Daniel Dias
Natália Meira
A "final girl" vem de uma convenção comum nos filmes de terror, especialmente no subgênero slasher, onde uma jovem mulher é a última sobrevivente após confrontar o vilão. Ela geralmente se destaca por ser mais "pura" ou por demonstrar uma astúcia e resiliência que seus amigos não têm. O termo foi cunhado pela primeira vez pela professora Carol J. Clover em sua obra “Men, Women, and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film” (1992), tornando-a precursora no estudo deste fenômeno. Em seu livro, a autora investiga o papel da mulher “sobrevivente” dos filmes de terror e como as dinâmicas de gênero atuam dentro desta perspectiva, abrindo espaço para a discussão do estudo da teoria feminista, a partir da lente dos filmes que replicam estereótipos socialmente associados à mulheres, e de como elas se comportam, mesmo em situações atípicas.
Durante sua análise, Carol Clover enfatiza alguns aspectos frequentes e notáveis em filmes que utilizam este fenômeno. Estas garotas, em grande parte das vezes, são representadas como puras, dotadas de santidade e fragilidade, e seu destino final como sobrevivente representa, na realidade, uma recompensa por este comportamento “feminino” e recatado. Esse conceito é bem explorado em clássicos do terror como Halloween - com a personagem Laurie Strode - e Sexta-Feira 13 (com Alice Hardy). Além disso, a representação gráfica de violência nestes filmes, quando compara-se a mulher e o homem, é totalmente discrepante: os momentos de tensão de personagens femininas são repletos de representações e conotações sexuais, além de sempre possuírem um caráter torturante e até fetichizado, com cenas que levam um grande período de tempo, enquanto os momentos de luta masculina são sempre recheados de coragem, representações de bravura e, claro, são curtas para que este sofrimento não seja tão duradouro como o das mulheres.
Desse modo, no âmbito das Relações Internacionais, é possível observar conceitos que relacionam-se diretamente com o estudo de Clover. Na publicação “Feminismo, Gênero e Relações Internacionais”, Barasuol e Zanella (2023) discorrem sobre como Elshtain, em sua obra mais influente, Women and War (1987), traça uma análise dos mitos que moldaram as percepções sobre homens e mulheres ao longo da história, especialmente no contexto de conflitos. Ela identifica dois arquétipos dominantes: o "homem, guerreiro" e a "mulher, linda alma". O primeiro representa o masculino ativo, forte e corajoso, destinado à ação e ao combate; o segundo, o feminino passivo, frágil e moralmente superior, associado à pureza e à proteção da vida. Essas barreiras excludentes estão profundamente enraizadas em uma visão fundamental de gênero, que defende a ideia de que os comportamentos sociais de homens e mulheres derivam diretamente de suas diferenças biológicas (BARASUOL, ZANELLA, 2023). Esse pensamento mantém vivos estereótipos amplamente disseminados que atribuem características específicas a cada gênero. Mulheres são frequentemente vistas como mais pacíficas, cuidadoras e emocionalmente sensíveis, enquanto os homens são percebidos como naturalmente mais agressivos, lógicos e racionais.
À vista disso, questionamentos acerca deste padrão frequentemente reproduzido em filmes do gênero começaram a surgir e, a partir dos anos 80, filmes do subgênero slasher começaram a apresentar protagonistas que diferem-se, em partes, deste estereótipo. Um marcante exemplo é Sidney Prescott, da franquia Pânico (1996), personagem feminina que, apesar de, a princípio, ser uma adolescente padrão e inocente, ao longo do filme revela-se como uma mulher forte e combatente, característica comumente associada à homens. Essa mudança na construção da protagonista feminina reflete uma resposta ao público e à crítica, que começaram a questionar o papel das mulheres no cinema de terror. Antes, as mulheres eram frequentemente vistas como vítimas indefesas, mas personagens como Sidney marcaram uma transformação importante ao demonstrar que as mulheres podem ser tanto heroínas quanto sobreviventes, combatendo de igual para igual os seus agressores.
Atualmente, o tropo das “final girls” reformulou-se e tem sido amplamente discutido nos últimos anos devido ao seu novo caráter subversivo no que tange estereótipos femininos. Inicialmente retratadas como figuras vulneráveis que sobrevivem aos horrores por serem moralmente puras ou recatadas, as “final girls” modernas evoluíram para personagens mais complexas e multifacetadas, desafiando expectativas de passividade. Agora, elas são retratadas com maior força e imperfeições, abrindo espaço para novas narrativas e percepções do gênero feminino.
nunca tinha pensado sobre isso! muito interessante analisar essa relação. ótimo texto!