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O crescimento do terrorismo na região do Sahel e a coordenação entre Burkina Faso, Mali e Níger

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  • 26 de mai.
  • 6 min de leitura



Lucas Bastos Pinheiro de Souza



Foto: GOUSNO/AFP via Getty Image
Foto: GOUSNO/AFP via Getty Image

O mais recente relatório do Índice Global de Terrorismo (GTI), think thank que fornecesse publicações científicas e tendências globais relacionados ao tema, revelou que em 2024 houve um aumento de 22% no número de atentados globais, totalizando 8.352 casos, o maior desde 2017. Mais da metade das mortes contabilizadas estão localizadas na região norte-africana, o que expõe uma mudança do epicentro do terrorismo global do Oriente Médio para o Sahel.


Gráfico do Índice Global de Terrorismo ou (GTI) (IGT, na sigla em inglês) de 2024. Fonte: IGT
Gráfico do Índice Global de Terrorismo ou (GTI) (IGT, na sigla em inglês) de 2024. Fonte: IGT

O Sahel é uma faixa semiárida que separa o deserto do Saara (Norte) das savanas tropicais (Sul). Seus países centrais são: Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger, Chade, Sudão e Eritreia. Nigéria e Camarões ficam mais ao sul, em regiões de floresta e savana úmida, e são associados à Bacia do Lago Chade e ao conflito do Boko Haram, que é distinto dos grupos jihadistas do Sahel. A região é marcada por Estados frágeis, pobreza estrutural e conflitos armados, sendo principalmente espaço de disputas geopolíticas envolvendo potências ocidentais e emergentes. Além dos fatores locais, eventos internacionais tiveram um papel catalisador na expansão do terrorismo.


O presente artigo examina a realidade do crescimento das crises na região do Sahel a partir de quatro eixos principais: seu contexto sociopolítico, as raízes do extremismo violento, o papel controverso da França e os recentes esforços de integração regional liderados por Mali, Burkina Faso e Níger. A análise de conjuntura deste locus que só vem crescendo em complexidade, é crucial para a democratização do conhecimento sobre África em temas como a pobreza estrutural, anti-islamismo, neocolonialismo, direitos humanos etc. Falar sobre os processos no Sahel também é, sob este prisma, analisar a possibilidade de formação de uma África com a retórica insurgente e anti-imperialista, como demonstram os contextos de Burkina Faso, Mali e Níger, assim como perceber suas contradições através do aumento de tensões préexistentes, crises de governança e instabilidade política.


A faixa do Sahel. Fonte: Instituto Humanitas Unisinos (2018)
A faixa do Sahel. Fonte: Instituto Humanitas Unisinos (2018)

Em primeira análise, é notável destacar que a instabilidade crônica do Sahel decorre de uma combinação perversa de fatores históricos, ambientais e políticos. Estados como Mali e Níger possuem governos com capacidade limitada de prover segurança e serviços básicos em vastas porções de seu território, onde milícias e grupos terroristas operam livremente. Também, a região enfrenta crises humanitárias agudas. No ano de 2023, as Nações Unidas indicam que nos países do G5 Sahel 10,2 milhões de pessoas sofreram de insegurança alimentar, agravada por secas recorrentes e pelo colapso das economias locais. Esse cenário é ainda mais explosivo devido a tensões étnicas históricas, como as revoltas tuaregues no norte do Mali, região onde comunidades marginalizadas recorrem à insurgência por falta de representação política.


Continuamente, o surgimento e a expansão de grupos jihadistas no Sahel estão longe de ser um fenômeno isolado. Embora fatores locais – como a exclusão socioeconômica e a ausência do Estado – criem terreno fértil para o recrutamento extremista, eventos internacionais tiveram papel catalisador. A queda do regime líbio, resultante da morte de seu líder, Muamar Gaddafi, em 2011, orquestrada pela coalização militar entre Reino Unido, Estados Unidos, França e comandada pela OTAN, com apoio de opositores do regime, desencadeou um fluxo massivo de armas e combatentes para o Sahel, fortalecendo organizações como a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI).


Atualmente, grupos como o Estado Islâmico no Grande Sahel (EIGS) controlam rotas de contrabando de armas e drogas, financiando suas operações por meio do tráfico de cocaína para a Europa (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2022). Para piorar, táticas de contrainsurgência brutais adotadas por governos locais e forças internacionais frequentemente radicalizam civis, alimentando um ciclo vicioso de violência, como ilustra o grupo Voluntários para a Defesa da Pátria (VDP), uma milícia armada ligada ao governo militar burquinense para ajudar na luta contra a insurgência islâmica.


Apesar de ser um governo que utiliza frequentemente da retórica antiimperialista, o relatório de 2024 da Human Rights Watch na Burkina Faso reportaram abusos cometidos pelas forças de segurança do Estado e as milícias pró-governo. Um exemplo marcante ocorreu quando militares executaram sumariamente pelo menos 223 civis, incluindo 56 crianças, nas aldeias de Nondin e Soro, na região Norte do país. A ação foi uma aparente retaliação a um ataque de combatentes islâmicos contra um acampamento militar burquinense nos arredores da cidade de Ouahigouya.


A presença militar francesa no Sahel, iniciada em 2013 com a Operação Serval e ampliada pela Operação Barkhane (2014-2022), é justificada oficialmente como uma missão de combate ao terrorismo. Na prática, tradicionalmente, Paris enfrenta inúmeras acusações de perpetuação de uma política neocolonial, denunciadas através de discursos dos líderes de Estado da região francófona da África. Um exemplo que poderia argumentar que a França prestava cooperação na região guiada pelos interesses econômicos seria através do Níger, que fornece urânio para a indústria nuclear francesa – mineral responsável por 75% da energia atômica do país (Observatory of Economic Complexity, 2023) em troca da cooperação do país europeu contra os jihadistas.


No entanto, após quase uma década de operações, os resultados são questionáveis: os ataques terroristas aumentaram 35% entre 2020 e 2023 (ACLED, 2023) enquanto havia presença militar estrangeira. A rejeição popular à presença francesa tornou-se inegável. Dessa forma, protestos massivos no Mali e em Burkina Faso, seguidos por golpes militares em 2021-2023, resultaram na expulsão das tropas francesas e no fim das parcerias de segurança. Progressivamente, esse processo reflete um desejo legítimo de autonomia, mas também abre espaço para novos atores externos, como a Rússia e seu Grupo Wagner, cujas táticas já foram denunciadas por violações de direitos humanos, de acordo com a Anistia Internacional.


Por conseguinte, com apoio popular das massas, os governos militares da faixa do Sahel apostam na retórica anti-França como expressão de um discurso antiimperialista. Entre contradições e críticas aos governos do Sahel, uma análise destes a partir de uma perspectiva construtivista das relações internacionais identifica o fortalecimento da identidade nacional entre Burkina Faso, Mali e Níger. Neste âmbito, a sociedade civil, que pode ser encarada como agente, está sendo moldada pela estrutura vigente dos governos militares. Como forma de entender essa consolidação, o portal “Brasil de Fato” buscou entender a perspectiva de jovens Sahelianos:


Quando falo da França, sinto uma raiva dentro de mim. Eu odeio a França, mas eu falo francês, você entende? Os franceses roubaram e nos massacraram durante 400 anos. Os nossos antepassados foram mortos. Tiraram-nos tudo. (AGUIAR, P., 2025).


Também, no Mali, a adesão popular aos golpes de Estado nos três países que formam a Aliança dos Estados do Sahel foi impulsionada pelo trabalho de jovens militantes e organizações progressistas que “conscientizaram a população sobre os malefícios do imperialismo francês” (Brasil de Fato, 2025.) Consequentemente, essa troca entre a sociedade civil e as estruturas dos governos está fomentando um fluxo espontâneo gerado entre os estados da Burkina Faso, Mali e Níger, sendo o produto dessa relação uma integração regional a um nível que é difícil falar da atuação desses países isoladamente no cenário internacional, principalmente através da criação da Aliança dos Países do Sahel (AES) em 2023. Este pacto militar e econômico desafia a ordem regional tradicional. Seus objetivos incluem a defesa coletiva, após estabelecerem uma força conjunta para combater insurgentes sem depender de potências estrangeiras; e a soberania econômica, através de projetos como um gasoduto entre Níger e Burkina Faso; além de discussões sobre uma moeda comum que visa reduzir a dependência do franco CFA, atrelado à França. A iniciativa, porém, enfrenta grandes dificuldades, uma vez que trata-se de três países que estão entre os mais pobres do mundo, com economias devastadas por sanções da CEDEAO (Fundo Monetário Internacional, 2023). Além disso, seus governos militares, acusados de autoritarismo, precisam equilibrar segurança com legitimidade política para conseguir agir como players no sistema internacional.


O Sahel encontra-se em um momento histórico de crise. A rejeição à dominação francesa e a busca por soluções regionais representam um avanço na luta pela autodeterminação. No entanto, a dependência de novos parceiros externos – como a Rússia – e a fragilidade institucional interna colocam sérios riscos à estabilidade. Se a AES conseguir promover desenvolvimento inclusivo e cooperação genuína, poderá se tornar um modelo para a África. Caso contrário, a região pode mergulhar em um novo ciclo de violência e dependência. A comunidade internacional deve respeitar a soberania saheliana, mas os líderes locais também precisam priorizar o interesse de suas populações em detrimento de ambições pessoais ou alianças geopolíticas oportunistas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ACLED. Conflict Watchlist 2025: Sahel and Coastal West Africa - ACLED. Disponível em: <https://acleddata.com/conflict-watchlist-2025/sahel-andcoastal-west-africa/>. Acesso em: 11 abr. 2025.

KAROLINA. OLIVEIRA. França tem papel determinante na violência e terrorismo da região do Sahel, diz Stephanie Brito. Disponível em:<https://www.brasildefato.com.br/2024/11/28/franca-tem-papel-determinantena-violencia-e-terrorismo-da-regiao-do-sahel-diz-stephanie-brito/>. Acesso em: 11 abr. 2025.

MONDE, L. Niger quits international group of French-speaking nations. Disponível em:<https://www-lemonde-fr.translate.goog/en/le-mondeafrica/article/2025/03/17/niger-quits-international-group-of-french-speakingnations_6739253_124.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=t c>. Acesso em: 10 abr. 2025.

ORRELL, H. Africa’s Sahel: The region with more “terror deaths” than rest of world combined. Disponível em: <https://www-bbccom.translate.goog/news/articles/cp8vyl3j5kko?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr _hl=pt&_x_tr_pto=wa&_x_tr_hist=true>. Acesso em: 12 abr. 2025.

THE. Africa’s Constantly Evolving Militant Islamist Threat – Africa Center for Strategic Studies. Disponível em: <https://africacenter.org/spotlight/mig2024-africa-constantly-evolving-militant-islamist-threat/>. Acesso em: 12 abr. 2025.

World Report 2025: Rights Trends in Burkina Faso. Disponível em: <https://www-hrw-org.translate.goog/world-report/2025/countrychapters/burkina-faso?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc>. Acesso em: 12 abr. 2025.

AGUIAR, P. Jovens lideram luta contra neocolonialismo no Sahel: “Eu odeio a França, mas falo francês”. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2025/04/16/jovens-lideram-luta-contraneocolonialismo-no-sahel-eu-odeio-a-franca-mas-falo-frances/>. Acesso em: 17 abr. 2025.

GROUP, W. B. Enhancing Food and Nutrition Security in the Sahel and Horn of Africa. Disponível em: <https://www-worldbankorg.translate.goog/en/results/2024/01/04/enhancing-food-and-nutritionsecurity-in-the-sahel-and-horn-of-afeafrica?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=wa>. Acesso em: 10 mai. 2025.



 
 
 

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