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Júlia Assis

Os Limites de uma Globalização sem Limites



No último dia 13 de setembro, viralizou no Twitter uma foto do novo armazém da empresa multinacional Amazon construído na cidade de Tijuana, no México, perto da fronteira com os EUA. A construção, que custou o total de US$ 21 milhões, se encontra localizada em uma favela, o que justifica a grande comoção e comentários na rede social: a imagem representaria o contraste, a distopia e a perversidade do capitalismo.

O novo armazém da Amazon foi construído em Tijuana para ficar próximo ao complexo portuário de Los Angeles-Long Beach, já que, desde o início da guerra comercial entre EUA e China, houve um aumento tarifário para trocas diretas entre os países; assim, instalar o armazém no México foi utilizado para baratear os custos logísticos da empresa.


O fato de a Amazon ser uma das maiores empresas no ramo tecnológico e seu fundador, Jeff Bezos, ser o homem mais rico atualmente (com patrimônio avaliado em, aproximadamente, US$ 200 bilhões) rendeu uma grande discussão sobre a discrepância representada por uma empreitada milionária, várias famílias vivendo precariamente lado a lado e os limites da globalização.


Esse tipo de mobilização acaba despertando reflexões sobre a configuração capitalista atual e suas relações com o norte-sul global; investimentos como esse feitos por empresas multimilionárias de países ricos em nada tem a ver com noções de “desenvolvimento local” ou “geração de renda e trabalho”: pelo contrário, esses discursos são utilizados como “disfarce” para a exploração de mão de obra barata e oferta de subemprego para populações de baixa renda em países em desenvolvimento.


O geógrafo Milton Santos, em seu livro “Por outra globalização”, aborda justamente esses “mitos” da globalização, que, como uma “fábula”, estabelece o mundo como uma aldeia global, homogeneizada e uniforme; por outro lado, a globalização é verdadeiramente perversa, provocando o aumento da miséria e pobreza. Esse sistema de desigualdades, apoiado essencialmente pelo capitalismo, reforça a dependência dos países do sul global para com os países do norte global e a lógica de exploração que perdura desde os processos coloniais, podendo ser considerado, em comparação, uma relação colonial contemporânea.


O caráter invasor da tecnicidade do mundo atual permite que uma mesma empresa se fragmente e esteja presente em vários territórios, mas, ao mesmo tempo, seja gerenciada pela sua sede (a qual é sempre presente em um país do norte global). Chega-se à conclusão de que o sistema de internacionalização do capital dá a falsa ideia de desenvolvimento mundial e igualitário quando leva-se em consideração que os “frutos capitalistas” não permanecem em países como o México: pelo contrário, eles “retornam” para países como os Estados Unidos.


Além disso, com o estabelecimento da nova Divisão Internacional do Trabalho, a partir do século XX, o norte-sul global se dividiu , mais uma vez, a partir de uma lógica colonialista: o norte fica responsável pela produção industrial com tecnologia agregada e altos investimentos, enquanto o sul fica responsável pela produção industrial de base e de matérias-primas, reforçando a especialização produtiva dos países. O processo de industrialização do sul global, inclusive, foi tardio, e aconteceu a partir da instalação de indústrias oriundas de países desenvolvidos.


Toda essa discussão leva a uma questão específica e que surge como consequência do processo predatório de globalização: a precarização das relações trabalhistas. Segundo Spencer Potiker, pesquisador de logística na fronteira EUA-México, um trabalhador nos EUA, por exemplo, recebe no mínimo US$ 15 por hora, enquanto um trabalhador mexicano recebe entre US$ 2 e US$ 4; logo, trabalhadores de países em desenvolvimento tem acesso a ofertas precárias de trabalho e a subempregos, enquanto trabalhadores de países desenvolvidos são “mais valorizados”.


A Amazon afirmou em reportagem à BBC que, desde a sua chegada no México, já gerou mais de 15 mil empregos, e agora, com a instalação do armazém em Tijuana, gerará mais outros 250, “criando oportunidades de trabalho com salários e benefícios competitivos para todos os funcionários”. É sabido, entretanto, que os reais objetivos pelos quais a Amazon construiu o empreendimento na cidade mexicana não foram o desenvolvimento dessa ou o bem-estar dos cidadãos tijuanenses, e sim o aumento do lucro de uma empresa já multibilionária por meio da exploração de mão de obra em outro país a partir de uma lógica capitalista de globalização predatória.


Quais seriam os limites socioeconômicos e humanitários para promover o desenvolvimento? Enquanto esse desenvolvimento estiver sendo “atingido” às custas das relações de dependência de países mais pobres para com países mais ricos e poderosos, não podemos afirmar que acontece esse desenvolvimento. A globalização uniforme e coerente é uma falácia a ser combatida, especialmente enquanto servir como um mecanismo capitalista de teor colonial que promove o enriquecimento e a hegemonia do norte global em detrimento da sobrevivência dos outros.




Júlia Assis





REFERÊNCIAS:


BARRÍA, Cecília. O controverso armazém da Amazon no meio de favela. BBC. 2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58520035>. Acesso em: 18 set. 2021.


BARRÍA, Cecília. O controverso armazém da Amazon no meio de favela. Folha de São Paulo. 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/09/o-controverso-armazem-da-amazon-no-meio-de-favela.shtml>. Acesso em: 18 set. 2021.


SANTOS, Milton. Por outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2011.


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4 Comments


Melissa Brito
Melissa Brito
Sep 24, 2021

Texto muito bom, bem construído e com um tema extremamente relevante

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Júlia Assis
Júlia Assis
Sep 24, 2021
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Muito obrigada, Melissa!

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Coordri UJ
Coordri UJ
Sep 23, 2021

Essa Sra. Júlia é da turma da Sra. Sâmia?

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francosamia
Sep 23, 2021
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Sim! Minha turma , certeza!

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