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PARADIPLOMACIA: COMO INSTRUMENTO PARA DIRIMIR OS DESAFIOS NO ACOLHIMENTO DOS IMIGRANTES EM SALVADOR

Maressa Braga



A historiografia do Brasil demonstra que o Estado brasileiro tem traços marcantes de fluxos migratórios, sendo reconhecido como um país de imigração. Segundo o estudo do Observatório das Migrações, a Bahia é o estado do nordeste que mais recebe imigrantes, tendo como base os dados que demonstram que, entre 2000 e 2017, cerca de 36,2 mil imigrantes no estado (RODRIGUES, 2019).

Além disso, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) do Ministério da Justiça indica que, entre 1994 e 2019, 1.639 solicitações de refúgio foram advindas do território nordestino, sendo 232 da Bahia, com a Venezuela e Cuba enquanto líderes dos pedidos de refúgio para a região. Por conseguinte, Salvador vem recebendo imigrantes em seu território, mesmo não sendo o lugar mais atrativo para os deslocados de migração compulsória, devido aos condicionantes geográficos, assim como as distâncias das fronteiras internacionais e as condições econômicas da cidade. A título de exemplificação, Boa Vista e Pacaraima se mostram mais atrativas, visto que fazem fronteira com a Venezuela (LUDOLF, MENEZES, 2020).

Entretanto, o Estado de Roraima não têm condições de receber o fluxo migratório, por isso surge a necessidade de interiorizar esses imigrantes e refugiados. Desse modo, fez-se necessário a estratégia de interiorização realizada pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas (ACNUR) em conjunto com o Governo Federal através da Operação Acolhida. Com isso, os destinos da interiorização são os estados do Amazonas, Paraíba, Bahia, São Paulo, entre outros (ACNUR, 2021). Contudo, cidades como Salvador não tem o amparo de instituições públicas para receber os imigrantes, por isso a maneira que os residentes de Salvador recebem os imigrantes está associado com a falta de conhecimento e acesso às informações sobre a condição de refúgio, o que impulsiona o crescimento de discriminação e xenofobia (LUDOLF, MENEZES 2020).

Para além disso, identifica-se a ausência de políticas públicas e falta de conhecimento das instituições governamentais sobre esse grupo de pessoas. Logo, a carência dos esforços do Governo Estadual da Bahia destinados à imigração diminui o acolhimento e inviabiliza a criação de uma rede de apoio para os imigrantes em Salvador. Ainda assim, conforme Ludolf e Menezes (2020, p.4):

Por vezes, as portarias e leis federais não são conhecidas pelas instituições estaduais e municipais, bem como por seus agentes, o que torna relevante a produção de trabalhos que evidenciem e disponham dos mecanismos de garantias de direitos desses sujeitos em situação de diáspora.

Nesse contexto, a paradiplomacia surge como uma ferramenta fundamental para mitigar as deficiências da sociedade soteropolitana frente à questão migratória. De acordo com Amorim (2019), a paradiplomacia pode ser entendida como um conjunto de ações internacionais desenvolvidas por governos subnacionais, municípios, organizações não-governamentais e empresas, objetivando fortalecer os interesses locais por meio do contato externo no âmbito das relações internacionais.

A paradiplomacia também surge como como um mecanismo de promoção ao desenvolvimento regional e local, com isso a participação paradiplomática das entidades subnacionais vai depender não só da capacidade de ação internacional, mas também de suas motivações para realizá-las. Por exemplo, na região nordestina, os estados da Bahia, Pernambuco e Ceará apresentam números consideráveis de melhores projetos executados por meio da cooperação internacional para a sociedade, seja na esfera da saúde, educação, cultura, infraestrutura, turismo, meio ambiente, etc (AMORIM, 2019).

As migrações internacionais propõem desafios aos Estados, demandando-lhes respostas para atender o fluxo migratório e melhoria em suas políticas. Nesse sentido, os Estados e as Organizações Internacionais implementam estratégias para o acolhimento dos imigrantes, como o Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular (PGM) que propõe diretrizes gerais, não vinculantes, visando uma cooperação global quanto à mobilidade humana (GOMES, 2020).

Em 2018, o PGM foi instituído na Conferência Intergovernamental em Marrocos, e acordado por 164 países. No entanto, após sua adoção muitos países favoráveis ao PGM, tornaram-se contrários, e anunciaram sua retirada deste, inclusive o Brasil. Em contrapartida, os prefeitos de algumas cidades resolveram tomar posições adversas às dos seus países. Portanto, algumas cidades começaram a participar de iniciativas internacionais ligadas ao PGM, o que permitiu um maior compartilhamento de conhecimento e de responsabilidades em relação à migração (GOMES, 2020).

Analisa-se portanto a atuação paradiplomática dessas cidades que envolvem esforços conjuntos para tratar sobre a questão migratória. Sendo assim, alguns governos subnacionais da União Europeia e do Mercosul adotaram a Declaração de Mechelen na qual:

As cidades demandam aos Estados que considerem os governos locais e regionais como efetivas partes da nação, e não como interessados externos, visando estabelecer mecanismos coordenados, em abordagem governamental integrada, para reconhecer o apoio necessário às cidades de origem, trânsito, destino e retorno de migrantes (GOMES, 2020, p. 5).

Diante disso, a cidade de Salvador através da paradiplomacia deve explorar outras redes de cidades para o compartilhamento de conhecimento em prol de suprimir os desafios da migração internacional em seu território. Além disso, pode ser realizado Consórcios Públicos Intermunicipais como meio de cooperação intergovernamental e gestão compartilhada com o objetivo de fortalecer a administração dos governos locais. Mas também, é importante a realização de cooperação internacional com organismos como Alto-Comissariado das Nações Unidas (ACNUR) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) com objetivo de capacitar instituições, prefeituras e órgãos do Governo para o amparo dessas pessoas em situação de vulnerabilidade em Salvador.

É importante ressaltar que a paradiplomacia dos países em desenvolvimento priorizam o desenvolvimento local buscando por recursos internacionais. No entanto, as cidades procuram assumir um papel estratégico nas relações internacionais, para tal buscam investimentos externos e tomar iniciativas políticas de cooperação na esfera subnacional com o objetivo de obter uma paradiplomacia eficiente capaz de trazer resultados para os problemas locais (FERREIRA, 2019). Dessa maneira, a atuação da paradiplomacia em Salvador é fundamental para suprimir os desafios provocados pelo fluxo migratório no território, visto que os órgãos como a Prefeitura de Salvador podem de maneira mais efetiva observar os problemas locais e considerar as capacidades locais para realizar estratégias mais direcionadas a fim de trazer desenvolvimento regional.

Dessa maneira, os governos locais ganham espaço no âmbito da agenda da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual contém os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS). Além disso, é nesse contexto que o Centro de Cooperação Internacional e Desenvolvimento Sustentável (CECIDES) vem para realizar suas atividades voltadas aos ODS, por reconhecer a importância dos compromissos estabelecidos para a Agenda 2030 para um desenvolvimento sustentável nas cidades. As cidades, no entanto, foram enquadradas, primordialmente, no ODS 11 que visa tornar esses ambientes mais inclusivos e sustentáveis. Para tanto, devido à crescente urbanização mundial, a abordagem da mobilidade humana transnacional nas cidades também é contemplada (GOMES, 2020).

Desse modo, tendo em vista que as cidades, agora como atores globais, têm uma atuação significativa a partir de ações de paradiplomacia, por exemplo, a cooperação transnacional com outros governos subnacionais de caráter técnica ou política, multilateral ou bilateral, assim como a promoção comercial e econômica no exterior. Conclui-se então que o quadro de migração em Salvador pode ser resolvido em grande medida com as iniciativas paradiplomáticas tanto do Governo da Bahia como da cidade de Salvador em prol da melhoria do acolhimento dos imigrantes e refugiados.



Referências:


ACNUR. Interiorização e integração no destino: rede de serviços e apoios do ACNUR. 2021. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2021/04/WEB-Rede-de-Servic%CC%A7os-e-Apoios-do-ACNUR8397.pdf>. Acesso em: 21 ou. 2022.


BITTENCOURT, Graciele; DOURADO, Carina. Brasil é o quinto país mais buscado por imigrantes venezuelanos. Agência Brasil. 2022. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-04/brasil-e-o-5o-pais-mais-buscado-por-imigrantes-venezuelanos#:~:text=O%20pa%C3%ADs%20%C3%A9%20o%20quinto,Peru%2C%20com%201.286.464.>. Acesso em: 12 out. 2022.


Consórcios públicos: Instrumentos de cooperação na gestão pública. Centro de liderança pública, 2021. Disponível em: <https://www.clp.org.br/consorcios-publicos-instrumentos-de-cooperacao-na-gestao-publica/>. Acesso em: 31 out. 2022.


CORRÊA, S, B. et al. A evolução da Paradiplomacia no Estado da Bahia e a sua relevância no enfrentamento da pandemia da Covid-19. Integri. 2020. Disponível em: <https://integri.com.br/trabalhos-apresentados/fonapa-2020/a-evolucao-da-paradiplomacia-no-estado-da-bahia-e-a-sua-relevancia-no-enfrentamento-da-pandemia-da-covid-19/>. Acesso em: 13 out. 2022.


DE AMORIM, Tiago Scher Soares. Paradiplomacia no Brasil: Os casos do estado da Bahia e do município de Salvador e a política externa subnacional. 2019. 144 p. Dissertação (Programa de pós-graduação em Relações Internacionais). Instituto de Humanidades, Artes e Ciências. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/31897>. Acesso em: 15 out. 2022.


FERREIRA, Diandra. Paradiplomacia nas cidades brasileiras. 2019. Disponível em: <https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/28351/4/ParadiplomaciaCidadesBrasileiras.pdf>. Acesso em: 24 out. 2022.


GOMES, Joséli Fiorin. Governos locais pelo Pacto Global para a Migração: iniciativas europeia e sul-americana em paradiplomacia municipal face aos limites jurídicos domésticos e internacionais. Revista Latino-Americana de Relações Internacionais. Vol. 2, Nº 3, Setembro–Dezembro de 2020. Santa Vitória do Palmar – RS.


LUDOLF, Rafaela; MENEZES, José. Salvador, cidade-refúgio? notas sobre o acolhimento social de estrangeiros. Revista brasileira de assuntos regionais e urbanos. V. 6:e7994. Goiânia. 2020.


NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates / João Pontes Nogueira, Nizar Messari, - Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.


RODRIGUES, Juliana. Bahia recebe a maior parte dos imigrantes internacionais registrados no Nordeste, mostra estudo. Metro 1. 2019. Disponível em; <https://www.metro1.com.br/noticias/bahia/79100,bahia-recebe-a-maior-parte-dos-imigrantes-internacionais-registrados-no-nordeste-mostra-estudo>. Acesso em; 12 out. 2022.

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