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Júlia Santos de Assis

O impacto do descompromisso do governo brasileiro com a agenda europeia de sustentabilidade


O acordo entre os blocos econômicos do Mercosul e da União Europeia, após mais de 20 anos de negociações, foi assinado no dia 28 de junho de 2019, em meio a 14ª cúpula do G20, na cidade de Bruxelas, capital da Bélgica. A união entre os países da América do Sul e Europa prevê a formação de uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, com a detenção de 25% da economia mundial e cerca de 750 milhões de consumidores, trazendo uma estimativa do aumento do PIB do Brasil em R$ 336 bilhões em 15 anos, assim que o acordo entrar em vigor. Porém, o acordo ainda precisa ser ratificado e internalizado pelos 31 Estados membros de ambos os blocos, caso nenhuma das partes resolva barrar o acordo, processo que pode levar alguns anos para ser concluído.

Diante da situação atual do Brasil, com queimadas de grandes proporções ocorrendo nos biomas da Floresta Amazônica e Pantanal, o Acordo Mercosul-EU vem sendo enfraquecido e enfrenta resistências. Entre 2019 e 2020, o Ibama, um dos órgãos responsáveis pela prevenção e fiscalização ambiental, perdeu quase 35% do seu orçamento (caiu de 102,8 milhões de reais anuais para 66,2 milhões de reais); no início de 2019, o ministro Ricardo Salles desconstituiu o Fundo Amazônia, que geria recursos internacionais a serem utilizados na área ambiental e tinha como principais doadores Alemanha e Noruega, descontinuando o uso de 1,5 bilhão de reais. A falta de planejamento dos órgãos ambientais, especialmente a nível federal, vem chamando a atenção tanto interna quanto externamente, principalmente de vários países da União Europeia, colocando em xeque a ratificação do acordo, considerando que uma das exigências do bloco é que os países do Mercosul tenham compromisso com as agendas de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável, a exemplo do Acordo de Paris, discurso que já se faz presente há muito tempo na Sociedade europeia.

Em junho de 2020, ocorreu um dos alertas mais enfáticos de que o Brasil pode ser prejudicado economicamente por conta do descaso governamental, quando fundos internacionais de investidores, em sua maior parte pertencentes ao Investor Initiative for Sustainable Forests (Iniciativa de Investidores pelas Florestas Sustentáveis), afirmaram, em carta aberta entregue em embaixadas brasileiras que se preocupavam com “o impacto financeiro do desmatamento, bem como as violações dos direitos dos povos indígenas” e que seus clientes veem “potenciais consequências para os riscos de reputação, operacionais e regulatórios”. A Iniciativa é formada por empresas que investem na sojicultura e pecuária bovina, que acabam sendo relacionadas ao desmatamento, como a francesa Comgest, a britânica LGPS Central e o KLP, o maior fundo de pensões norueguês.

O vice-presidente Hamilton Mourão recebeu uma carta, no dia 15 de setembro de 2020, assinada por embaixadores da Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Holanda, Noruega, Dinamarca e Bélgica, afirmando que o “Brasil está tornando cada

vez mais difícil para empresas e investidores atender a seus critérios ambientais, sociais e de governança”. No mesmo dia, essa pressão externa se somou a um texto assinado pela chamada Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura que uniu, em uma situação inédita, mais de 200 organizações entre ONGs, empresas de agronegócio e do setor financeiro, a fim de cobrar medidas governamentais para redução desmatamento da Amazônia. Fazem parte do grupo por exemplo a ONG WWF, as indústrias pecuárias JBS, Marfrig, além da Basf e Bayer, empresas químicas. Neste último caso pode-se observar um fato curioso: empresas agropecuárias, comumente associadas aos desequilíbrios ambientais, estão pressionando o governo para combater a situação ambiental brasileira. Isso pode ser visto como um medo do setor de perder suas principais parcerias econômicas, levando em consideração as recentes manifestações de representantes políticos europeus e investidores, já citados anteriormente.

Já o primeiro-ministro francês, Jean Castex, recebeu um relatório de um comitê de especialistas que alerta para a possível crescente no desmatamento (por volta de 5%) nos países do Mercosul durante os primeiros seis anos de Acordo, devido ao provável aumento da criação de pastos para fornecimento de carne, reforçando a posição da França de se opor ao Acordo.

Apesar das claras objeções ao Acordo, a política governamental do governo Bolsonaro está sendo um empecilho para alcançar um objetivo tão almejado e comemorado pelo próprio presidente. Em nota divulgada no dia 22 de setembro de 2020, os Ministérios da Agricultura e Relações Exteriores afirmaram que a não ratificação do acordo pode agravar os problemas ambientais o Brasil, representando um "desincentivo aos esforços" para "fortalecer" a legislação ambiental: "A não entrada em vigor do Acordo Mercosul-UE passaria mensagem negativa e estabeleceria claro desincentivo aos esforços do país para fortalecer ainda mais sua legislação ambiental. A não aprovação do acordo teria, ademais, implicações sociais e econômicas negativas, que poderiam agravar ainda mais os problemas ambientais da região", declararam. Porém, inúmeros países da Europa, como França e Alemanha já afirmaram que a ratificação só ocorrerá se houver uma queda no desmatamento e o compromisso do governo com as Agendas europeias, e essa manifestação por parte do governo brasileiro provavelmente não será vista com bons olhos, parecendo incoerente visto ao desejo de realização do Acordo. Não é de se esperar que os países europeus abdiquem de uma Agenda já estabelecida desde o final do século XX, em que são baseadas suas relações econômicas e comerciais. Enquanto isso, continua se fazendo presente a incógnita que ronda as ações do governo brasileiro que representam incoerência e o descompromisso com as pautas ambientais pré-estabelecidas que podem prejudicar, além da preservação do meio ambiente, a economia e a política externa do país.


REFERÊNCIAS

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Para acordo avançar, UE quer ‘compromisso claro’ do Mercosul. VEJA. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/para-acordo-avancar-ue-quer-compromisso claro-do-mercosul/>. Acesso em: 21 set. 2020.


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