A famosa rua nova iorquina foi criada anos após a fundação da colônia neerlandesa de Nova Amsterdã, em 1626, quando colonizadores neerlandeses da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais desembarcaram na ilha de Manhattan. Posteriormente, em 1653, o governador da época, Petrus Stuyvesant, exigiu a construção de um alto muro de madeira, que se estendeu por toda a fronteira norte do território. A muralha, com cerca de 4 metros de altura, tinha a missão de impedir a entrada de nativos americanos na colônia e defendê-la de ameaças externas. No entanto, ao focar suas defesas somente no norte, o sul do território tornou-se vulnerável. Assim, em 1664, os britânicos aproveitaram a vulnerabilidade da região e invadiram Nova Amsterdã, renomeando-a como Nova Iorque. Futuramente, na virada do século XVII, em 1699, o Governo Colonial Britânico iria vir a demolir o muro construído pelos antigos colonos. Entretanto, a trilha que viria a se tornar a atual Wall Street, situada ao lado da muralha, foi mantida.
Quase um século depois, em 1792, foi firmado por um grupo de 24 corretores, o Acordo de Buttonwood, tratado que determinou que as negociações de ativos nos Estados Unidos fossem realizadas entre os próprios corretores, sem a intermediação de terceiros. Desse modo, nascia a Bolsa de Valores de Nova Iorque, também conhecida como New York Stock Exchange (NYSE). Com o crescimento dos Estados Unidos, outras bolsas foram surgindo ao redor da área de Wall Street, como a New York Mercantile Exchange e a American Stock Exchange. Inicialmente, as transações ocorriam no Tontine Coffee House, um café criado por corretores e mantido por meio de uma pensão coletiva comum. Contudo, em pouco tempo, a bolsa atraiu diversos agentes, tornando o estabelecimento tão movimentado que acabou ultrapassando as barreiras do café e teve que ter sua sede substituída 11 vezes após sua fundação até se estabelecer, finalmente, na 11 Wall Street. Nos anos seguintes, as bolsas de valores, principalmente a de Nova Iorque, obtiveram um grande desenvolvimento, e atraíram diversos investidores. O cenário se mostrava bastante positivo para os corretores nova iorquinos que estavam cada vez mais otimistas com o mercado de ações.
No século XIX, Lower Manhattan, região onde se localiza Wall Street e diversas instituições financeiras, iria se envolver significativamente em um dos conflitos mais marcantes da história dos Estados Unidos: a Guerra Civil americana. Na época, o país se dividiu entre sul e norte, repleto de batalhas para decidirem se escravizados deveriam ser libertos ou não. Apesar de Nova Iorque estar localizada na porção norte do território, o estado se repartiu entre aqueles a favor e contra a guerra, e com os corretores de Wall Street não foi diferente. Uma porção argumentava a favor dos conflitos, pois, em sua visão, seria melhor para os negócios visto a oportunidade de investimentos com armamentos, enquanto outros acreditavam que a guerra somente resultaria em um mercado instável e em uma economia frágil.
E, mesmo o país estando em um momento tão turbulento, foi nessa mesma época que grandes nomes do empreendedorismo emergiram na região e estabeleceram seus legados. Alguns desses empreendedores exitosos foram o fundador da Standard Oil Company, John D. Rockefeller, o antigo principal acionista do negócio ferroviário americano, Jay Gould, também um grande investidor no mercado ferroviário e de balsas, Cornelius Vanderbilt e o banqueiro e financista J.P. Morgan. Juntos, os quatro magnatas ficaram conhecidos como os “Titãs da Indústria”. Eles alcançaram fortunas nunca antes vistas pelos americanos, sendo responsáveis por uma parte considerável do PIB dos Estados Unidos no período. Um exemplo da grandiosidade do capital desses homens é o fato de que em algumas décadas, John D. Rockefeller, conseguiu arrecadar o que hoje em dia seriam cerca de U$400 bilhões de dólares, fortuna maior que as de Elon Musk e Jeff Bezos, juntas. Além disso, sua megaempresa, a Standard Oil Company, foi obrigada pela Suprema Corte a ser dividida em 32 empresas menores por representar riscos à lei anti monopólios americana, já que em seu auge representou sozinha cerca de 90% do mercado petrolífero. Como consequência desses números nunca presenciados, mesmo na área financeira, as empresas ganharam um novo patamar e os empresários uma maior relevância.
Entretanto, mesmo com o crescimento e desenvolvimento contínuo de Wall Street como um poderoso centro comercial e financeiro, a região não estava isenta de crises emergentes, e recessões que deixariam marcas na história do mercado mundial, abalando a imagem onipotente das grandes instituições de Manhattan. Uma das crises mais notáveis foi a de 1929. A crise de 1929 ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, quando os Estados Unidos emergiram como uma potência política e econômica, enquanto os impérios e países europeus envolvidos no conflito estavam enfraquecidos. Com a Europa fora do mercado comercial, a economia americana estava em pleno vapor e experimentando um crescimento sem precedentes. Por essa razão, os Estados Unidos desenvolveu uma abordagem econômica auto suficiente. Os americanos, majoritariamente, produziam e consumiam seus próprios produtos, já que a Europa não tinha condições de exportar ou importar em larga escala. Além disso, devido aos avanços tecnológicos, sociais e culturais, surgiu a mentalidade do "American Way of Life", que resultou em uma sociedade americana imersa em um frenesi comercial com o poder de consumo dos cidadãos crescendo exponencialmente. Dessa maneira, em um ambiente otimista e com grandes oportunidades no mercado de ações, houve um enorme aumento no número de empréstimos que eram direcionados ao investimentos em empresas, e como havia um aumento das especulações, lucro era obtido, assim motivando ainda mais o empréstimo, até que em um certo ponto havia mais dívidas do que dinheiro circulando e, no dia 29 de outubro de 1929, houve o crash da bolsa, que gerou uma imensa crise financeira e levou a uma época que os historiadores apelidaram de a Grande Depressão. Diversos países se depararam com desafios, como a onda de desempregos em massa, a falência de empresas importantes e a pobreza generalizada. No cenário americano, muitos que sonhavam com o “american dream”, perderam quase tudo, homens orgulhosos agora dependiam de sopas comunitárias e antes onde havia o otimismo coletivo agora reinava a desesperança e incerteza a respeito do futuro da América.
Nesse sentido, para combater os efeitos catastróficos da crise que se iniciou em Wall Street, mas reverberou em todo o solo americano, foi criado o New Deal (uma série de medidas para o bem-estar social e recuperação econômica visando reduzir os impactos da crise de 1929 no país). Seguinte a criação do New Deal, diversas ações foram tomadas, como a definição de preços fixos de produtos estabelecidos pela Lei de Administração de Recuperação Industrial Nacional, a Lei de Ajuste Agrícola, criada para ajudar os agricultores, e a Seguridade Social que foi projetada para proteger aqueles que não podiam mais trabalhar devido à velhice. Essas mudanças foram consideradas um sucesso, pois em 1936, as políticas do New Deal haviam diminuído o desemprego em 50% e a renda dos americanos estava cerca de duas vezes maior do que em 1932. Contudo, estas e outras novas regulamentações não foram vistas com bons olhos por muitos, dos agora desacreditados, líderes de Wall Street, que criticavam ferrenhamente os esforços de Franklin D. Roosevelt, presidente na época, alegando que tais medidas seriam a ruína de Wall Street, chegando a chamar o presidente de “traidor da sua própria classe” e acusar suas ações de serem socialistas e, até mesmo, bolcheviques. Sendo assim, várias políticas tomadas pelo projeto foram, ou paralisadas, ou desfeitas pela conservadora Suprema Corte que argumentava se tratarem de atos inconstitucionais. Porém, Roosevelt não desistiu de implementar seu plano de governo e, aproveitando brechas, conseguiu substituir alguns dos juízes que ele apelidou de “monarquistas econômicos", e aos poucos, fez-se presente na Suprema Corte, assim, dando continuidade a seu projeto para transformar os Estados Unidos na maior potência mundial.
Poucos anos depois, com o início da segunda guerra mundial, o país se deparou com uma oportunidade única para sua reconstrução, e Wall Street se tornou um de seus maiores aliados nesse período. Diante da vulnerabilidade que a Europa enfrentava pós-primeira guerra, os americanos entenderam que o mercado bélico poderia ser o que eles precisavam para se reerguer após a Grande Depressão. Sendo assim, o Estado e as empresas de Wall Street foram os principais financiadores dos Aliados na segunda guerra. Diversas empresas americanas se envolveram no mercado armamentista, que somente crescia e, consequentemente, gerava novos empregos para a população e capital para o investimentos em outras indústrias. Por esta razão, observando o desenvolvimento desse mercado, especuladores ambiciosos investiram nessas empresas que, arrecadaram ainda mais dinheiro para o Estado financiar o poder bélico dos europeus e, dessa forma, de forma organizada e sistemática, o país conseguiu restabelecer sua economia.
Nas décadas posteriores à reconstrução da economia americana, Wall Street foi marcada por sua volatilidade. Houve períodos de recessão e queda, como o Crash Kennedy Slide de 1962, a recessão do petróleo na década de 70 e a crise imobiliária de 2008. Entretanto, também houve períodos de crescimento e expansão, como com a alta no mercado de ações nos anos 1950, a desregulamentação financeira do governo Reagan nos anos 80 e o boom das empresas de tecnologia na década de 90. Ademais, o avanço das tecnologias nos anos 90 resultou em um crescimento nas empresas de internet que trouxe ótimos números para Wall Street que se adaptou a esse novo cenário com seus sistemas eletrônicos e suas plataformas de negociação online que, hoje em dia, é como predominantemente ocorre as transações. A bolsa de Nova Iorque, por exemplo, passou a utilizar o sistema NYSE Arca, para suas negociações virtuais que aumentou ainda mais a conexão entre corretores e investidores.
A respeito da opinião pública dos americanos, durante toda a sua história, a população teve fortes e diversas opiniões a respeito de Wall Street. Atualmente, a opinião pública se inclina mais contra do que a favor do centro financeiro, principalmente os democratas que, em comparação com os republicanos, são os maiores críticos da região. E, após a recessão ocasionada pela crise de 2008, os americanos se viram ainda mais receosos a confiar nas grandes empresas e ricos empreendedores. Já muitos acreditam que Wall Street possui poder demais sobre a economia americana, como, por exemplo, o caso dos “Too Big to Fail” que são empresas e bancos tão grandes que sua falência resultaria em uma catástrofe econômica e o governo teria de resgatar essas instituições para evitar consequências históricas.
Sendo assim, apesar das inúmeras críticas e crises, Wall Street continua a se reerguer e exercer um papel crucial para a economia do mundo inteiro. É uma região pequena, mas que carrega consigo quantidades exorbitantes de capital e instituições que podem definir a prosperidade ou a penúria global. O que começou como uma simples rua, se tornou um símbolo econômico, exalando luxo e instigando o espírito capitalista. É a oferta de um sonho que incentiva pessoas ambiciosas a fazerem parte do mercado de ações com a esperança de um dia serem tão prósperos quanto os antigos magnatas. Muito é discutido o futuro de Wall Street e debatido como irá se adaptar com as constantes mudanças que a economia está sujeita a enfrentar. Contudo, mesmo com tantas incertezas, algo é consenso, que a história de Wall Street não está próxima do fim.
REFERÊNCIAS
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