a ONU identifica as mudanças climáticas como uma das maiores ameaças ao desenvolvimento sustentável e à segurança global. 


Refletindo esse compromisso, o ODS 13 estabelece várias metas específicas, como a implementação de políticas e medidas para mitigar as mudanças climáticas, a promoção de educação, conscientização e capacitação sobre a mudança climática, além de fortalecer a capacidade de adaptação e resiliência das comunidades vulneráveis aos impactos climáticos (IPEA, 2019).

Apesar dos inúmeros acordos, tratados e debates entre países em relação às mudanças climáticas conforme exposto nos parágrafos acima, os desastres ambientais continuam a ocorrer e as medidas parecem muitas vezes ineficazes. Isso se deve a uma série de fatores interligados. Primeiramente, a implementação efetiva das medidas acordadas é frequentemente obstaculizada pela política nacional e interesses econômicos conflitantes. Muitos países, especialmente os grandes emissores de gases de efeito estufa, relutam em adotar medidas que possam prejudicar sua competitividade econômica ou sua estabilidade política interna. De igual modo que, a falta de compromisso global uniforme também mina os esforços coletivos, já que países que não ratificaram ou não aderiram a determinados acordos continuam a exercer pressão sobre o meio ambiente global (CEBRI, 2022).

    Outro desafio é a complexidade das mudanças climáticas, que envolvem uma interação intrincada entre fatores ambientais, econômicos, sociais e políticos. As medidas adotadas muitas vezes lidam apenas com aspectos isolados desse problema multifacetado, em vez de abordar suas raízes sistêmicas. Além do mais, a natureza de longo prazo das mudanças climáticas pode levar a uma complacência generalizada, especialmente quando os impactos imediatos não são percebidos de forma direta e isso resulta em uma falta de urgência na implementação de medidas robustas e sustentáveis (CEBRI, 2022).

Diante dos desafios climáticos globais evidenciados pelas enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul em 2024, torna-se incontestável a urgência de uma resposta coletiva e sustentável. Os eventos extremos que assolaram a região não apenas ressaltam os impactos diretos das mudanças climáticas, mas também destacam a necessidade de uma abordagem integrada em escala global. Enquanto os acordos internacionais, como o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, representam passos significativos e precisam que sejam acompanhados por ações mais ambiciosas e eficazes. A cooperação internacional, liderada pela ONU, deve ser fortalecida, e os compromissos assumidos pelos países devem ser rigorosamente implementados. Somente por meio de uma abordagem holística e colaborativa, podemos enfrentar os desafios das mudanças climáticas e construir um futuro mais seguro e sustentável para as gerações presentes e futuras.


 

REFERÊNCIAS:

REVISTA, C. A crise ambiental-climática e os desafios da contemporaneidade: o Brasil e sua política ambiental. Disponível em: <https://cebri.org/revista/br/artigo/21/a-crise-ambiental-climatica-e-os-desafios-da-contemporaneidade-o-brasil-e-sua-politica-ambiental>. Acesso em: 9 maio. 2024.

A Convenção sobre Mudanças Climáticas. Disponível em: <https://cetesb.sp.gov.br/proclima/a-convencao-sobre-mudancas-climaticas/>. Acesso em: 9 maio. 2024

ODS 13 - Ação Contra a Mudança Global do Clima - Ipea - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/ods/ods13.html>. Acesso em: 9 maio. 2024.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – Espaço do Conhecimento UFMG. Disponível em: <https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/os-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel/>. Acesso em: 9 maio. 2024.

Sustainable Development Goal 13: Ação contra a mudança global do clima. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/13>. Acesso em: 9 maio. 2024.

Acordo de Paris sobre o Clima. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/88191-acordo-de-paris-sobre-o-clima>. Acesso em: 9 maio. 2024.

Alterações climáticas provocam aumento de enchentes. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/alteracoes-climaticas-provocam-aumento-de-enchentes/>. Acesso em: 9 maio. 2024.

ECO DEBATE. Aquecimento global torna as chuvas mais irregulares. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2024/05/01/aquecimento-global-torna-as-chuvas-mais-irregulares/. Acesso em: 31 maio 2024.

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