O Impacto do consumo excessivo no Norte Global e sua relação com a degradação ambiental e socioeconômica nos Países em Desenvolvimento
Roberta Lacerda Moura
Em 02 de agosto de 2023, foi marcado pela Global Footprint Network, organização não governamental dedicada à coleta e conscientização da pegada ecológica no mundo, o dia da sobrecarga da Terra. Diante da análise abrangente do uso mundial dos recursos biológicos durante um ano pela sociedade global, essa pesquisa alarmante revela o consumo do estilo de vida atual de maneira insustentável e desenfreada, emergindo como a principal instigadora dos problemas ambientais.
Ao analisarmos os dados referente ao dia da sobrecarga da terra em diferentes países, é possível observar que os recursos naturais estão sendo distribuídos de forma desigual, sendo os Estados do Norte Global seus principais consumidores. O levantamento de dados feitos pela Global Footprint Network mostrou que a Europa, América do Norte e outras países desenvolvidos e industrializados alcançaram o esgotamento ainda no primeiro semestre do ano, como por exemplo, a Alemanha, que teve seu dia marcado em 4 de maio de 2023, os Estados Unidos e Emirados Árabes no dia 13 de março de 2023. Segue abaixo uma tabela feita pela Global Footprint Network comparando a quantidade de terra necessária se todas as nações consumissem igual os residentes dos Estados Unidos.
Quadro 1 – Quantas terras precisaríamos se todos vivessem como residentes dos EUA?
Fonte: Earth Overshoot day, 2022
Conforme abordado na crônica feita pela Nações Unidas (2023), mostrou que desde 2021, as nações classificadas como de renda alta e média-alta, abrangendo coletivamente 48% da população global, foram identificadas como responsáveis por aproximadamente 82% do acréscimo anual de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera. Em contraste, as nações classificadas como de renda baixa e média-baixa, apresentaram contribuições consideravelmente menores para essas emissões, tanto em termos absolutos quanto per capita.
Por certo, isso é devido ao elevado padrão de vida do Norte Global, que para atender sua alta demanda e o seu crescimento necessita de um consumo maior dos recursos, contribuindo para a produção em massa, a exploração intensiva e a geração de resíduos em larga escala (Wallenius, 2016). Salienta-se que o sistema financeiro neoliberal ainda influência para as nações mais ricas o aproveitamento do Sul Global, tanto de recursos naturais como de mão de obra, uma vez que desvaloriza a matéria prima e o trabalho do Sul e supervaloriza os recursos do Norte. (Hornborg, 2001)
Farley (2008) declara uma discrepância atual dentro do sistema econômico sob os diferentes hemisférios, uma vez que os processos de extração de recursos são feitos em sua maioria por países do sul. Logo, os mesmos desenvolvem agravantes problemas ecológicos provocados pela produção em massa, além de serem explorados em sua mão de obra por serem mais baratas. Em suma, possuem um retorno econômico reduzido em comparação ao Norte, que se especializam em processos com menor investimento físico e acabam ganhando um maior valor agregado. Essa prática consolidou ao longo dos anos uma dependência econômica das nações mais pobres sobre as mais ricas, impondo uma desigualdade.
O relatório da rede World Wildlife Fund (2018) construído baseado no mecanismo da pegada ecológica, identifica o impacto ambiental de um país em detrimento da quantidade dos recursos necessários para sustentar o padrão de vida do respectivo local. Esse relatório analisa que o Norte Global e seu consumo exacerbado têm passado do seu limite territorial e provocado o desgaste do solo, perda de florestas e da biodiversidade, poluição da água e do ar e mudanças climáticas em países do Sul global.
Historicamente, o uso demasiado e exploratório tanto dos meios de consumo como também de mão de obra local se remete ao período colonial, onde as grandes potências usufruíram das suas colônias para retirada de recursos (Hornborg, 2001). Contudo, atualmente essa prática foi mascarada e moldadas sutilmente dentro do sistema econômico nas práticas das empresas transnacionais e políticas econômicas globais, que desfrutam do desregulamento do mercado mundial e do investimento internacional para ter acesso sem precedente aos recursos naturais (Clapp; Dauvergne,2011).
Ademais, o manuseio dessa prática é denominado por Blaikie, Brookfield (2015) como parte do neocolonialismo ecológico, prática que reverbera a exploração predatória e conjura a degradação ambiental e extração de recursos de forma desproporcional, excedendo o seu limite. Nesse ínterim, a prática do neocolonialismo ecológico é encontrada na denúncia recente feita pelo professor Siddharth Kara da Universidade Harvard no livro “Red Cobalt – How the blood of the cobalt powers our lives” (Cobalto Vermelho – Como o sangue do cobalto alimenta nossas vidas), onde ele expôs a situação do Congo, um dos países mais ricos em recursos naturais que se encontra no ranking dos países mais pobres em renda per capita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
O país é alvo das maiores empresas mundiais para a extração do cobalto, matéria prima utilizada para a produção de baterias para produtos tecnológicos e carros elétricos. O autor mostra em seu livro a situação deplorável e desumano vivida pela população do Congo para a extração desse produto, classificando o caso como escravidão moderna e exploração de trabalho infantil.
Casos como esse é evidente em outros países do Sul Global, onde um Estado mesmo obtendo uma grande parcela de concentração de riquezas naturais dentro do seu próprio território ainda tem uma população sem acesso a elas (PNUD, 2016). A exemplo da Indonésia e do Equador, que não utilizarão e alcançarão seu limite de sobrecarga até dezembro, devido ao seu estilo de vida. Contudo, já são alvos de explorações de recursos por nações como a Alemanha, a quinta maior consumidora de matéria-prima do mundo, de acordo com Lara Louisa Siever, consultora chefe de políticas para justiça de recursos da rede alemã pelo desenvolvimento Inkota. Logo, nos indica que o uso insustentável das nações mais ricas está baseado no esgotamento das nações mais pobres, que consequentemente serão as primeiras afetadas com problemas ecológicos. (WWF, 2010)
Neste contexto, além dos problemas ambientais, tendem a aumentar os riscos de conflitos por recursos naturais, a fome, migrações internacionais e refugiados ecológicos (Cortez, 2009). Tal dilema aponta para a questão introduzida pelo ex-presidente cubano Fidel Castro na Eco-92, que países do Terceiro Mundo não podem ser culpados, pois são vítimas de uma ordem econômica injusta. Uma vez que seu impedimento no desenvolvimento propaga em esforços desesperados contra a natureza. Portanto, a solução fomentada na Eco-92 envolve uma distribuição mais equitativa de riqueza e tecnologia em escala global. Como também, a diminuição dos níveis de luxo presentes nos países desenvolvidos, a fim de combater a pobreza global. Além disso, é imperativo não propagar os modelos de consumo danosos, uma vez que o modelo de vida nórdico influencia no padrão de vida global. Assim, que os países consumidores assumam a responsabilidade sobre seu uso desenfreado e busquem ações efetivas para mudança no seu padrão de vida, de modo que não arrisquem o esgotamento dos recursos naturais.
Referência
BLAIKIE, P.;BROOKFIELD, H. Land degradation and society. [S. l.]: Routledge, 2015.
CLAPP, J.;DAUVERGNE, P. Paths to a green world: The political economy of the global environment. MIT press, 2011. Disponível em: <https://mitpress.mit.edu/9780262532716/paths-to-a-green-world/>. Acesso em 05 Ago. 2023
CORTEZ, A. T. C. Consumo e desperdício: as duas faces das desigualdades. In: ______; ORTIGOZA, S.A.G. (Orgs). Da Produção ao Consumo: Impactos Sócio-Ambientais no Espaço Urbano. 1 ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009, v. 1, p. 35-62.
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