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Política de Multilinguismo da ONU: motivações históricas para a oficialização dos idiomas utilizados institucionalmente.


Gustavo Victor Santos Pita

Michelle Lomi Carreiro Cesarino Santos

Vitória Alice Silva Guedes


1.INTRODUÇÃO


A diversidade linguística, com o passar dos anos, têm se demonstrado emergente como um tema crucial nas relações internacionais, refletindo o reconhecimento da importância de diversos idiomas na diplomacia global. Nesse contexto, a Política de Multilinguismo da Organização das Nações Unidas (ONU), refere-se a uma abordagem adotada por organizações, instituições ou governos para garantir que múltiplos idiomas sejam reconhecidos e valorizados em suas atividades e comunicações. Essa política visa promover a inclusão, garantindo que pessoas de diferentes origens linguísticas possam participar plenamente. Isso pode incluir a tradução de documentos, serviços de interpretação em eventos e promoção da diversidade linguística. 

Por exemplo, a ONU tem uma política de multilinguismo para garantir que todos os seus documentos e eventos sejam acessíveis em todas as línguas oficiais da organização, por conseguinte desempenha um papel fundamental, sendo um marco na promoção da equidade, inclusão e comunicação eficaz entre as nações membros. Um reflexo tangível desse compromisso são os idiomas oficiais reconhecidos pela ONU.

Ao longo da história, as motivações para oficialização dos idiomas têm sido abrangentes e diversas, incluindo uma variedade de ações políticas e sociais, refletindo uma preocupação com a representatividade, o respeito à diversidade linguística e a facilitação da comunicação. Garantir que todas as nações tenham igualdade de acesso à informação e oportunidades de participação é essencial para a legitimidade e eficácia das atividades da ONU.

Neste texto, exploraremos as motivações históricas por trás dos seis idiomas oficiais — inglês, francês, espanhol, chinês, russo e árabe — que demonstram um compromisso com a diversidade não apenas geográfica, mas também cultural dos países representados na organização, para assegurar harmoniosa e concordante participação. 


2. IDIOMAS OFICIAIS DA ONU


A fim de facilitar a cooperação e comunicação global, a Organização das Nações Unidas criou a política de multilinguismo da organização, estabelecendo assim os seus idiomas oficiais, que consiste em uma política voltada para harmonizar as relações diplomáticas entre os Estados-membros — além de, democratizar a propagação de informações, estas que são disponibilizadas em mais idiomas e consequentemente alcançam um público maior.

Dessa forma, atualmente os idiomas que fazem parte dessa política multilinguística e são considerados oficiais da ONU, são: o inglês, francês, espanhol, chinês, russo — esses cinco integrando desde 1946 — e o árabe, que se tornou uma língua oficial apenas em 1973.


2.1 INGLÊS


Assim, introduzindo os idiomas oficiais da ONU, cabe abordar em primeira medida o inglês, que segundo a Encyclopaedia Britannica em 2020, é o idioma mais falado do mundo. Não à toa, o inglês é utilizado pelos principais meios de comunicação e pelos representantes de Estado ao negociarem entre si. No entanto, essa hegemonia linguística não é recente, visto que a língua inglesa foi um dos cinco idiomas iniciais oficializados pela ONU já em 1946 e, desde então, vem potencializando o alcance da propagação das informações. Portanto, para entender como o inglês conseguiu alcançar o nível de reconhecimento — que o faz ser o idioma falado por aproximadamente 15% da população mundial — se faz necessário analisar, antes de qualquer coisa, a sua historicidade.

 A expansão da língua inglesa de seu território base, a Inglaterra, começou com a imposição linguística nas Ilhas Britânicas (PHILLIPSON, 1992). Esse fenômeno, conhecido como imperialismo linguístico, foi iniciado pela Inglaterra em territórios vizinhos, causando danos irreversíveis às comunidades locais, como por exemplo, a desvalorização de línguas celtas potencializada pela propagação de uma ideologia monolíngue nas Ilhas Britânicas. Tal ideologia seria exportada para as colônias da Inglaterra na América do Norte e Australásia, causando o apagamento das línguas originais dessas regiões, oficializando, assim, o inglês como a principal até os dias atuais.

Dessa maneira, a linguagem foi um meio fundamental encontrado pelos britânicos para colonizar e controlar essas populações, exportando não só a sua língua como também desprezando e marginalizando os idiomas nativos desses territórios, com políticas linguísticas voltadas para a “educação” e “humanização” dos povos originários dessas regiões — com uma falsa ideia de que “a única perspectiva de sucesso era levar as crianças para escolas e torná-las ‘Inglês na língua, civilizadas nas maneiras, cristãs na religião’” (SPRING, 1996, p. 152) — o que resultou no desuso do idioma original dessas populações. Ademais, outras razões que contribuíram para a dominação linguística do inglês foram: a onda imigratória que aconteceu na Europa por conta dos conflitos na região — causando assim a migração de ingleses e irlandeses para outros territórios — e, atualmente, o domínio dos Estados Unidos no cenário militar e econômico.

À vista disso, todos esses fatores, além de outras políticas linguísticas implementadas pelo Reino Unido ao longo da história — determinando que os países negociem com ele apenas em inglês — e o posicionamento geográfico da sede da ONU que se encontra em Nova Iorque, facilitaram a aceitação global do idioma como uma língua oficial das Nações Unidas e como um dos vernáculos de maior influência no cenário internacional. Além disso, apesar dos meios utilizados pelos britânicos para tornar o inglês como uma língua imperialista no panorama global sejam questionáveis, é inegável a sua importância e contribuição na facilitação do acesso à informação e comunicação.


2.2 FRANCÊS


De modo semelhante ao inglês, o francês foi difundido mundo afora graças às colônias francesas presentes em diversas regiões do mundo, principalmente no continente africano. Porém, em movimento divergente da língua citada, o francês ganhou relevância no cenário internacional devido sua influência no direito internacional, sendo a linguagem de maior recorrência internacional posterior ao  inglês (DENNIS, 2023). Atualmente existem aproximadamente 321 milhões de falantes francês espalhados pelo mundo e, junto com o inglês, é o único idioma presente nos cinco continentes (OIF, 2023). Além disso, a fim de promover a língua francesa e a cooperação entre os países falantes da língua — e também não falantes como é o caso do Moçambique — em 1970 foi criado a Organização Internacional da Francofonia (OIF), que além dos objetivos já citados, também busca promover os valores franceses através da francofonia — termo esse que representa o grupo de pessoas que compartilham o francês como idioma comum (OIF, 2023) —  se tornando um foco da política externa francesa.

Pensando sobre a influência francesa no cenário do direito internacional e o impacto que o iluminismo perpetuou na europa até o século 19, é de suma importância retratar o porquê do francês ter recebido tanta relevância durante esse período. Desse modo, com as mudanças no direito internacional orquestradas pela Escola Francesa como: a promoção da preocupação dos direitos humanos a nível internacional e suas consequências na esfera nacional, e a criação de modelos comunitários e integracionistas (OLIVEIRA, 2020), fica notória a importância da escola de pensamento francesa para as áreas do saber, também durante o século 18 e 19. Não à toa, pela potência que a França se tornou na época graças ao movimento iluminista, imperialismo francês em regiões vizinhas à França e pela notoriedade com que a sua escola compreendeu ao longo das décadas, o francês se tornou nesse período o idioma oficial da diplomacia, ciência e arte.

Nesse sentido, é importante entender a relação atual da França com suas antigas colônias. A partir de 1945, o governo francês começou a desenvolver uma estratégia neocolonial, conhecida como françafrique, com a criação de dois institutos — Direção-Geral das Relações Culturais (1945) e o Ministério da Cooperação (1961) — com o intuito de realizar a manutenção da sua influência e estreitar as relações culturais e diplomáticas da França com ex-colônias francesas. Na atualidade, a diplomacia cultural francesa é exercida pelo Ministério da Europa e Relações Exteriores, promovendo a cultura e intelecto francófono no exterior, a partir de eventos culturais e de centros de ensino, que visam reforçar laços com os países participantes (MINISTÈRE DE L’EUROPE ET DES AFFAIRES ÉTRANGÈRES, 2015).

Ademais, pensando na influência governamental dos países francófonos para difundir o francês globalmente, em 2021 foi realizado no Mali, com parceria da OIF e financiada pelo Ministério da Europa e Relações Exteriores, uma Missão da ONU com o intuito de ensinar francês aos soldados de paz e boinas-azuis, a fim de facilitar a comunicação desses militares com seus comandantes e com as populações de países de língua francesa — com a intenção de tornar o francês mais praticado em outras operações pelo mundo. No entanto, essa ação da ONU com o governo francês remete a uma outra operação que aconteceu no Brasil durante o período de colonização portuguesa. Nessa época, foi necessário realizar o ensino da língua francesa para os soldados brasileiros, tendo em vista que, todo conhecimento científico — incluindo o material de instrução militar — da época era, em sua maioria, em vernáculo francês, fazendo surgir a necessidade de conhecimento, ao menos básico, do idioma para a capacitação desses soldados. Porém, isto não era um caso isolado, sabendo-se que outras áreas do conhecimento também necessitavam da aptidão na língua francesa, uma vez que todos os compêndios mais atualizados da época estavam escritos em francês (OLIVEIRA, 2014). Esse fenômeno se estende até os dias atuais, considerando que diversos campos do saber tem seus materiais de apoio — como artigos acadêmicos, recursos diplomáticos, documentações da ONU e de outras organizações internacionais — escritos em francês, aumentando ainda mais a necessidade de compreensão do idioma na atualidade global. 


2.3 ESPANHOL


Ao cruzar as fronteiras geopolíticas e culturais, a língua espanhola se destaca no cenário internacional desde a colonização espanhola nas Américas, deixando um legado linguístico marcante, que influenciou profundamente a disseminação e o uso da vernácula em todo o mundo. Desde os tempos das grandes navegações, o espanhol tornou-se a língua predominante em grande parte da América Latina e partes da América do Norte, Central e do Sul. Esse fenômeno se deve à expansão do império espanhol, que conduziu à difusão do idioma por meio da evangelização, administração colonial e comércio, estabelecendo uma base sólida para sua posterior adoção e desenvolvimento da língua.

Após a Segunda Guerra Mundial, o espanhol começou a ganhar reconhecimento internacional devido à crescente influência política, econômica e dos países de língua espanhola. Sua participação em conflitos internacionais também contribuiu para a disseminação do idioma e sua importância diplomática. 

Para além disso, as nações de língua espanhola também desempenharam um papel fundamental na fundação e no fortalecimento das Nações Unidas, destacando-se sua contribuição significativa para a diversidade linguística e cultural do organismo internacional. A presença destes Estados  foi crucial não apenas para a criação das Nações Unidas, mas também para a promoção da cooperação global e o desenvolvimento de soluções para os desafios enfrentados pela comunidade internacional (César Barros Leal, 1986). O compromisso desses países de língua espanhola com os princípios e objetivos das Nações Unidas tem sido uma força motriz para a paz, segurança e desenvolvimento sustentável em todo o mundo. Alguns desses países incluíam México, Argentina, Espanha e outros países da América Latina e da Península Ibérica. 

Adicionalmente, o reconhecimento do espanhol como idioma oficial da ONU fortalece os laços entre os países de língua espanhola que são membros de organizações regionais, como a CELAC — Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos — e a União Europeia (Carolina Albuquerque Silva, 2017). Essas entidades promovem a cooperação e a integração econômica, política e social entre seus membros, e o espanhol atua como um elo linguístico que facilita o intercâmbio de informações, ideias e recursos entre eles.

Ao compartilhar o mesmo idioma, os países hispanófonos podem colaborar de maneira mais eficaz na abordagem de desafios regionais, como segurança, desenvolvimento sustentável, migração e combate ao narcotráfico. Além disso, o reconhecimento do espanhol na organização permite que esses países trabalhem em conjunto com outros Estados-membros para enfrentar desafios globais que ultrapassam as fronteiras regionais, promovendo uma abordagem mais coordenada e coesa para lidar com questões de interesse comum.

Portando, ao fomentar colaboração e cooperação, o reconhecimento do espanhol também amplia a influência dos países de língua espanhola no cenário internacional. Assim, participando de fóruns internacionais, como a ONU, esses países podem articular posições comuns e exercer maior influência na formulação de políticas globais, promovendo uma abordagem mais inclusiva e representativa para enfrentar desafios mundiais. 


2.4 CHINÊS 


A língua chinesa surge no cenário internacional como uma segunda potência linguística em relação ao inglês. Primeiramente, é necessário entender que a China foi um dos países envolvidos na  fundação da ONU, logo, o chinês, assim como o inglês, foi uma das primeiras línguas a ser oficializada dentro da organização (ONU, 2023). Além disso, o chinês não representa um idioma independente, mas sim uma família linguística, com 10 idiomas ou dialetos presentes, baseada nas línguas sino-tibetanas

À face do exposto, dentre os dialetos presentes no chinês, o que apresenta o maior número de falantes — e o mais conhecido pelos ocidentais — é o mandarim. A origem do mandarim está intrinsecamente ligada com a evolução histórica e política da China, uma vez que, durante a Dinastia Ming (1368-1644) e Qing (1644-1912), o mandarim representava o idioma da classe dominante e foi, naturalmente, se tornando a língua oficial da côrte (SU, 2019). Esse movimento também foi influenciado pelo fato de que a cidade de Pequim, já durante a Dinastia Qing, era e continua sendo a capital da República Popular da China. Portanto, pelo mandarim tradicional ser uma evolução direta do dialeto pequim, a proximidade entre ambos facilitou a sua oficialização, em 1909, como língua oficial da China. Outro dialeto bastante difundido em território chinês, ainda que não seja em mesma escala, é o cantonês, que apresenta uma grande importância histórica por ser o idioma que mais apresenta semelhanças, em comparação aos outros, com o chinês arcaico.

Se tratando da influência histórica neste processo, apesar da China ter sido colonizada, desde a vitória britânica na primeira Guerra do Ópio (1839-42) até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945 após a derrota do Japão, o inglês — que era imposto pela Inglaterra através dos missionários — não conseguiu marginalizar as línguas locais e muito menos apagá-las. Esse processo pode ser explicado pois, a maior parte da sociedade chinesa permaneceu fora da influência deste processo de transformação (WAHED, 2016). Isto é, por conta da resistência do governo de Qing de expandir as chamadas “treaty ports cities” — cidades portuárias da China abertas pelos imperialistas para o comércio exterior — para outras regiões, o alcance com que as ideologias do norte global, tal qual a língua inglesa, se propagassem e criassem maiores danos foi limitado.

Além de sua historicidade cabe ressaltar a influência econômica e política da China para a relevância deste idioma na atualidade. Assim — segundo dados do Penn World Table e do Banco Mundial — enquanto em 1975 a economia chinesa era apenas a 9ª do mundo, já em 2006 ela representava 46% da economia norte-americana e era a segunda maior no cenário internacional. Nenhum outro país cresceu tanto quanto a China entre 1951 e 2007 (NONNENBERG, 2010) e com isso, essa crescente importância chinesa — que atualmente representa uma ameaça não somente econômica mas também cultural a primazia dos Estados Unidos — fez o chinês, mais especificamente o mandarim tradicional, ganhar grande relevância nas relações comerciais e diplomáticas entre os países. Dessa maneira, é importante ressaltar que a ameaça chinesa ao domínio estadunidense, no cenário internacional, está ligada diretamente, mas não exclusivamente, com a postura positiva que a China começou a apresentar na sua política externa, que tem objetivo de criar conexões regionais e globais a fim de expandir sua influência no sistema internacional — a iniciativa do BRICS é um exemplo disso — e com a sua importância no comércio internacional, sendo um solene exportador e importador no cenário, principalmente graças a sua relação com o Brasil e outros países da América Latina — movimento que ocorre em suas complexidades também no âmbito linguístico. 


2.5 RUSSO


Dando continuidade, o russo, idioma proferido por mais de 250 milhões de pessoas em todo o mundo, é uma das línguas mais faladas na Eurásia e em partes da Europa Oriental e Central (UNRIC, 2023). Sua inclusão como um dos idiomas oficiais da ONU reflete a presença global significativa do russo e sua importância como meio de comunicação em uma vasta região do mundo, desempenhando um papel crucial nas atividades e comunicações da organização em espectro global, destacando sua importância histórica, influência geopolítica, amplitude de falantes e seu papel na facilitação da participação e comunicação entre os Estados-membros.       

Durante grande parte do século XX, a União das Repúblicas Socialistas  Soviética (URSS) foi uma das potências globais proeminentes, exercendo influência política, econômica e militar ao redor do globo. Portanto, a URSS desempenhou um papel significativo na formação da ONU em 1945, sendo um dos membros fundadores e atuando crucialmente nas negociações e estabelecimento dos princípios e objetivos da organização. Como tal, o russo foi escolhido como uma das línguas oficiais da ONU refletindo a influência e o legado da União Soviética no cenário internacional.      

Ademais, os soviéticos perceberam que o apoio às Nações Unidas poderia ser uma oportunidade de aumentar o prestígio da União como uma grande potência, pois acreditavam que a Organização deveria se limitar a manter a paz. Assim, eles trabalharam para consolidar o máximo de autoridade possível para o Conselho de Segurança, onde mantiveram um veto (Ilya Gaiduk, 2006), contribuindo para moldar muitos dos princípios e valores que orientam o trabalho das Nações Unidas, incluindo a promoção da paz, da cooperação internacional e dos direitos humanos. Dessa maneira, o reconhecimento do russo como uma das línguas oficiais da organização não apenas reflete a herança histórica e cultural da União Soviética, mas também destaca sua contribuição duradoura para a governança global, referindo-se ao processo de tomada de decisões e gestão de questões que transcendem as fronteiras nacionais, ademais faz-se necessário destacar a forte capacidade negociação entre múltiplos estados e organizações, vistas atualmente em políticas internacionais. 

De modo adicional, a Rússia ocupa uma posição de capacidade de desestabilizar o cenário internacional, desempenhando papel significativo em questões geopolíticas, econômicas e de segurança, sendo uma das poucas potências nucleares do mundo, possuindo um arsenal nuclear considerável (OTAN, 2021) — além de manter forças armadas poderosas e ser um participante ativo em questões de Segurança Internacional. Em termos geopolíticos, sua vasta extensão territorial e sua posição estratégica na Eurásia lhe conferem uma influência considerável em regiões-chave, como Europa Oriental, Ásia Central e Oriente Médio.


2.6 ÁRABE


O arábe se tornou um idioma oficial das Nações Unidas em 1973 (UNRIC, 2016), a decisão foi tomada principalmente devido sua importância cultural, histórica e política no cenário internacional, como uma das línguas oficiais da Liga Arabe desde sua fundação em 1945 (League of Arab States, 2022).

Ao mencionar a língua árabe, se faz necessário abordar suas raízes, no noroeste da Península Arábica, foi transportado ao longo das Rotas da Seda por comerciantes, viajantes e estudiosos árabes. Ao longo do tempo, esses intercâmbios linguísticos contribuíram para o enriquecimento e diversificação da língua árabe em diferentes regiões, desde o sul da Península Arábica até as bordas das Montanhas Taurus no norte desta região. 

A migração de grupos étnicos e comerciantes ao longo das Rotas da Seda facilitou a propagação do árabe para outras terras, onde interagiu com línguas locais e influenciou a formação de dialetos regionais. Essa diversificação linguística refletia não apenas as origens geográficas dos falantes, mas também os contatos interculturais ao longo das rotas. Além das contribuições internas, o árabe foi influenciado por sociedades com rica herança cultural, como os persas e gregos. O estudo dessas interações revela como o árabe absorveu e adaptou termos e conceitos de outras línguas, enriquecendo assim seu vocabulário e estrutura.

As Rotas da Seda, ligavam o Mediterrâneo Oriental à China, passando por territórios como o Oriente Médio, Ásia Central e Índia. Essas rotas não apenas facilitam o comércio de seda e outros produtos luxuosos, mas também promoviam intercâmbios culturais e linguísticos ao longo de milhares de quilômetros. 

O reconhecimento do árabe como um dos idiomas oficiais das Nações Unidas vai além de uma mera questão linguística; é um testemunho da rica contribuição cultural, científica e literária do mundo árabe ao longo da história. Desde os tempos antigos, o mundo árabe tem sido um centro de conhecimento e aprendizado, onde grandes avanços foram feitos em diversas áreas, incluindo matemática, medicina, filosofia e literatura. O árabe, como língua do Alcorão e de sua vasta tradição literária, desempenhou um papel fundamental na disseminação desses conhecimentos e na formação da civilização islâmica. 

No quesito do reconhecimento pode se pontuar implicações práticas significativas. Como uma língua falada por mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, o árabe é uma ferramenta essencial para facilitar a comunicação e o diálogo entre os países árabes e o resto do mundo. Isso é especialmente importante em um contexto geopolítico onde questões como o conflito no Oriente Médio, a estabilidade do Golfo Pérsico e a crise humanitária em países como Síria e Iêmen estão em destaque.


3.CONCLUSÃO


Enxergar a política de multilinguismo da ONU é perceber a globalização em movimento. O transbordar das culturas e linguagens que atingem um nível transfronteiriço. É o regional se tornando parte do global, expandindo-se para uma necessidade que se torna básica no século XXI: o acesso à informação. Assim, para que o fluxo de informações no escopo internacional seja compreendido e analisado criticamente, existe um instrumento base para que isto seja possível, o conhecimento do idioma utilizado. 

Deste modo, ao analisar o panorama da diversidade idiomática global no âmbito das organizações internacionais questiona-se sobre como os idiomas oficiais da ONU contribuem para a fortificação da política de multilinguismo. E, além disso, como este movimento se consolida a partir de seus antecedentes históricos? É nesse sentido, que a presente obra busca elucidar a historicidade dos seis atuais idiomas oficiais da organização abordada: Inglês, Francês, Espanhol, Chinês, Russo e Árabe.

Em um panorama inicial, tanto a língua inglesa quanto a francesa e a espanhola são abordadas por uma linearidade semelhante: o processo colonial. Este acontecimento histórico impulsiona uma expansão geográfica destas línguas, alcançando uma importância e utilização global. Demonstrando sua atual relevância, o inglês é o idioma oficial de dois Estados que ocuparam posições históricas de prestígio no sistema internacional, os EUA e a Inglaterra. Ademais, este idioma é o majoritário quando se trata de documentos oficiais — tanto de Organizações internacionais, quanto de arquivos estatais — e arquivos acadêmicos, se configurando durante muito tempo como o idioma global. Em uma movimentação diferente do inglês, o francês, além da questão colonial, têm sua importância caracterizada na tradição do direito internacional — prestígio que se estende até os dias atuais. No que tange a língua espanhola, como mencionado anteriormente, o processo colonial é o maior dos fatores que a fortificou no cenário internacional. Um grande exemplo prático da propagação do espanhol a nível global se encontra ao analisar os idiomas oficiais do países latinoamericanos, que — com exceção do Brasil, Guiana e Suriname — é completamente dominado pelo espanhol.

De modo divergente, o idioma Chinês — ressaltando que este é o agrupamento de todos os dialetos utilizados no território da China, incluindo o mandarim e cantonês — está atrelado a sobrevivência de um processo colonial, visto que apesar de diversas tentativas de imposição do inglês e outros idiomas na região, o chinês ainda prevaleceu. Não deve ser ignorado também o atual crescimento desta nação no cenário internacional, visto que tanto em pretextos econômicos quanto culturais, a China tem quebrado barreiras estabelecidas pelo subdesenvolvimento — se enquadrando como uma ameaça a nações de maior influência como os EUA. 

O idioma Russo vem de um complexo pretexto histórico, se expandindo no período da URSS, e estabelecendo uma relevância global constante devido ao poder que a Federação Russa — maior concentração de falantes do idioma — possui, sendo exemplificado com o poderio bélico. Neste sentido, sua posição geográfica na Eurásia é um "trunfo" geopolítico, considerado por Spykman (1944) o coração do mundo, ou seja, o "Heartland". No que tange ao último idioma abordado nesta obra, o Árabe têm a sua expansão devido aos intercâmbios linguísticos ocorridos nas Rotas da Seda. Além disso, ao ser o idioma oficial do Alcorão, o recente crescimento global dos adeptos a religião Islâmica fortalece este movimento.

Dessarte, ao retomar-se a problemática proposta, conclui-se que a historicidade dos idiomas aqui analisados influência em seu protagonismo na atualidade. A importância política, econômica e cultural que estes idiomas adquirem se caracteriza como motivação que pressiona a Organização das Nações Unidas (ONU) — priorizando um entendimento global de suas pautas — a estabelecer de modo institucional a política de multilinguismo.
















4.REFERÊNCIAS


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