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Ester de Aguiar - OBSERVATÓRIO

Nagorno-Karabakh: A progressão secular de confrontos.

- Ester Aguiar

No dia 12 de setembro de 2022, manifestou-se no território de Nagorno-Karabakh um cenário conflituoso proveniente de embates bélicos entre os Estados, Armênia e Azerbaijão. Devido aos precedentes históricos, é possível identificar que os conflitos são originados do resultado dos interesses nacionais das nações pelos recursos naturais e sua posição estratégica na região. 

Situa-se estrategicamente entre os países, devido ao corredor Lanchin que é o caminho mais curto entre Armênia e Alto Carabaque, e entre Azerbaijão e Naquichevão. Assim, a importância deste território entre os conflitos decorrentes entre azeris e armênios tornou-se a cada década imprescindível para a defesa dos interesses nacionais de cada Estado. As descobertas de petróleo e gás natural no final do século XIX, e posteriormente a construção de oleodutos e gasodutos contribuíram para o desenvolvimento das divergências que ocasionaram os diversos confrontos.



Foi com a Revolução Russa em 1917, após a dissolução do Império que continha o domínio do território dos Estados do Sul do Cáucaso, que a independência da Armênia e do Azerbaijão deu início ao conflito que perdura até hoje, ambos reivindicaram as fronteiras de Nagorno-Karabakh. Em decorrência dos fatores estratégicos e econômicos, há também a diversificação na população existente na região fronteiriça, que condizia em sua maioria a população armênia e cristã, ocupando a parte montanhosa e em território plano a população azeri e muçulmana.

Como consequência da reivindicação e das divisões étnicos-religiosas existentes "[...] tornaram frequentes as práticas de limpeza étnica em nome da consolidação de “nações” propriamente ditas [...]" (APARECIDO; VONO, 2021, p.2). Entretanto, foi em 1922 com o surgimento da União Soviética (URSS) que as disputas que ocorriam nesta região foram suprimidas sob seu controle.

A consolidação das repúblicas soviéticas possibilitou que a URSS permitisse a anexação de Nagorno-Karabakh ao Azerbaijão, fundando assim "[...] um Oblast Autônomo, ou seja, uma unidade administrativa da União Soviética com um certo grau de autogoverno." (OLIVEIRA, 2021). Esta decisão levou a uma

"[...] divisão territorial estabelecida no período, a qual negligenciou aspectos étnicos importantes, foram notáveis as dinâmicas de militarização, o surgimento de grupos paramilitares, o congelamento duradouro de comunicações diplomáticas, as práticas de violência intercomunal, o recrudescimento do sentimento nacionalista-revanchista na vida política e social [...]". (APARECIDO; VONO, 2021, p.3)

A presença de tropas soviéticas para contenção de possíveis tensões no território não foram obstantes pela sequência de manifestações que ocasionaram mais um caso de genocídio armênio, após a reivindicação da emancipação da região habitada por essa população e a petição para anexação à Arménia ao ser analisada pelo parlamento. Diante do massacre, "[...] originou-se um intenso fluxo de refugiados, estimando-se que cerca de 180.000 armênios deixaram o Azerbaijão e 160.000 azeris deixaram a Armênia." (APARECIDO; VONO, 2021, p.3), desta forma consolidou-se grupos paramilitares. 

A fundação do Movimento Nacional Armênio (ANM) e da Frente Popular do Azerbaijão (APF), passou a fomentar o cenário belicioso de práticas violentas até meados da década de 1990. Neste período, as repúblicas soviéticas buscavam sua independência, a Armênia resistia à URSS enquanto o Azerbaijão seguia unido ao governo, e foi com em 1991, com o fim da URSS, a retirada de suas tropas no território e o reconhecimento de suas independências internacionalmente que as nações voltaram a enfrentar-se diretamente, dando origem à Guerra do Alto Carabaque. 

Em 1992, o primeiro conflito declarado entre os Estados levou à Guerra do Alto Carabaque. Devido a instabilidades nacionais que ocorriam no Azerbaijão, a Armênia conduziu o conflito por vias militares, formando um corredor estratégico militar interligando o país até Karabakh, a contínua limpeza-étnica em nome da nação e com a conquista de terras azeris. As tentativas de retomadas do território por parte azeri 

"[...] foram logo revertidas e a Armênia tomou posse da porção majoritária da região ainda em 1993. Ao final, 15% do território do Azerbaijão, o que inclui uma série de províncias disputadas, foi ocupado militarmente pela Armênia." (APARECIDO; VONO, 2021, p.4) 

A Guerra do Alto Carabaque resultou em mais de 30 mil mortes e milhares de refugiados, até que em maio de 1994 foi assinado o acordo de cessar-fogo por intermédio da Rússia. O Ministro de Defesa da Armênia e do Azerbaijão efetivaram o acordo de modo que Karabakh possui ocupação militar e integração socioeconômica armênia, entretanto tem seu território reconhecido internacionalmente como azeri. 

Logo, essa definição assegurada pelo cessar-fogo de 1994 permitiu que houvesse a estabilidade de um conflito que não possuía resolução ou o desenvolvimento de negociações entre os Estados. A indisposição para a cooperação de possíveis negociações, os interesses nacionais seculares na região em somatório a mudanças na balança de poder e envolvimentos externos proporcionaram a evolução do conflito, que podem ser analisados pela teoria Realista. 

O teórico realista Hans Morgenthau compreende que a existência de interesses contrários conduzem a um cenário de instabilidades, sem que disponha da realização dos princípios morais de cada nação, como observado no caso de Nagorno-Karabakh. Esta vertente teórica apresenta que o conceito de interesse é definido em termos de poder, e que são estes interesses que constroem vínculos entre os Estados. (MORGENTHAU) 

Há também os elementos que contribuem para o desenvolvimento do poder nacional, que o mantém pelo exercício de políticas que visam em suma seus benefícios. No Realismo, os elementos de poder nacional são identificados como a geografia, os recursos naturais (entres eles alimentos e matérias primas), a capacidade industrial, o grau de preparação militar (como tecnologia, liderança, qualidade e quantidade das forças armadas), a população, índole e moral nacional, e qualidade da diplomacia e do governo. (MORGENTHAU) 

Nessa perspectiva, além das questões voltadas à população nas fronteiras do sul-cacasiano, o interesse na posição geoestratégica e os recursos naturais na região de Nagorno-Karabakh foram impulsionadores da reivindicação de ambos os países por estas terras. Tendo em vista a construção do poder nacional e seus elementos, a perspectiva Realista considera que por esses meios serão estabelecidos a defesa de seus interesses, e por consequência do fortalecimento dos interesses de cada nação pode-se gerar disputas pelo poder mesmo que perdurem por anos. 

Os interesses nacionais de ambos os países no território seguem representados pela continuidade dos conflitos no território entre os anos de 2000 até a atualidade. A balança de poder sofreu impactos com a perda do apoio internacional da Armênia decorrente da limpeza étnica, e o Azerbaijão desenvolveu-se em termos econômicos e militares, e foi incluído nas infraestruturas e rotas de comércio entre Ásia Central e Europa. Como analisado por Aparecido e Vono 

"Em suma, a balança de poder geopolítico e econômico na última década favoreceu o lado azeri, alimentando empreendimentos revanchistas no país e o encorajando a tomar medidas militares para expulsar os armênios dos locais ocupados durante a guerra por Karabakh." (2021, p.5)

Por efeito dos interesses nacionais motivados em conjunto pelo encorajamento por forças militares na região fronteiriça armênia, em agosto de 2014 trocas de tiros foram efetuadas na linha de cessar-fogo e no dia 12 de novembro, houve um ataque ao helicóptero da Armênia que sobrevoava o local. No ano seguinte ao primeiro ataque, em agosto de 2015, "[...] a escalada dos combates atingiu um novo recorde, com cerca de 150 trocas de tiros relatadas diariamente e o número de vítimas aumentando em conformidade." (APARECIDO; VONO, 2021, p.5), e a infração ao cessar fogo que ocorreu no ano de 2016. 

Porém, foi em 2020 que em decorrência de embates bélicos diretos instalou-se novamente o conflito. Com a eleição em 2018 do Primeiro-Ministro Nikol Pashinyan, que apresentava-se disposto a negociações por vias diplomáticas com o governo azeri, entretanto no decorrer dos dois anos pré conflito, as tensões levaram à transgressão do acordo de paz. 




Desta forma, é considerado o Arzerbaijão "[...] tenha superestimado a disposição da Armênia para colaborar com a retirada de tropas da região em troca do fim do isolamento geográfico e econômico que a guerra impôs ao país." (APARECIDO; VONO, 2021, p.5). O confronto levou à morte de 2.800 militares e 93 civis azeris, e 2.317 soldados e 50 civis armênios. (The Hindu, 2020)

Seis semanas após o início do novo confronto, o cessar-fogo foi novamente negociado pela Rússia, onde neste acordo de paz a vitória azeri foi reconhecida, a Armênia cedeu parte dos distritos em torno de Nagorno-Karabakh que haviam sido tomados e as tropas de ambos os Estados foram retiradas da região. Contudo o acordo de manutenção da paz de 2020 sofreu violação em após dois anos de assinatura.

As nações do Sul do Cáucaso acusam-se de infringir o cessar-fogo determinado. Segundo Laurence Broers, pesquisador do think tank Chatham House, "Acho que há um sentimento no Azerbaijão de que agora é a hora de implantar seu poder, sua vantagem militar e extrair o máximo que pode obter.” (CNN Brasil, 2022), e prosseguiram na defesa de seus interesses nacionais com confrontos bélicos até o dia 15 de setembro.

O confronto de 2022 ameaçou a estabilidade do território de Nagorno-Karabakh, as relações entre Armênia e Azerbaijão e ocasionou 170 mortes (G1, 2022). O cessar-fogo teve-se por meio do envolvimento da Comunidade Internacional, e por deliberação russa. Entretanto, ao ser reconhecido os Estados seguem denunciando-se pela violação do acordo.

Na perspectiva da teoria Realista de Morgenthau, os interesses nacionais em conjunto com os precedentes históricos de tensões étnicos-religiosas levam a prospecção da continuidade secular deste confronto. As seguintes violações de acordos de paz deliberando o cessar-fogo colaboram para a concretização da percepção realista na região que além de apresentar posicionamento estratégico, possui oleodutos e gasodutos que transportam por esse corredor a outras nações.



 

REFERÊNCIAS:


APARECIDO, Julia Mori; VONO, Gabriella de Souza. O conflito entre Armênia e Azerbaijão em Nagorno-Karabakh. Observatório de conflitos internacionais, Série conflitos internacionais, V.8, n.3, junho de 2021. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/v.-8-n.-3-jun-2021.pdf\


Armênia e Azerbaijão respeitam cessar-fogo após combates na fronteira. G1, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/09/15/armenia-e-azerbaijao-respeitam-cessar-fogo-apos-combates-na-fronteira.ghtml

Azerbaijan says 2,783 soldiers killed in Karabakh fighting. The Hindu, 2020. Disponível em: https://www.thehindu.com/news/international/azerbaijan-says-2783-soldiers-killed-in-karabakh-fighting/article33241933.ece


Azerbaijão e Armênia se acusam de violações ao cessar-fogo em Nagorno-Karabakh. G1, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/08/03/azerbaijao-e-armenia-se-acusam-de-violacoes-ao-cessar-fogo-em-nagorno-karabakh.ghtml


DOS REIS, Luiz Fernando Pinto. Entenda o conflito entre Armênia e Azerbaijão pelo território de Nagorno-Karabakh. Politize!, 2020. Disponível em: https://www.politize.com.br/conflito-armenia-e-azerbaijao-entenda/


FERNANDES, Cláudio. Genocídio Armênio. História do Mundo. Disponível em: https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/genocidio-armenio.htm


GEYBULLAYEVA, Arzu; ADILGIZI, Lamiya; NUNES, Andrea. Cresce a tensão em Karabakh enquanto países trocam acusações. Global Voices, 2022. Disponível em: https://pt.globalvoices.org/2022/04/24/cresce-a-tensao-em-karabakh-enquanto-paises-trocam-acusacoes/


GOMES FILHO, Paulo Roberto da Silva. Guerra no Cáucaso. Paulo Filho Liderança e Geopolítica, 2020. Disponível em: https://paulofilho.net.br/2020/10/02/guerra-no-caucaso/


HOVHANNISYAN, Nvard; BAGIVORA, Naila. Conflito entre Arménia e Azerbaijão ameaçam estabilidade no Cáucaso. Agência Brasil, 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2020-09/conflitos-entre-armenia-e-azerbaidjao-ameacam-estabilidade-no-caucaso


MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações. Editora UNB, São Paulo, 2003.


OLIVEIRA, Anna Clara. A guerra nas montanhas do Cáucaso: O conflito entre Armênia e Azerbaijão pela região de Nagorno-Karabakh. Dois níveis, 2021. Disponível em: https://www.doisniveis.com/europa/leste-europeu/a-guerra-nas--o-caucaso-o-conflito-entre-armenia-e-azerbaijao-pela-regiao-de-nagorno-karabakh/


TETRAULT-FARBER, Gabrielle. Entenda novo confronto entre Azerbaijão e Armênia e por que isso importa. CNN Brasil, 2022. Disponível em:


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