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Pedro Mota | Observatório Internacional

Reeleição de Macron por rejeição a Le Pen: Eleições presidenciais francesas 2022



Em 24 de abril de 2022, Emmanuel Macron foi reeleito presidente da França com 58,5% dos votos no segundo turno das eleições. Marine Le Pen, a candidata da oposição, ficou com apenas 41,46% dos votos. É a segunda vez que eles se enfrentam em um segundo turno - na eleição de 2017, Macron ganhou com uma margem maior, sendo eleito com 66,1% dos votos.


Na eleição deste ano, a classificação para o segundo turno foi difícil para os dois candidatos, com Macron recebendo 27% dos votos, enquanto Le Pen recebeu 23,1% - apenas 1,1% de diferença para o terceiro colocado Jean-Luc Mélenchon, que ficou com 22%. A partir daí a diferença foi mais expressiva, com o quarto candidato mais votado, Éric Zemmour, tendo 7,1%. O resultado do primeiro turno ditou uma característica importante para o cenário final destas eleições, mas, para entender o porque, primeiro é necessário um pouco de contexto.


Macron é considerado um candidato do centro e, por alguns tablóides, chega a ser de centro-direita. Possui um discurso segmentado, focado no seu eleitorado, com pouca abertura para o público geral e, por isso, muitas vezes é visto como um presidente para a elite. Le Pen é vista como extrema-direita, com promessas antigas de sair da União Europeia e de tornar mais estritas leis de imigração com discursos xenófobos e islamofóbicos. Por último, Mélenchon é de extrema-esquerda e reuniu a maior parte de votos do setor, sendo considerado o candidato viável da esquerda nas eleições.


Mélenchon sempre foi dono de um discurso radical, tanto nessas eleições como durante toda sua carreira. Em 2017, quando igualmente ficou em terceiro lugar, também tinha ideias de sair da UE, por conta de sua natureza liberal, e ia além - propôs um rompimento com diversos tratados europeus. Em 2022, um dos projetos principais de Mélenchon era a proposta de emprego universal, que, em análise de Godin Romaric do Trópico em Movimento, baseia-se numa política keynesiana de geração de empregos por investimento público, reforçando a fuga do neoliberalismo pelo candidato.


Sabendo disso, podemos voltar ao cenário no qual temos uma esquerda que não mandou o seu candidato ao segundo turno e, a partir de agora, uma porcentagem significativa de votos, que podem decidir o curso da eleição, não se sentindo representados pelos candidatos que restaram.


O que deixou a eleição ainda mais acirrada é o fato da transferência dos votos do eleitorado de Mélenchon para Macron não estar tão claro esse ano como ocorreu em 2017. Desta vez, Marine Le Pen abandonou os discursos mais radicais do seu partido e assumiu uma postura mais branda durante o processo eleitoral, com um foco maior no seu plano econômico, que, similar ao de Mélenchon, também estava focado no aumento do poder aquisitivo da população francesa, só que pela alteração do funcionamento das tarifas e da aposentadoria no país. Do outro lado Macron continuava sendo o presidente dos ricos para uma eleitorado que tinha acabado de experienciar sua presidência sem melhoras significativas em suas condições de vida. Com isso, uma alta quantidade de eleitores de Mélenchon, chegando a beirar os 30% em algumas pesquisas, considerava votar em Marine Le Pen no segundo turno.


Contudo, Mélenchon, mesmo não declarando apoio a Macron, deixou claro que “não deveremos dar votos para a senhora Le Pen” e com isso, criou-se um panorama muito claro: o voto em Macron não seria por ligação aos seus ideais, mas para negar uma possível presidência de Le Pen.


Mesmo com o discurso mais leve, Le Pen ainda fazia parte do mesmo partido pelo qual concorreu às eleições em 2017, com os mesmo ideais impregnados em seu plano político - desta vez, eles só não eram abertamente discutidos. Os comentários islamofóbicos, xenofóbicos e racistas feitos pela candidata em 2017 ainda estavam vivos dentro do legado político que Le Pen trouxe consigo e com seu partido para as eleições mais recentes.


É importante deixar claro que o eleitorado de Mélenchon não foi exclusivo de votos para Macron. Essas eleições marcaram a 2ª maior taxa de abstenção desde 1958 na França, com 28,01% dos franceses não indo às urnas, segundo o Ministério do Interior francês. Mesmo o voto não sendo obrigatório no país, segundo pesquisa do Poder 360, as taxas de abstenção sempre foram baixas (ao redor de 15%), mas atingiu níveis altos nas eleições de 2017 (25,4%) e ultrapassou esse nível neste ano.


Dado esse cenário, Macron alterou o seu discurso após ser eleito. Entendendo que poderá ser alvo de fortes críticas pelos dois setores extremistas do país, o presidente eleito disse que “não é o candidato de um partido, mas o presidente de todos”, chegando a citar que as preocupações da extrema-direita serão de sua responsabilidade. Macron, em seu discurso após a confirmação de sua vitória, admitiu estar ciente que "nem todos os votos que recebi foram por conta de minhas qualidades como político, mas que foram votos para barrar o avanço da extrema-direita no país". Hugh Schofield, correspondente da BBC, considera que é possível admitir que o francês médio não considerou Macron um mau presidente e que vê como inevitáveis certas mudanças propostas pelo presidente, tal qual o aumento da idade para a aposentadoria.


Para a comunidade internacional, a escolha entre Macron e Le Pen significaria posturas completamente diferentes da França. Recentemente, Macron tentou agir como mediador na questão da guerra entre Rússia e Ucrânia, realizando contatos com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, dando destaque à França em uma questão global. Le Pen se diferenciou de outros extremistas de direita do país ao condenar a invasão russa, mas manteve postura similar em relação a União Europeia - mesmo que não cogite mais uma saída da União, gostaria de uma reformulação da estrutura, que mudaria a forma de comportamento do bloco. A eleição de Le Pen poderia significar um rompimento, ou pelo menos um atrito, com diversos aliados recentes franceses, dificultando as ações da União Europeia no continente. Com a reeleição de Macron, é esperado um pouco mais do que já foi visto: fortalecimento do bloco europeu, especialmente necessário devido às tensões criadas pela guerra entre Rússia e Ucrânia.


REFERÊNCIAS


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AMARO, Silvia. Macron faces off against far-right rival Le Pen as France heads to the polls. CNBC, [S. l.], p. 1, 23 abr. 2022. Disponível em: https://www.cnbc.com/2022/04/24/frances-macron-anger-of-le-pen-voters-must-be-addressed.html. Acesso em: 30 abr. 2022.


BBC NEWS BRASIL. Eleições na França: Macron é reeleito presidente com 58,6% dos votos. BBC News Brasil, [S. l.], p. 1, 24 abr. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61211759. Acesso em: 30 abr. 2022.


BRANDÃO, Adriana. Resultados do 1° turno confirmam que França entrou em “nova era” política. RFI, [S. l.], p. 1, 11 abr. 2022. Disponível em: https://www.rfi.fr/br/podcasts/rfi-convida/20220411-resultados-do-1%C2%B0-turno-confirmam-que-fran%C3%A7a-entrou-em-nova-era-pol%C3%ADtica. Acesso em: 30 abr. 2022.


CLINCH, Matt. France’s Macron: Anger of Le Pen voters must be addressed. CNBC, [S. l.], p. 1, 24 abr. 2022. Disponível em: https://www.cnbc.com/2022/04/24/frances-macron-anger-of-le-pen-voters-must-be-addressed.html. Acesso em: 30 abr. 2022.


COHEN, Sandra. Mélenchon detém a chave do duelo entre Macron e Le Pen no segundo turno. G1, [S. l.], p. 1, 11 abr. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/post/2022/04/11/melenchon-detem-a-chave-do-duelo-entre-macron-e-le-pen-no-segundo-turno.ghtml. Acesso em: 3 maio 2022.


FERNANDES, Daniela. Eleição na França: por que eleitores da esquerda radical podem migrar para Le Pen. BBC News Brasil, [S. l.], p. 1, 11 abr. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61104861. Acesso em: 3 maio 2022.


FERNANDES, Daniela. Eleições na França: rejeição a Le Pen pode garantir vitória de Macron. BBC News Brasil, [S. l.], p. 1, 23 abr. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61194549. Acesso em: 30 abr. 2022.


GODIN, Romaric. Jean-Luc Mélenchon tem um programa radical. Implementá-lo seria muito mais difícil. Trópico em Movimento, [S. l.], p. 1, 16 mar. 2022. Disponível em: https://tropicomovimento.com.br/clipping/2022/jean-luc-melenchon-tem-um-programa-radical-implementa-lo-seria-muito-mais-dificil. Acesso em: 3 maio 2022.


PODER 360. França registra maior abstenção eleitoral desde 1969. Poder 360, [S. l.], p. 1, 24 abr. 2022. Disponível em: https://www.poder360.com.br/internacional/franca-registra-maior-abstencao-eleitoral-desde-1969/. Acesso em: 30 abr. 2022.


TRIPPENBACH, Ivanne; JOHANNÈS, Franck. Marine Le Pen is still decidedly far-right, despite her softened image. Le Monde, [S. l.], p. 1, 7 abr. 2022. Disponível em: https://www.lemonde.fr/en/2022-presidential-election/article/2022/04/07/despite-her-softened-image-marine-le-pen-is-still-decidedly-far-right_5979901_16.html. Acesso em: 3 maio 2022.


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