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OBSERVATÓRIO | Maria Júlia Silva

Tecnologia, Tradição e Desafios- Economia do Japão em Perspectiva

Recentemente, o Japão entrou em recessão técnica após o seu Produto Interno Bruto (PIB) ter recuado por dois trimestres seguidos. Entretanto, esse não é o único indicador de tempos difíceis para economistas japoneses. No início deste ano, foi noticiado que o país insular perdeu uma posição no ranking das maiores economias do mundo, se estabelecendo, até esse momento, em 4° lugar e abaixo da Alemanha. Tais informações nos levam a questionar: O que está acontecendo com o Japão? Como a economia de uma potência tecnológica tão influente e promissora está ficando para trás no cenário internacional? Estas e mais outras questões serão respondidas no presente texto.


Para compreender o Japão no presente é necessário uma breve contextualização de seu passado. O Japão se encontrava extremamente enfraquecido após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). De acordo com Miyasaki (1992), “a realização da poupança acumulada durante a [segunda] guerra, o aumento populacional devido ao repatriamento de civis e militares dos territórios ocupados e a maciça emissão de moeda causaram o excesso generalizado da demanda em relação à oferta”, fatores que contribuíram para um constante processo inflacionário. Ademais, por estar na posição de perdedor, o antigo Império Japonês se viu constrangido a aceitar as imposições dos Aliados como forma de punição. Entre elas estava a ocupação estadunidense no território que objetivava a desmilitarização e democratização do país asiático. Os Estados Unidos foram responsáveis por uma série de reformas políticas e econômicas que auxiliaram na reconstrução da infraestrutura e indústrias nipônicas, e, paralelamente, tornavam o território um reflexo de seus interesses e o utilizavam como região estratégica. 


A ascensão econômica do Japão nas décadas seguintes foi impulsionada por uma série de fatores. Isso incluiu investimentos pesados em tecnologia, educação e industrialização, uma estratégia de exportação agressiva e políticas industriais orientadas pelo Estado. Em dezembro de 1948, as autoridades dos Estados Unidos estabeleceram uma orientação para que o Japão adotasse uma política econômica específica. No mês seguinte, em fevereiro, designaram um consultor especial para supervisionar e implementar um plano econômico no país manifestado através do Plano Dodge (HAMADA; KASUYA, 1992). O plano consistia na assistência financeira e técnica ao país devastado pela guerra, implementando o capital estrangeiro na ilha. Esse apoio foi crucial para reconstruir a infraestrutura e as indústrias japonesas. Simultaneamente, o governo japonês intensificou sua intervenção estatal através de políticas industriais com o fim de direcionar o crescimento econômico em caso de “falha de mercado". Destarte, na segunda metade da década de 1980, o Japão destacou-se entre os países industrializados por registrar uma das maiores taxas de crescimento econômico e manter estabilidade nos níveis de preços. Isso contrastava com as condições econômicas de quarenta anos atrás, quando o país enfrentou uma devastação econômica e uma aceleração inflacionária, atingindo taxas anuais de até três dígitos (MIYAZAKI, 1992).


Desta forma, visando um suporte estatal para a economia japonesa, o governo implementou reformas agrárias que redistribuem a terra entre os agricultores, aumentando a produtividade no setor agrícola. Seus investimentos maciços em tecnologia e educação também desempenharam um papel fundamental, ajudando a modernizar a indústria japonesa e capacitar uma força de trabalho altamente qualificada. A cultura de trabalho árduo, juntamente com o foco na exportação e na produção de bens de alta qualidade, contribuiu para o rápido crescimento das exportações japonesas e o aumento da receita estrangeira. Esse período de rápido crescimento econômico do Japão ficou conhecido como o "Milagre Econômico Japonês", que ocorreu entre as décadas de 1950 a 1970. Durante esse período, o Japão experimentou taxas de crescimento em volta de 12%, superando muitas das economias ocidentais e se tornando a segunda maior economia do mundo. Durante esse período, a tecnologia desempenhou um papel fundamental no crescimento econômico e na transformação do Japão em uma potência industrial global. As inovações tecnológicas japonesas impulsionaram o desenvolvimento de diversos setores-chave, como eletrônicos, automobilístico e manufatureiro.


Uma das áreas mais impactadas pela tecnologia foi a eletrônica. Empresas japonesas como Sony, Panasonic e Toshiba lideraram a inovação em produtos eletrônicos de consumo, introduzindo televisores, rádios, videocassetes e câmeras de alta qualidade que conquistaram mercados globais. Além disso, o Japão foi pioneiro no desenvolvimento de dispositivos de armazenamento de dados, como disquetes e CDs, contribuindo significativamente para a revolução digital em andamento. No setor automobilístico, a tecnologia japonesa desempenhou um papel crucial na melhoria da eficiência e da qualidade dos veículos produzidos. Empresas como Toyota, Honda e Nissan introduziram inovações como sistemas de produção just-in-time e controle de qualidade total, que resultaram em processos de fabricação mais eficientes e na produção de carros confiáveis e econômicos. Neste momento, o Japão havia se tornado um sinônimo de desenvolvimento.


O início da estagnação econômica no Japão pode ser rastreado até o Acordo de Plaza, assinado em setembro de 1985. Este acordo, assinado pelos ministros das finanças dos Estados Unidos, Japão, Alemanha Ocidental, França e Reino Unido, as cinco maiores economias da época, visava corrigir o desequilíbrio do mercado de câmbio, especificamente a alta valorização do dólar americano em relação a outras moedas. No entanto, o que procedeu após o acordo foi uma alta e rápida valorização da moeda japonesa, cerca de 46%, o que tornou seus produtos extremamente caros para importação e, consequentemente, menos competitivos para o comércio internacional, um ponto chave da sua economia. É importante destacar que, conforme indicado por Arrighi (1998), durante os anos 70, os Estados Unidos já estavam exercendo pressão sobre o Japão para aumentar o valor do iene (moeda japonesa) e para abrir mais a sua economia ao capital estrangeiro. Previamente, a dinâmica internacional envolvia principalmente os Estados Unidos e a Europa, mas durante a década de 70, essa situação começou a se alterar, o que serviu como um prenúncio do que viria a seguir (o Acordo de Plaza). Como consequência, o governo dos Estados Unidos cessou suas pressões sobre seus competidores europeus e seus clientes no Leste Asiático, passando a concentrar seus esforços no Japão para valorizar a sua moeda e globalizar sua economia (SOARES, 2023).


Por conseguinte, as empresas japonesas enfrentaram dificuldades devido à redução das vendas externas e à competição crescente de países emergentes, como Coreia do Sul e Taiwan, que estavam se tornando cada vez mais competitivos no setor tecnológico tradicionalmente dominado pelo Japão. Além disso, o estouro da bolha especulativa do mercado imobiliário japonês e do mercado de ações no início da década de 1990, também apelidada de “a década perdida”, agravou ainda mais a situação econômica do país. Essa sequência de eventos levou a uma crise financeira prolongada, caracterizada por baixo crescimento econômico, deflação persistente, elevadas taxas de desemprego e problemas no setor bancário devido a empréstimos inadimplentes. Após o início da estagnação econômica, o Japão implantou várias políticas e medidas para tentar combater os desafios econômicos enfrentados, entretanto sem sucesso. 


Uma das principais estratégias adotadas pelo governo japonês foi a flexibilização monetária, que incluiu taxas de juros negativas para estimular o consumo e o investimento, bem como intervenções no mercado cambial para controlar a valorização do iene. Apesar dessas medidas, a demanda doméstica permaneceu fraca e a deflação persistente continuou a ser um problema. O governo também implementou políticas fiscais expansionistas, aumentando os gastos públicos e lançando programas de estímulo para impulsionar a atividade econômica resultando em uma crescente dívida pública do Japão, que atingiu níveis alarmantes durante esse período e hoje é o país que mais deve ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Atualmente, o Japão ainda permanece como um dos líderes na indústria tecnológica e automobilística, tendo sido, segundo o canal de notícias britânico CNN, o terceiro maior produtor mundial de automóveis e navios em 2022. Adicionalmente, o Japão é conhecido por sua excelência em manufatura, com um foco na produção de alta qualidade e eficiência e também foi o maior mercado exportador para quase 15 países no mundo. Portanto, seria errôneo negar o poder e capacidades que a ilha continua possuindo e como isso reverbera e intensifica sua influência no sistema internacional. Todavia, fatores como a desaceleração no consumo e nos gastos de capital, o envelhecimento da sua população economicamente ativa, as cicatrizes das crises econômicas enfrentadas ao longo do século e a emergência de outras economias asiáticas levantam dúvidas a respeito da manutenção desse status quo.


 

Referências 

BBC. Japão: 3 Causas Da Inesperada Recessão Que Fará O País Perder a Posição De 3a Economia Mundial. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4n3489kr91o>. Acesso em: 3 abr. 2024. 

HAMADA, K.; KASUYA, M.  The Reconstruction and Stabilization of the Postwar Japanese Economy: Possible Lessons for Eastern Europe? [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.econstor.eu/bitstream/10419/160594/1/cdp672.pdf>. Acesso em: 1 maio. 2024.

KAJIMOTO , T.; KIHARA, L. Economia Do Japão Contrai 2,1% No 3o trimestre, E Risco De Recessão Cresce. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/economia-do-japao-contrai-21-no-3o-trimestre-e-risco-de-recessao-cresce/>. Acesso em: 11 abr. 2024. 

REUTERS. Japão Entra Em Recessão E Perde Posto De 3a Maior Economia Do Mundo. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/japao-entra-em-recessao-e-perde-posto-de-3a-maior-economia-do-mundo/>. Acesso em: 3 abr. 2024. 

SOARES, M. V. O ACORDO DE PLAZA E a DINÂMICA DAS ECONOMIAS ASIÁTICAS ENTRE 1980-1990: UMA COMPARAÇÃO COM a AMÉRICA LATINA PELA PERSPECTIVA JAPONESA. Revista Catarinense De Economia, v. 7, n. 1, p. 60–72, 2023. Disponível em: <https://www.apec.org.br/rce/index.php/rce/article/view/134/129>. Acesso em: 01 mai. 2024 

THE ECONOMIST. Is Japan’s Economy at a Turning point? Disponível em: <https://www.economist.com/asia/2023/11/16/is-japans-economy-at-a-turning-point>. Acesso em: 4 abr. 2024. 

MIYAZAKI, S. Reforma Monetária E Fiscal Para O Combate À Inflação No Japão pós-Segunda Guerra Mundial (1945-1951). Brazilian Journal of Political Economy, v. 12, n. 4, p. 557–573, 1 out. 1992. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rep/a/VNHpwJ9wb4rdwprvmx996By/?lang=pt>. Acesso em: 1 mai. 2024



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