Entre o Paraíso e a Exploração: A Natureza perversa do Turismo Sexual e do Tráfico de Pessoas na Tailândia
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Por: Isabela Pitangueira | Observatório
O turismo sexual e o tráfico de pessoas são problemas estruturais na Tailândia, com profundas raízes econômicas, sociais e políticas. Este comércio causa graves violações aos direitos humanos e prejudica a imagem internacional do país, no entanto, por gerar lucros generosos para setores poderosos, as autoridades tailandesas não tomam nenhuma grande medida para o fim das práticas.
A Tailândia consolidou-se como um dos principais destinos de turismo sexual a partir da Guerra do Vietnã (1955-1975), quando a presença militar dos EUA no Sudeste Asiático fomentou a demanda por prostituição. Desde então, o país estruturou uma economia informal altamente lucrativa em torno do comércio sexual. Esse processo foi sustentado por diversos fatores, entre os quais a pobreza em regiões rurais, que empurra mulheres e crianças para redes de exploração; a falta de alternativas econômicas para as famílias de baixa renda; e as autoridades locais - que protegem estabelecimentos envolvidos no tráfico. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o turismo sexual movimenta bilhões de dólares anualmente na Tailândia, integrando-se às cadeias transnacionais do crime organizado, à lavagem de dinheiro e ao turismo predatório.
Sob a perspectiva da teoria marxista (MARX, 1996), o tráfico sexual pode ser entendido como um produto do capitalismo global, no qual a exploração de corpos vulneráveis é instrumentalizada para acumulação de capital. Neste processo, o corpo humano é mercantilizado e transformado em um mero objeto de consumo para turistas estrangeiros. A burguesia local e internacional lucram, enquanto as vítimas, pessoas abusadas e/ou forçadas à prostituição, permanecem em condições degradantes ou análogas à escravidão.
A Tailândia enfrenta uma série de consequências sociais graves decorrentes do tráfico para fins de exploração sexual. Em primeiro lugar, as vítimas, em sua maioria mulheres e crianças, sofrem traumas psicológicos, emocionais e físicos profundos. Esses indivíduos são forçados a viver em condições de abuso constante, afetando sua saúde mental, autoestima e capacidade de reconstruir-se para uma vida sadia. Em dezembro de 2024, Meaw, uma adolescente tailandesa, foi vítima de tráfico sexual, explorada por um casal de traficantes que a forçava a atender clientes em hotéis. Em uma operação planejada, a polícia e a equipe da The Exodus Road (organização de combate ao tráfico) interceptaram Meaw durante um encontro, resgatando-a. Ela colaborou com as autoridades, fornecendo informações cruciais para incriminar seus exploradores. Atualmente a jovem está segura e recebendo apoio pós-trauma.
O tráfico sexual representa um grave entrave ao progresso econômico da Tailândia, alimentando um mercado ilegal que movimenta bilhões de dólares anuais, mas que, longe de contribuir para o desenvolvimento nacional, corrompe instituições e distorce a economia. Apesar de sua aparente lucratividade, essa indústria clandestina desvia recursos que poderiam ser investidos em setores produtivos, distorce o mercado de trabalho em que perpetua a exploração de mão de obra forçada e barata e enfraquece a economia formal, ao competir deslealmente com negócios legítimos.
Ademais, essa prática traz outras consequências indiretas que impactam a economia de diversas formas, a exemplo do que ocorre com os sobreviventes, que enfrentam dificuldades para se reintegrarem ao mercado de trabalho devido aos traumas físicos e psicológicos e que, adicionalmente, elevam os custos do Estado, que tem que arcar com despesas adicionais em saúde mental, assistência social e programas de reabilitação. Por fim, a exclusão social de ex-vítimas reduz a força de trabalho qualificada, limitando o potencial de crescimento econômico do país.
A associação da Tailândia ao turismo sexual tem afastado visitantes que buscam destinos éticos e seguros. Um bom exemplo disso é o caso de Pattaya que através de uma pesquisa da Universidade de Bangkok revelou-se que 78% dos entrevistados associam a cidade diretamente à prostituição, levando uma queda de 22% no turismo familiar entre 2018 e 2023 e o cancelamento de 3 cruzeiros de luxo em 2022 por preocupações éticas. Sendo assim, mesmo tendo a Tailândia tentado promover uma imagem de “paraíso turístico cultural”, continua sendo associada ao turismo sexual, consequentemente estigmatizando a sua imagem diante da internacional.
A situação da Tailândia reflete o que Teotonio dos Santos (1978) caracteriza como uma dependência estrutural, na qual as relações econômicas e sociais são moldadas para atender aos interesses do capital internacional. Nesse modelo, a elite local atua como mediadora dos interesses externos, reforçando uma dinâmica de subordinação e bloqueando qualquer tentativa autônoma de desenvolvimento. Assim, perpetua-se uma ordem em que a exploração de seus recursos humanos e econômicos serve à manutenção da riqueza dos países centrais, enquanto a desigualdade interna é sistematicamente aprofundada.
Os impactos do turismo sexual e do tráfico humano na Tailândia revelam uma encruzilhada histórica para o país. Com base nas informações apresentadas anteriormente, é indiscutível que o modelo econômico atual do país compromete o desenvolvimento sustentável ao perpetuar desigualdades e dependência de atividades ilegais, impõe custos econômicos crescentes, desde perdas turísticas até barreiras ao investimento estrangeiro qualificado e a danificação irreparável do capital social ao normalizar a exploração humana.
Portanto, as mudanças necessárias para a mudança do país em relação ao tráfico sexual e tráfico de pessoas exige uma transformação estrutural que vá além de medidas cosméticas. A Tailândia precisa reposicionar sua marca nacional através de certificações internacionais de turismo ético e políticas transparentes de compliance, diversificar sua economia com investimentos em setores de tecnologia e indústrias criativas e fortalecer o Estado de Direito com reformas judiciais que combatam a corrupção e a impunidade. Sem reformas profundas e uma ruptura definitiva com práticas que sustentam a exploração, a Tailândia continuará refém de um ciclo de violência e degradação que compromete seu futuro e sua credibilidade internacional.
Referências
DOS SANTOS, Teotonio. A teoria da dependência: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. Acesso em: 27 abr. 2025.
Goff, P. Tráfico de pessoas na Tailândia. The Exodus Road, 2022. Disponível em: https://theexodusroad.com/pt/human-trafficking-in-thailand/. Acesso em: 8 Abr. 2025.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 1: O processo de produção do capital.
Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Economistas). Acesso em: 8 Abr. 2025.
Minas, E. de and Minas. Fim da prostituição na capital tailandesa do vício: uma ilusão. Estado de Minas, 2017. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2017/04/19/interna_internacional,863483/fim-da-prostituicao-na-capital-tailandesa-do-vicio-e-uma-ilusao.shtml. Acesso em: 8 Abr. 2025.
Piña, G. Adolescente libertada de rede de tráfico na Tailândia. The Exodus Road, 2014. Disponível em: https://theexodusroad.com/pt/operation-outnumbered/. Acesso em: 8 Abr. 2025.
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