top of page
OBSERVATÓRIO | Isabelle Neves

Empoderamento Feminino: O Caso do Feminismo Marroquino no Mundo Árabe-Muçulmano

Os movimentos femininos no Marrocos têm evoluído progressivamente e com um caráter cada vez mais significativo, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento social do país desde o processo de independência. O feminismo, nesse contexto, não apenas representou uma busca pela igualdade de gênero, mas também serviu como uma estratégia de resistência contra a colonização. No entanto, para compreender plenamente como o feminismo adquiriu influência no Marrocos, é essencial examinar sua história.

Devido à sua localização geográfica estratégica, situada entre a Europa, a África Subsaariana e o Norte da África, o Marrocos foi um ponto de interseção entre vários grupos étnicos que deixaram seu legado no território. Com a consolidação da dinastia Alawite de sharis no século XVII, dinastia muçulmana que governa Marrocos onde seus membros se consideram descendentes do Profeta Maomé, o País estabeleceu um sistema politico monárquica.

No início do século XX, mediante às ameaças imperialistas ocidentais, principalmente a francesa, e a vulnerabilidade do povo marroquino, pensadores como Jamal el-Din al-Afghani (1839 – 97) e Mohammed Abdou (1848 – 1905) iniciam um ideal desenvolvimentista que buscava uma reforma na civilização muçulmana e uma libertação mediante a reinterpretação dos textos sagrados. Dessa forma, surge o movimento reformista conhecido como Salafiya, baseado no lema de lutar contra a colonização por meio da educação para todos, principalmente para jovens e mulheres.

Na visão de Fátima Harrak (2008: 56) Um dos grandes méritos dos Salafistas foi, portanto, o de ter lançado uma verdadeira campanha a favor da educação das mulheres, primeiro e importante passo em direção a sua emancipação. Concomitantemente aos pensadores salafistas, os nacionalistas marroquinos se mostravam preocupados com a submissão total das mulheres marroquinas, e em 1930 reivindicava a criação de um ensino apenas para mulheres. Entretanto, em 1937 os nacionalistas vão perdendo espaço de fala mediante a sua aproximação com o pensamento Ocidental e ao afastamento da questão religiosa, dando espaço para que o movimento Salafiya ganha total notoriedade entre os civis.


Por outro lado, o movimento tinha um carácter mais intelectual, voltado para análise e não imposição de pensamento, o que resultou em vários posicionamentos antagônicos sobre a releitura dos textos sagrados em relação à emancipação feminina, repartindo os salafistas em três vertentes: a retaguarda, que ainda exigia o uso do véu e a separação dos sexos como condição sine qua non à expansão da educação das meninas; os conservadores acreditavam que as jovens podiam ir à escola, mas apenas às escolas para mulheres e preferivelmente escolas livres criadas pelos nacionalistas, elas podiam trabalhar, mas nas profissões de mulheres; e os salafistas esclarecidos que seriam aqueles que tentavam manobrar as mudanças numa direção favorável ao islamismo e não contra ele. (Harrak, 2008:58-60).


Nesse sentido, podemos perceber que o feminismo secular , o qual tem por objetivo as lutas nacionalistas anti-coloniais, declínio dinástico e independência de alguns países, e a busca pelo fim do colonialismo europeu andavam lado a lado em Marrocos. A partir do início da luta pela independência na década de 1940, os partidos políticos estabeleceram organizações femininas internas. Por exemplo, o partido comunista criou a União das Mulheres Marroquinas, enquanto o partido Istiqlal estabeleceu a Seção Feminina em 1944. Em 1947, surgiu a primeira associação de mulheres no país, conhecida como “As Irmãs da Pureza” que representava, nesse momento, as mulheres que se colocavam como pensadoras e escritoras.


Embora a questão da autonomia feminina tenha ganhado notoriedade com todo esse movimento. Nota-se que com a promulgação do Moudawana, ou Código do Estatuto Pessoal do Marrocos, em 1957, houve um freio da libertação feminina. Visto que, era um código desenvolvido por meio de uma interpretação rígida da xaria, reafirmando a submissão de gênero e separação sexista dos cargos civis.

Apesar disso, a vontade das mulheres em adquirirem seus direitos civis continuaram mesmo não tendo ligação com os detentores do poder. Com isso, as mulheres sindicalistas assumiram o comando e deram ritmo à luta com a criação da primeira organização independente de mulheres, em 1960. Entretanto, foi apenas em 1980 que o movimento feminista marroquino voltou a tomar ‘força’ para lutar pelos seus direitos.

Por mais que o anseio pelos direitos garantidos fossem o objetivo e a motivação para a retomada do movimento, percebe-se, também, que o aparecimento do feminismo islâmico no final do século XX, com o ideal mais reformista logo em um período pós-colonial onde as Nações estavam em caos para começar a desenvolver uma economia prospera como também, manter a religião como base de toda sociedade, acarretou uma nova onda feminista no Marrocos mais institucionalizada e organizada que passariam por, pelo menos, três fases:


  • Na primeira fase: Houve a criação do jornal 8 de março, que era voltando para questões femininas, onde escritoras davam seus posicionamentos, principalmente, sobre a lei da família.

  • Já na segunda fase: Desenvolveram-se as primeiras estruturas de ação como o comitê de mulheres nas universidades, criados por ativistas da União Nacional dos Estudantes do Marrocos, e a associações de mulheres criadas nos centros de juventude

  • Por fim, a terceira fase:Criou-se a Associação Marroquina de Direitos Humanos, em 1979, e também a ratificação da Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a mulher (CEDAW) pela ONU.

Em meio a tantos acontecimentos de emancipação feminina, no ano de 1993, houve um encontro dos diferentes ciclos femininos em prol da reformulação do Moudawana que foi o motivo central das lutas por quatro meses. Podemos, então, perceber uma ação em comum do feminismo secular e o islâmico, caracterizando um avanço social para a Nação. O que resultou em uma estratégia proposta pelo governo, em 1998, que visava fortalecer a participação da mulher no desenvolvimento do país, entretanto, a proposto não foi bem aceita pelos civis. Segundo a autora Benlabbah (2008;101):

Houve uma mobilização sem paralelo, tanto das forças progressistas como das conservadoras, que deu origem a duas grandes manifestações paralelas, uma a favor do plano, nas ruas de Rabat, a capital política, outra contra, em Casablanca, a capital econômica . O confronto e o desacordo fizeram com que o projeto de integração das mulheres no desenvolvimento fosse suspenso. Benlabbah (2008;101)

Seguindo com o objetivo do movimento, de 1999 até 2002 desenvolveu-se um mecanismo de apoio ao Projeto de integração que ficou conhecido como “Primavera da Igualdade” e ambos movimentos queriam passar uma mensagem de modernização. Afirmavam, em primeiro lugar, que a sociedade marroquina mudou e a lei deve acompanhar estas mudanças e promover o bem-estar dos indivíduos e da comunidade.(Benlabbah 2008;101) como também, pregavam que a lei muçulmana é produto de um contexto histórico e sociológico (século VIII) e não poderia constituir um quadro suficiente para fornecer respostas às situações complexas de hoje. (Benlabbah 2008; 102).

Em virtude de todos esses movimentos, de forma Histórica, em 2004, O rei Mohammed VI toma declara a mudança no Moudawana. Considerando que a imposição já praticada pelos governos marroquinos, o rei criou uma comissão consultiva formada por homens e mulheres de pensamentos e vivências diferentes e assim conseguiu, sem confrontos, promulgar a reformulação do código.

A primeira mudança que podemos notar é a alteração da nomenclatura, que deixaria de chamar Código do Estatuto Pessoal, e seria chamado de Código da Família. Seguindo em relação aos avanços da mulher, Benlabbah (2008; 102 – 104) afirma que o novo código:


(a) o surgimento de um novo conceito, o de corresponsabilidade, em que marido e mulher têm responsabilidade conjunta sobre a família; (b) a continuidade da tutela para a mulher para que possa se casar; (c) o aumento da idade mínima do casamento de 15 para 18 anos; (d) a prática da poligamia desde que consentida pela esposa ou autorizada por um juiz; (e) o condicionamento do repúdio à autorização prévia de um juiz, o que era direito exclusivo do marido; (t) a possibilidade de pedido de divórcio por parte da mulher, que antes somente era aceita sob condições excepcionais. (Benlabbah 2008; 102 – 104)

A fim de alcançar todos os civis do Marrocos, o rei Mohammed VI desenvolveu uma forma de propagação no novo código atrás de plataformas educacionais como o quadrinho “conte-me sobre a nova reforma”. Nota-se, então, uma maior ligação entre os anseios dos civis e o reinado atual, sem perder a tradição cultural e, ao mesmo tempo, incluir a modernização.

Destaca-se, então, que a luta das feministas marroquinas em alcançar sua emancipação no mundo, se deu com muitas lutas e a vontade de auxiliar a causa por parte dos governantes locais. Em suma, o movimento feminista no Marrocos se desenvolveu de forma lenta e gradual, não apenas servindo como a representatividade da igualdade de gênero, mas também como estratégia de resistência anti-colonial.

Por fim, o feminismo marroquino representa a força, persistência e a luta podem causar mudanças significativas na sociedade, visto que, as conquistas de hoje são fruto de uma luta constante. Todo o processo do movimento exemplifica a necessidade de uma colaboração entre os movimentos de emancipação na busca dos seus objetivos. Salienta-se que o Marrocos não está livre de amarras sexistas e patriarcais, as mulheres seguem lutando, principalmente por alterações na lei da família, mas as conquistas até aqui revelam um potencial enorme nas mulheres da região.



 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABUN-NASR. The salafiyya movement in Morocco. Middle Eastern Affairs, n.º 3, Londres, 1963.Disponivel:<https://www.econbiz.de/Record/the-salafiyya-movement-in-morocco-the-religious-bases-of-the-moroccan-nationalist-movement-abun-nasr-jamil/10001815504> Acesso em: 01nov.2023

BENLABBAH, F. Islam y derechos de la mujer en Marruecos. Cadernos Pagu, [S. l.], n.30,p.95–106,2016.Disponível:<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644849.> Acesso em: 2 nov. 2023.

EDDOUADA, Souad. Feminismo no Marrocos: entre o local e o global. Sur — Revista Internacional de Direitos Humanos, vol.13, n.24, p.65 – 74, 2016. Disponivel:< https://sur.conectas.org/wp-content/uploads/2017/02/6-sur-24-por-souad-eddouada.pdf> Acesso em: 01nov.2023

HARRAK, Fatima. Réflexions sur l’apport de la Salafiya à l’évolution des femmes marocaines – 1930-1953. Memorial de Mestrado sob a direção de Madeleine Rébérioux e René Galissot, Université Paris VIII, 1975.Disponível:< https://www.scielo.br/j/cpa/a/BDPkCbbkXXHMNtpSgCXvsXg/?format=pdf> Acesso em: 2 nov.2023


18 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page