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Entre Grades e Peles: A Guerra Invisível contra os Jovens Negros Uma análise internacional sobre o racismo estrutural e a marginalização da população jovem negra

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  • há 3 dias
  • 6 min de leitura

Atualizado: há 9 horas

Autora: Kailane França (Observatório Político Internacional)


A marginalização dos povos negros é uma realidade que ultrapassa fronteiras e se manifesta de formas distintas em diversas partes do mundo. Embora o Brasil seja o país com a maior população negra fora do continente Africano, o racismo estrutural e a violência institucional contra pessoas negras são fenômenos compartilhados globalmente, sendo, muitas das vezes, silenciados para que não percebam as violações estridentes dos direitos humanos cometidos, especialmente nas Américas e na Europa.


A Teoria Pós-colonial examina como o legado do colonialismo europeu continua a afetar o mundo atualmente, especialmente as relações entre países e povos. Nas Relações Internacionais, ela critica a forma como as teorias dominantes (como o realismo e o liberalismo) ignoram a raça, a cultura e a história colonial. A principal ideia é que o sistema internacional atual ainda é estruturalmente desigual, pois foi construído com base na exploração, escravidão e colonização de povos negros, indígenas e outros não europeus. Aimé Césaire, um dos fundadores do movimento Negritude, denunciava essa contradição em sua obra Discurso sobre o Colonialismo (1950), mostrando como as potências europeias pregavam democracia, direitos humanos e desenvolvimento, mas ao mesmo tempo mantinham práticas de violência, exploração e exclusão contra povos negros e colonizados.


No clássico Os condenados da Terra, Fanon (1961) analisa de forma incisiva os efeitos desse colonialismo e do racismo existente sobre os povos subjugados. Para o autor, a colonização não se limita ao domínio político e econômico, mas se realiza como um processo de desumanização psicológica e cultural, impondo ao colonizado uma sensação de inferioridade e exclusão, onde, além de ocupar os territórios dos povos, o colonizador também impõe uma visão de mundo que inferioriza tudo o que pertence ao colonizado - como sua língua, sua cultura, sua história, sua espiritualidade.


Esse processo leva o sujeito colonizado a internalizar em si a ideia de que é "menor" ou "menos humano" do que o colonizador. Fanon descreve isso em termos de um sentimento de inferioridade, resultado de viver constantemente sob um olhar racista que associa brancura à civilização e negritude à barbárie. Tendo assim uma inversão de valores, onde o colonizado passa a desejar viver os padrões do colonizador, rejeitando a sua própria raiz. Essa lógica de negação de si e de reprodução da violência estrutural não ficou restrita ao período colonial: o que, infelizmente, tem sido cada vez mais notório nos nossos dias. No Brasil, dados alarmantes indicam que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, segundo a reportagem da BBC, 2016. Essa estatística é reflexo de um sistema que criminaliza corpos negros e reforça a exclusão social, muitas das vezes através da ação direta de instituições do Estado, que, ao invés de serem agentes de transformação, passam a ser agentes que estagnam o processo e a luta contra a marginalização dos povos negros e a inclusão desses jovens no mundo da criminalidade.


Em abril de 1989, cinco jovens, sendo quatro afro-americanos e um latino - com idades entre 14 e 16 anos - foram presos acusados injustamente de estuprar e agredir brutalmente uma corredora no Central Park, em Nova York, nos EUA, caso amplamente noticiado pela Revista Veja (2023). Coagidos a confessar o crime depois de horas de interrogatórios sem a presença de maiores responsáveis ou advogados, além das suas confissões, não haviam provas materiais contra nenhum deles. 13 anos depois, um homem chamado Matias Reyes assumiu a autoria do crime, onde as acusações contra os 5 rapazes foram retiradas. Um dos erros judiciais mais famosos da história dos Estados Unidos que levantou discussões sobre o racismo no sistema judiciário norte americano.


Esse padrão de violência institucional também é observado em casos como o de George Floyd, assassinado por um policial branco em 2020, que escancarou o racismo sistêmico presente nas forças de segurança norte-americanas. A história de George Stinney, menino negro executado injustamente aos 14 anos durante o regime de segregação racial nos EUA, é outro exemplo da brutalidade racial institucionalizada. Esses episódios não são acontecimentos isolados, mas evidenciam como estruturas coloniais de hierarquização racial continuam a produzir vidas consideradas descartáveis.


É justamente essa permanência histórica que Walter Mignolo (2003), em sua obra A Colonialidade do Saber e em trabalhos posteriores, ajuda a compreender ao apresentar o conceito de colonialidade do poder/saber/ser. O autor destaca como as hierarquias raciais e epistêmicas forjadas no colonialismo seguem estruturando o mundo contemporâneo. Ou seja, além de classificar povos como “superiores” e “inferiores” biologicamente, o colonialismo estabeleceu também uma hierarquia de saberes: o conhecimento europeu foi colocado como universal, científico e legítimo, enquanto os saberes dos povos colonizados foram marginalizados, folclorizados ou tratados como superstição. Para Mignolo, mesmo após o fim formal do colonialismo, persiste uma lógica global que privilegia conhecimentos e valores eurocêntricos, marginalizando saberes, práticas e sujeitos do Sul Global. Nesse contexto, a juventude negra, ao reivindicar seus próprios referenciais culturais e históricos, atua como força de resistência contra esse sistema colonial, afirmando-se não apenas como objeto, mas como sujeito produtor de conhecimento e transformação social.


Uma reportagem exibida pelo Fantástico em 2021 trouxe dados alarmantes: 83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil são pessoas que compartilham o mesmo perfil — jovens, pobres e negros. Esse dado reforça o papel do racismo institucional na criminalização da população negra, sistematicamente associada à criminalidade. Essa realidade dialoga com a experiência histórica dos Estados Unidos, onde, apesar do fim das leis de segregação racial (Jim Crow), a discriminação contra pessoas negras persiste por meio de mecanismos legais e estruturais. Assim como no Brasil, onde o sistema de justiça penal contribui para a marginalização da população negra, conforme apontado pelo Brasil de Fato (2024), os Estados Unidos enfrentam uma longa trajetória de discriminação, hoje travestida em práticas modernas de controle social e encarceramento em massa.


Esta marginalização histórica e estrutural tem sido um fator determinante para a inserção de jovens negros no tráfico de drogas em diversos países. No Brasil, nos Estados Unidos e na África do Sul, observa-se que o racismo sistêmico, aliado à exclusão social e à falta de oportunidades, contribui para que esses jovens sejam desproporcionalmente afetados por políticas de combate às drogas que, muitas vezes, reforçam desigualdades existentes, como pontuado pelo Le Monde Diplomatique Brasil (2025).


Analisar o mundo a partir dos estudos sobre o colonialismo e o período pós-colonial, abrange o nosso olhar para como a raça, o racismo e eurocentrismo moldam a ordem internacional, onde Estados e instituições internacionais, muitas vezes, reproduzem a marginalização dos povos negros, permitindo discutir como a desigualdade racial global está enraizada em processos históricos como a escravidão, a colonização e o imperialismo e quais são os meios necessários para o combate desta desigualdade. Em entrevista com a BBC News Brasil, o autor da trilogia sobre a Escravidão no Brasil, Laurentino Gomes, afirma que “a contribuição africana é essencial não apenas do ponto de vista econômico e cultural, mas na própria formação dos valores das sociedades ocidentais”. No entanto, essa herança segue sendo invisibilizada e desvalorizada.


Logo, combater a marginalização dos povos negros exige uma abordagem internacional e interseccional. É preciso enfrentar o racismo estrutural com políticas públicas eficazes, educação antirracista, representatividade nos espaços de poder e cooperação entre países para promover justiça racial. O sonho de Martin Luther King Jr., de uma sociedade em que as pessoas não sejam julgadas pela cor da pele, ainda é uma utopia distante — mas continua sendo uma meta inadiável para as democracias modernas. É necessário nos posicionarmos para darmos voz para aqueles que foram silenciados e enterrados pelo racismo, evidenciando suas histórias apagadas e transformando a dor em resistência e luta por dignidade, reafirmando o valor da vida dos povos negros.


Frantz Fanon (1961) nos lembra que a libertação exige não apenas transformações políticas, mas também a reconstrução da identidade e da subjetividade de quem foi desumanizado pelo colonialismo, um processo em que a juventude negra desempenha papel central como agente de mudança e de resistência. Aimé Césaire (1950) denuncia como as potências coloniais falam em democracia e direitos humanos enquanto mantêm sistemas de exploração e exclusão, reforçando que a luta contra a marginalização da juventude negra é inseparável da busca por justiça global. Walter Mignolo (2003) evidencia que a colonialidade do poder, do saber e do ser ainda organiza o mundo contemporâneo, perpetuando hierarquias raciais que restringem oportunidades e invisibilizam os saberes e vozes do Sul Global.


Portanto, é urgente que a sociedade contemporânea reconheça a importância da juventude negra como protagonista na transformação social, enfrentando as estruturas que reproduzem sua marginalização. Valorizar suas experiências, conhecimentos e demandas é essencial para construir um futuro em que a igualdade racial deixe de ser apenas um ideal e se torne realidade concreta, permitindo que essa juventude não apenas resista, mas lidere processos de mudança política, cultural e social, trazendo de volta o seu protagonismo na sua própria história.


BIBLIOGRAFIA


BBC. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. BBC Brasil, 2016. Disponível em:https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/07/160707_jovem_negro_morte_lgb. Acesso em: 25 set. 2025.


BRASIL DE FATO. Racismo estrutural e o sistema de justiça penal no Brasil. Brasil de Fato, 2024. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br. Acesso em: 25 set. 2025.


CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Paris: Présence Africaine, 1950. FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961.


LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL. O racismo estrutural e o tráfico de drogas. Le Monde Diplomatique Brasil, 2025. Disponível em: https://diplomatique.org.br. Acesso em: 25 set. 2025.

MIGNOLO, Walter. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, 2003.


VEJA. Os cinco do Central Park: caso que chocou os EUA. Revista Veja, 2023. Disponível em: https://veja.abril.com.br. Acesso em: 25 set. 2025.


GOMES, Laurentino. Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.




 
 
 

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