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Guerra das frutas: os conflitos do Brasil na OMC

Heide V. Sousa & Lucas T. Lopes - CENINT


A Organização Mundial do Comércio (OMC) já serviu de palco para apaziguar grandes disputas econômicas internacionais. Neste cenário, a organização vem mediando casos de Estados-Membros a fim de averiguar práticas ilegais sob o comércio global, como as de protecionismo, por exemplo. O uso de práticas econômicas para prejudicar outros países, como aplicação de embargos e a prática de dumping, se intensificaram durante o período da Guerra Fria, e desde a formação da OMC em 1995 se tornaram estratégias ilegais dentro da ordem internacional. Em sua estrutura, além dos encontros anuais do Conselho Geral, em que os membros tomam decisões com a participação do Secretariado, devemos nos atentar ao Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), mecanismo responsável pela função de mediação de conflitos comerciais de países-membros da organização e suas práticas de comércio. Por mais que o órgão se encontre paralisado, a OMC mantém sua participação na mediação de conflitos bilaterais.


Levando em conta as diferentes fases que o sistema internacional teve após a 2° Guerra Mundial, a sua atuação na resolução de conflitos vem sendo questionada por diplomatas e analistas de diferentes segmentos sobre as decisões envolvendo países dos eixos norte-sul e sul-sul global. Nesse cenário, o Brasil é um país que participa ativamente das mediações, tanto como indiciado quanto levando países aos tribunais internacionais para disputar condições de comércio desfavoráveis, como nos casos presentes que vamos analisar.


Presenciamos uma verdadeira “guerra das frutas”: Tribunais como o campo de batalha, os diplomatas e ministros apresentam papeladas e planilhas de plantios, com coletes de tecido arguindo sobre a produção e distribuição de laranjas e açaí no mundo. Os conflitos com as práticas protecionistas com a exportação de laranjas nos Estados Unidos e a distribuição de açaí no japão são casos emblemáticos do comércio exterior que chamam atenção no comportamento do Brasil e da OMC na economia mundial.


No início dos anos 2000, houve uma controvérsia entre os Estados Unidos e o Brasil relacionado à exportação de suco de laranja para os estadunidenses. O Brasil, desde a década de 80, é o grande exportador de suco de laranja mundialmente e possui diversidade em suas produções. Aqui, a produção do suco não concentrado (NFC) tem crescido dentre os subprodutos brasileiros. Por ter mais água em sua composição, o seu valor em dólares se torna menor, concernindo barreiras tarifárias menores sobre esse produto.


Rafael Barreiros da Silva e FAOSTAT, 2016


Com o crescimento dessa indústria no país (tendo sido projetados o aumento de 2,1 milhões de toneladas para 2,4 milhões em exportações no ano de 2015), o Ministério da Agricultura e Pecuária objetivou em sua agenda estratégica a redução das tarifas alfandegárias nos mercados importadores da bebida brasileira através do Itamaraty com uma função de análise das proteções utilizadas por outros países contra o suco.


A partir de 2004, os Estados Unidos começaram um processo de investigação de dumping - que consiste em quando empresas diminuem o valor de seus produtos para que eles se destaquem onde já há um mercado consolidado e eliminem a concorrência. - sobre a importação. Após o início do processo, o governo brasileiro abriu uma solicitação de parecer ao governo dos EUA, utilizando o mecanismo de solução de disputas da OMC, a respeito da prática meramente protecionista ``zeroing´´, que estava sendo usada pelos norte-americanos sobre o suco de laranja de exportadores brasileiros ao entrarem nos EUA. Esse processo não chegou em um consenso pelas duas partes, o que resultou em um pedido formal de abertura de um painel por parte do Brasil em 2009.


Após a investigação incitada pelo governo brasileiro, houve um acordo e o recuo da medida antidumping utilizada pelos Estados Unidos, que estava sendo considerada uma barreira tarifária absurda ao suco exportado pelas empresas Cutrale e Grupo Fischer. Por meio do Órgão de Soluções de Controvérsias, o Brasil conseguiu reverter uma medida de um país com influência superior a ele, que ameaçava uma produção de extrema relevância.


Outra controvérsia comercial envolvendo o Japão e o Brasil na patente do açaí foi destaque no palco das disputas internacionais da OMC. Em 2003, a fruta foi patenteada pelo Japão como propriedade de uma empresa, a K.K Eyela Corporation. Somente quatro anos após esse acontecimento, o Brasil conseguiu reverter o registro da marca. O uso do nome por empresas norte-americanas, alemãs e britânicas também foram notificadas e questionadas na justiça por autoridades brasileiras. O autor da proposta que pretende dar ao açaí a declaração de fruta nacional, senador Flexa Ribeiro, afirma que esse título traz o objetivo de chamar a atenção para o potencial econômico, histórico e nutricional da floresta amazônica.


A análise das disputas comerciais entre o Brasil e outras nações, como os casos do suco de laranja com os Estados Unidos e da patente do açaí com o Japão, atenta para o papel de mediação desempenhado pela OMC na resolução de conflitos internacionais. Estas controvérsias evidenciam a complexidade das relações comerciais globais e a importância de um sistema multilateral robusto para garantir a justiça e equidade entre os países-membros.


No embate com os Estados Unidos sobre o suco de laranja, o Brasil utilizou os mecanismos de solução de disputas da OMC para contestar práticas protecionistas que prejudicavam seus exportadores. A resolução desse impasse demonstrou na época a força da OMC em assegurar que as regras do comércio internacional sejam respeitadas, mesmo quando confrontadas por potências de 1° mundo como os EUA. Da mesma forma, a batalha pela patente do açaí evidenciou a importância da OMC na proteção de outro tipo de direito previsto no sistema internacional: As propriedades intelectuais dos países-membros. O Brasil enfrentou a tentativa do Japão de patentear a fruta, defendendo sua soberania e o reconhecimento do açaí como um recurso natural de relevância econômica e cultural para o país.

 

Assim, as disputas comerciais entre o Brasil e outras nações destacam a necessidade contínua de uma OMC fortalecida, capaz de garantir a aplicação imparcial das regras do comércio internacional e de promover um ambiente comercial justo e equitativo para todos os seus membros, uma vez que seu intuito é assegurar o desenvolvimento econômico das nações. Entretanto, o mecanismo da OSC tem enfrentado dificuldades devido à atitude dos Estados Unidos de bloquear a nomeação de novos juízes. Este órgão necessita de um mínimo de três juízes para funcionar, mas os EUA têm impedido a reposição de vagas, alegando preocupações com o funcionamento e decisões do Órgão de Apelação. Como resultado, o órgão ficou paralisado em dezembro de 2019, quando o número de juízes caiu abaixo do mínimo necessário. 


Em março de 2020, Roberto Azevêdo, embaixador brasileiro e diretor-geral da OMC, anunciou sua renúncia antecipada. A decisão de Azevêdo foi vista como um reflexo das frustrações com a paralisia na OMC causada pela intransigência dos Estados Unidos em relação ao OSC. A situação limitou a capacidade da OMC de resolver disputas comerciais, um de seus papéis mais críticos, e paralisado até hoje, se tornou uma ferramenta para limitar o comércio multilateral e fortalecer as práticas desiguais de comércio pelo mundo.









REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Diretor da OMC renuncia em meio às novas tensões entre EUA e China. El País. Madri. 14 de Maio de 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/economia/2020-05-14/diretor-da-omc-renuncia-em-meio-as-novas-tensoes-entre-eua-e-china.html. Acesso em 16/05/2024


É o fim da OMC? Bloqueio dos EUA ameaça a governança global. Exame. 10 de Dezembro de 2019. Disponível em: https://exame.com/mundo/e-o-fim-da-omc-bloqueio-dos-eua-ameaca-a-governanca-global/. Acesso em 16/05/2024


Organização Mundial do Comércio. World Trade Organization. 2024. História do Sistema Internacional de Comércio. Disponível em: https://www.wto.org/english/thewto_e/history_e/history_e.htm. Acesso em 16/05/2024



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