- Júlia Assis
Na última sexta-feira, dia 20/05, o presidente Bolsonaro (PL) recebeu o bilionário Elon Musk no interior do estado de São Paulo para debater o projeto Starlink, que promete realizar um monitoramento da Amazônia para auxiliar no combate aos incêndios florestais, além de fornecer internet de alta velocidade a áreas mais remotas da floresta, conectando cerca de 19 mil escolas. O sul-africano é dono de empresas como a Tesla e SpaceX e é considerado a pessoa mais rica do mundo.
A Starlink entrou no mercado brasileiro em janeiro de 2022, a partir da autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para ofertar internet via satélite de órbita não estacionária, porém fazem cobertura apenas Rio de Janeiro, São Paulo, parte do Paraná e Santa Catarina. A visita do bilionário visou ampliar essa cobertura no país, incluindo, além do resto do Brasil, a região amazônica, mesmo com a existência de um sistema de monitoramento da Amazônia por satélites do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Na sua conta do Twitter, Bolsonaro comemorou a parceria, afirmando que seria “o início de um namoro” com chances de “acabar em casamento brevemente”, e ainda ofereceu a base de lançamento de Alcântara para lançamento de foguetes da SpaceX, como noticiado pela Istoé Dinheiro (2022). Já Fábio Faria, ministro das Comunicações, negou que a Starlink teria acesso privilegiado a dados sobre a Amazônia, afirmando que “eles [Starlink] é que estão abrindo mão da soberania deles para nós”.
No final de fevereiro de 2020, o presidente brasileiro havia feito uma outra declaração, dessa vez sobre seu interesse em negociar a instalação de uma fábrica da Tesla, empresa de Musk que fabrica automóveis elétricos, para o país. Considera-se, assim, o interesse da empresa em baterias recarregáveis de íons de lítio, mineral presente em abundância na América do Sul, que detém cerca de 70% das reservas mundiais, e no Brasil, que possui cerca de 470 mil toneladas das reservas e possui a sétima maior reserva do metal no mundo, a partir de dados publicados em 2021 pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).
Levando em consideração os fatos apresentados acima, parte de uma obviedade questionar os reais interesses de Elon Musk no Brasil, especialmente na região amazônica, e as consequências das suas negociações com o presidente Bolsonaro. Faz-se necessário, então, realizar algumas observações para além do caráter financeiro e empresarial do bilionário.
Musk já realizou, por exemplo, doações no valor de US$ 1,2 milhões para campanhas políticas e partidos desde 2002. Nos últimos anos, inclusive, acabou se deslocando pelo espectro político e tornou-se um aliado da direita, fazendo declarações em redes sociais polêmicas em relação à pandemia do Covid-19 e criticando as medidas de prevenção contra o vírus.
Na própria rede social Twitter, na qual é um usuário assíduo, declarou que “Vamos [ele mesmo e os EUA] golpear quem quisermos. Lide com isso!”, ao ser questionado sobre a participação dos Estados Unidos na organização de um golpe contra Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, país que é detentor de mais de 21 milhões de toneladas de lítio.
O que Elon Musk é, na verdade, é um “libertário tecnológico”, como pontuado pelo diretor de pesquisa do Centro de Gestão Política da Universidade George Washington, nos Estados Unidos. Musk procura, na verdade, o “mínimo de restrições governamentais possíveis: nada de regulações, impostos, parcerias público-privadas”, mas não hesita em aceitar subsídios governamentais, atuando de acordo com seus interesses.
O posicionamento de Musk abre um debate sobre o papel do bilionário como um importante player não-estatal nos jogos de interesse do sistema internacional, especialmente na área de finanças. Como pontuado por Keohane e Nye:
[...] We [autores] define world politics as all political interactions between significant actors in a world system in which a significant actor is any some-what autonomous individual or organization that controls substantial resources and participates in political relationships with other actors across lines. Such an actor need not be a state [...] (KEOHANE; NYE, 1971, p. 344-345)
Assim, é possível que Elon Musk, como um ator que detém grandes recursos e participa dos relacionamentos políticos transnacionais, esteja utilizando uma demanda do governo de Bolsonaro para atingir seus objetivos pessoais-financeiros. É colocado em pauta também a soberania do Brasil quanto aos seus assuntos estatais, nesse caso, sobre as reservas naturais de minérios do país.
Na América do Sul como um todo existem estratégias para gestão dos recursos naturais a partir do processo de integração regional, a exemplo da atuação da UNASUL. Porém não há a definição de uma agenda específica para a região, especialmente se considerado a atuação de transnacionais estrangeiras na área extrativismo mineral no continente, como pontuado por Monica Bruckmann no artigo El Pacto Verde Europeo y Las Perspectivas de América Latina.
Essa fragilidade em termos de defesa de recursos acaba facilitando a entrada de capital como das empresas de Elon Musk, promovendo questionamentos sobre a afirmada “proteção” dos “bens nacionais” por parte do Governo Bolsonaro e sobre os reais interesses do Brasil quanto à abertura do mercado para esse tipo de exploração, que impacta tanto na sustentabilidade, tema delicado ao Governo (clique aqui), quanto no posicionamento do Estado brasileiro como soberano quanto aos seus recursos. Faz-se necessário uma reflexão em relação a que caminho o país está percorrendo, já que a “venda” desse pode ser um contrato irrevogável.
¹ Nós [autores] definimos a política mundial como todas as interações políticas entre atores siginificantes em um sistema mundial no qual um ator significante é qualquer algum-o quê indivíduo autônomo ou organização que controla recursos substanciais e participa de relações políticas com outros atores através das fronteiras. Esse ator não precisa ser um Estado. (Tradução livre.)
REFERÊNCIAS:
BATISTA, Everton Lopes. Brasil precisa desenvolver ciência para explorar lítio sem agredir ambiente. 2022. TecMundo. Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/ciencia/231948-brasil-precisa-ciencia-explorar-litio-agredir-ambiente.htm>. Acesso em: 27 mai. 2022.
BRUCKMAN, Monica. El Pacto Verde Europeo y Las Perspectivas de América Latina. Disponível em: <http://www.centrocelsofurtado.org.br/arquivos/file/El-Pacto-Verde-y-las-perspectivas-de-Ame%CC%81rica-Latina-1.pdf>. Acesso em: 27 mai. 2022.
CESAR, Julio. Argentina, Bolívia e Chile avançam na criação da 'Opep do lítio'. 2022. Disponível em: <https://insideevs.uol.com.br/news/561909/litio-baterias-carros-eletricos-argentina/>. Acesso em: 27 mai. 2022.
ISTOÉ DINHEIRO. Elon Musk no Brasil: Quais os reais interesses do bilionário no País?. 2022. Disponível em: <https://www.istoedinheiro.com.br/elon-musk-no-brasil-quais-os-reais-interesses-do-bilionario-no-pais/>. Acesso em 24 mai. 2022.
ISTOÉ DINHEIRO. Faria nega que Musk terá acesso privilegiado a dados sobre Amazônia. Disponível em: <https://www.istoedinheiro.com.br/faria-nega-que-musk-tera-acesso-privilegiado-a-dados-sobre-amazonia/>. Acesso em: 24 mai. 2022.
KEOHANE, R. O.; NYE, J. S. Transnational relations and world politics. Cambridge Cambridge University Press: 1971.
MENDES, Felipe. “Vamos dar golpe em quem quisermos”, diz Elon Musk no Twitter. 2020. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/vamos-dar-golpe-em-quem-quisermos-diz-elon-musk-no-twitter/>. Acesso em: 24 mai. 2022.
MORI, Letícia. Elon Musk no Brasil: por que visita do homem mais rico do mundo foi tão celebrada por seguidores de Bolsonaro. BBC. 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61532013>. Acesso em: 24 mai. 2022.
LOMBRANA, Laura Milian. Sonho do lítio enfrenta choque de realidade na América do Sul. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/bloomberg/2019/10/11/sonho-do-litio-enfrenta-choque-de-realidade-na-america-do-sul.htm>. Acesso em: 24 mai. 2022.
TANJI, Thiago. Bolsonaro quer fábrica da Tesla no Brasil, mas isso faz sentido para Elon Musk?. 2020. Disponível em: <https://autoesporte.globo.com/carros/noticia/2020/02/bolsonaro-quer-fabrica-da-tesla-no-brasil-mas-isso-faz-sentido-para-elon-musk.ghtml>. Acesso em: 24 mai. 2022.
VALOR ECONÔMICO. Elon Musk no Brasil: 7 curiosidades que vão desde convite surpresa a empresário 'penetra'. 2022. Disponível em: <https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/05/23/elon-musk-no-brasil-7-curiosidades-que-vao-desde-convite-surpresa-a-empresario-penetra.ghtml>. Acesso em: 24 mai. 2022.
VALOR ECONÔMICO. O que se sabe sobre o projeto de satélites de Elon Musk no Brasil?. 2022. Disponível em: <https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/05/20/o-que-se-sabe-sobre-o-projeto-de-satelites-de-elon-musk-no-brasil.ghtml>. Acesso em 24 mai. 2022.
VALOR ECONÔMICO. Anatel autoriza Starlink, de Elon Musk, a oferecer internet via satélite no Brasil. 2022. Disponível em: <https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/01/28/anatel-autoriza-starlink-de-elon-musk-a-oferecer-internet-via-satelite-no-brasil.ghtml.>. Acesso em: 24 mai. 2022.
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