Iuri Nascimento Santiago - CPOI
“Era O Hotel Cambridge” é um retrato contundente da realidade das inúmeras vidas refugiadas, imigrantes e brasileiras em situação de rua que buscam moradia na grande cidade de São Paulo. O filme-documentário, com certo humor típico brasileiro, mergulha profundamente no cotidiano dos ocupantes do abandonado Hotel Cambridge, na Avenida Nove de Julho, em São Paulo, que eventualmente se torna um lar improvisado para diversas famílias. Desde o início somos apresentados a diferentes personagens que representam diversidade em nacionalidade e história, representando países como o Congo, Líbano, Palestina e Sudão, nos trazendo uma dura crítica ao modo de vida que essas pessoas são sujeitas apenas por almejar um lugar ao sol em uma sociedade que muitas vezes os ignora.
Ademais, a narrativa, ao mesmo tempo que nos faz criar uma relação com os dramas pessoais vividos pelos ocupantes, também nos mostra as tensões políticas e sociais que moldam suas vidas, retratando problemas tanto nacionais quanto internacionais ao se aprofundar na história de alguns ocupantes e mostrar os motivos que os forçaram a fugir de seus países.
Nesse sentido, um dos momentos mais marcantes é o trecho do personagem Hassam, o palestino que deixou sua família em busca de uma vida melhor. Fugindo do conflito entre Israel e Palestina, que já se estende desde a década de 1940, o personagem, com olhos cansados, nos conta que nações como os EUA e países da Europa se passam por bonzinhos, mas que não almejam verdadeiramente o fim da guerra, já que é fonte de grande lucro graças às vendas de armamentos e o maior acesso à recursos naturais, como óleo e água. Em umas de suas falas, o personagem traz a seguinte reflexão: “A guerra é o ar que os Estados Unidos e a Europa respiram.” Nesse sentido, é importante ter em vista a duplicidade da problemática; onde tanto brasileiros em situação de rua, quanto imigrantes refugiados possuem seus direitos Humanos negligenciados, tornando a incompetência estatal da nação que se responsabiliza por recebê-los, e da nação que falhou ao garantir os direitos a seus nacionais um fator propulsor do infortúnio. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)
Buscando uma abordagem mais autêntica possível da problemática, a produção conta com um elenco onde diversos personagens são retratados por eles mesmos. Como por exemplo, a assistente social Carmem Silva, figura fundamental para a resistência dos ocupantes do prédio contra a ação judicial de reintegração de posse, que eventualmente viria a contar com o apoio das forças estatais, a polícia, para a realização do despejo. Graças à liderança de Carmem, a causa começa a tomar maiores proporções, alcançado refugiados de outras ocupações, aumentando o reconhecimento de movimentos que lutavam pelo direito à moradia, como o FLM (Frente de Luta por Moradia) e o MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia).
Ao colocar o cinema a serviço de uma causa, Eliane Caffé, a diretora do filme, revela que a obra é assumidamente uma ferramenta de propulsão desses movimentos, visando dar voz a pessoas que infelizmente têm seus direitos humanos negligenciados de forma constante.
No geral, “Era O Hotel Cambridge” lança luz sobre paradigmas urgentes da sociedade, como a desigualdade social, a exclusão e principalmente a falta de moradia, evidenciando a ineficácia das autoridades na aplicabilidade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como o ODS 1, que visa a erradicação da pobreza, o ODS 10, que busca a redução das desigualdades, e o ODS 11, que pauta a reestruturação de cidades e comunidades em ambientes sustentáveis, assegurando a todos uma habitação segura, saudável e à preços acessíveis. Destacando as histórias e as vozes daqueles que muitas vezes são marginalizados e esquecidos, o filme nos lembra da importância de reconhecer nossa humanidade e trabalharmos juntos para construir um mundo mais justo e inclusivo.
Referências
AGENDA 2030.(2015). ODS - Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 25 Mai. 2024.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2015.
Era O Hotel Cambridge. Direção de Eliane Caffé. Produção: André Montenegro. Brasil: Tu Vas Voir Productions, 2016.
Cinema. ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: Declaração Universal dos Direitos Humanos. Acesso em: 26 Mai. 2024.
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