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Rafael Vieira - OBSERVATÓRIO

O soft balancing na política externa brasileira: Lula e Bolsonaro em perspectiva comparada



Vivemos um momento conturbado, não importa de que ângulo olhemos. Comparar é, então, essencial tarefa, não só pelo enriquecimento acadêmico alcançado através de tais comensurações, mas por comparações serem portas para um destino menos problemático. Comparemos, assim, o Celso Amorim de Lula e o Ernesto Araújo de Bolsonaro à luz do soft balancing. Mas o que é esse tal de soft balancing?


O que é soft balancing?

O conceito surgiu proeminentemente num artigo de Robert Pape, intitulado “Soft Balancing against the United States”, onde o autor define soft balancing como formas não-militares de balancing, que visam “atrasar, frustrar e minar as políticas militares unilaterais agressivas” de países hegemônicos - como os EUA, na concepção unipolar do sistema internacional invocada pelo autor no ano de 2005.

Já o conceito de balancing abarca as ações que determinados estados tomam para alcançar algum tipo de equivalência em comparação com estados detentores de maior poder - primariamente, hard power.

Pape lista “instituições internacionais, políticas econômicas e acordos diplomáticos” como as principais ferramentas que países utilizam para exercer soft balancing.

Conceito dado, vamos ao comparativo.


Celso Amorim e o soft balancing do Brasil

Em sua análise da política externa brasileira no século XXI, Cristina Pecequilo aponta a transição efetivada no governo Lula de um país bom moço para um altivo barganhador diplomático. A estratégia central na projeção internacional do Brasil na gestão de Celso Amorim no MRE foi de cultivar novas regras favoráveis aos países em desenvolvimento numa diversidade de instituições.

Além disso, o Brasil se fez valer de alianças com países de perfil similar no Sul Global para fortalecer tal projeção. Como aponta Daniel Flemes em sua análise do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul, a agenda do acordo de cunho não só comercial, mas político e estratégico, engendrou um bloco capaz de influenciar as “regras e procedimentos de instituições internacionais” e uma “mudança de poder econômico relativo por meio de [...] cooperações estratégicas que aumentam o crescimento econômico dos membros, ao mesmo tempo que desvia o comércio de não membros”.

Porém, o exemplo mais potente de soft balancing no governo Lula se deu no então BRIC. Unindo uma relação bilateral com os EUA, o Brasil pôde fortalecer o seu aspecto terceiro-mundista de modo a preservar uma política externa autônoma e isso se deu com a utilização de estratégias institucionais como o BRIC, onde Brasil, Rússia, Índia e China utilizaram “as instituições de governança global para criar novas coligações voltadas a realizar interesses em comum.”

Esses dois momentos da política externa brasileira no período Lula mostravam uma visão de longo prazo que foi cultivada paulatinamente durante o seu governo, numa expectativa de que eventualmente a solidez diplomática cuidadosamente construída ao longo dos anos pudesse servir de alicerce para fundamentar um assento permanente no CSNU. Um objetivo audacioso - mas que parecia cada vez mais factível.

Porém, a história não termina aí. Avancemos até 2019 e vejamos se o legado da política externa brasileira do início do século criou raízes.


A soft weakness da gestão Ernesto Araújo

Desde o início da sua gestão no Itamaraty em 2019, Ernesto Araújo moldou a diplomacia brasileira através de suas bravatas. Da afirmação de que as mudanças climáticas são um “plano globalista chinês”, passando pela percepção de si próprio como combatente do “tecno-totalitarismo”, e chegando até o enfrentamento à OMS e ao “comunavírus” chinês - a passagem do indicado de Olavo de Carvalho no MRE fraturou a imagem do Brasil de forma significativa.

Se compararmos com a já mencionada política de soft balancing da gestão de Celso Amorim, o ministro de Jair Bolsonaro nos permite, através de seu trabalho, ousar cunhar um novo termo: soft weakness.

Afinal, se o caráter soft da política externa de um país diz respeito à sua projeção internacional em termos culturais, imagéticos, institucionais, diplomáticos e até publicitários, então o que tivemos na recém falecida gestão foi justamente um enfraquecimento dessa característica.

O Brasil agora, através de suas variantes de COVID-19, uma continuidade maior da pandemia no mundo; o país também estremeceu, das mais variadas formas, a sua relação com o seu maior parceiro - a China - confundindo graciosamente o âmbito da incompatibilidade de regimes políticos (estamos tão distantes assim dos chineses, com o governo atual, em termos de autoritarismo?) com o âmbito da diplomacia e da defesa dos interesses nacionais; por fim, abocanhamos o osso simbólico da submissão incondicional ao governo Trump - que, agora findado, representa um isolamento angustiante do Brasil na esfera internacional.

Em suma, essa breve perspectiva comparada entre o Itamaraty de Lula e o de Bolsonaro nos mostra, em verdade, que o horizonte diplomático é incerto e temeroso. A expectativa de melhoria em meio a uma conjuntura tão desoladora por todos os lados é um farol distante num mar tempestuoso.

Para terminar, a mensagem que invoco é, no entanto, não a de uma resignação derrotista e apocalíptica, mas a de uma esperança que encontra concretude num passado não muito distante e numa tradição diplomática que é, salvo alguns deslizes no meio do caminho, primariamente honrosa e inspiradora.



Referências:

FLEMES, Daniel. Emerging Middle Powers' Soft Balancing Strategy: state and perspectives of the IBSA Dialogue Forum. Ssrn Electronic Journal, Hamburgo, v. 57, n. 4, p. 5-31, ago. 2007. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1007692.


FLEMES, Daniel. O Brasil na iniciativa BRIC: soft balancing numa ordem global em mudança?. Revista Brasileira de Política Internacional, [S.L.], v. 53, n. 1, p. 141-156, jul. 2010. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0034-73292010000100008.

PAPE, Robert A.. Soft Balancing against the United States. International Security, [S.L.], v. 30, n. 1, p. 7-45, jul. 2005. MIT Press - Journals.

http://dx.doi.org/10.1162/0162288054894607.


PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa do Brasil no século XXI: os eixos combinados de cooperação horizontal e vertical. Revista Brasileira de Política Internacional, [S.L.], v. 51, n. 2, p. 136-156, dez. 2008. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0034-73292008000200009.


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